Desde 17/04/2016 – ou será desde 1500, mesmo? – estamos vivendo uma situação surreal, com toques de tragicomédia que as redes sociais potencializam através da “guerra” de versões e interpretações que ali circulam. Como usuária da rede social Facebook, tenho utilizado tanto o botãozinho do riso quanto o da fúria ou da tristeza. Vejamos alguns exemplos, dentre muitos outros.
O “novo regime fiscal” proposto pelo governo interino é um golpe a machadadas na constituição de 1988, a chamada constituição cidadã. Trata, simplificando, de reduzir em 50% os gastos sociais em 20 anos. Os investimentos ainda eram poucos e insuficientes, mas se isso passar pelo congresso (e é provável que sim, dado o caráter majoritariamente antipopular do mesmo), será decretado um retrocesso de mais de 30 anos no Brasil; profundamente trágico. Voltaremos aos tempos pré-1988. Parece que temos todo um passado pela frente, parafraseando Clarice Lispector no seu livro A maçã no escuro. O toque cômico, aqui, vem do Sensacionalista: “Aécio já é mais citado na Lava Jato que Clarice Lispector no Facebook!”. Para os não usuários da rede, esclareço que tanto Clarice, como Caio Fernando Abreu, Luis Fernado Verissimo e outros escritores são abundantemente “citados” como autores de textos apócrifos, de autoajuda, horríveis e rasos, que jamais teriam sido escritos por eles…
O tristemente engraçado é que aqueles que saíram às ruas com a camisa da corrupta CBF pedindo “mais educação e mais saúde” (genericamente, tudo por eles é falado sempre genericamente, devido à falta de informação precisa e de conhecimento mais profundo e complexo dos problemas sociais) são os primeiros a aplaudir esse achaque sem precedentes, desde a redemocratização, aos direitos sociais no país. Acham tudo lindo, desde que o ‘petê’ tenha saído do executivo. O ‘petê’, realmente, deu margem à parte do que se fala dele. Certo que tem muito delírio envolvido, boatos falsos e hoax povoaram a internet sobre Lula e seu partido, mas não se pode negar que a cúpula paulista tornou-se proto-mafiosa, que práticas de propina foram conduzidas por gente como Edinha Silva, que o modo de governar corrente desde 1500, tão criticado pelo antigo Partido dos Trabalhadores, nunca foi extinto no país, como era nossa esperança no início de 2003. Jucás, Sarneys, Cunhas e Renans continuaram a rapinagem de sempre.
Mas a se reconhecer, uma política pública que buscou ser transversal com políticas de educação, saúde e trabalho, a transferência de renda condicionada, tirou o Brasil do mapa da fome da ONU. Isso deveria ter sido amplamente divulgado e comemorado no país. A mídia hegemônica, contudo, calou. Não lhe interessava divulgar bons feitos do governo petista. Quem não circula nas redes sociais, provavelmente nem ficou sabendo. O toque cômico, aqui, são os comentários no perfil da ONU Brasil e da UNESCO, que noticiaram o positivo acontecimento: “ONU petralha, infestada de comunistas!” hahaha! Surrealismo puro, e eles estão plenamente convictos das sandices que bradam por aí. Notável como caem como patos em discursos absurdos e descolados da realidade.
Mas por falar em pato, outro personagem interessante na farsa, digo, no enredo do golpe em curso é a FIESP, aquela do pato roubado do artista holandês*, aquela que financiou regiamente a repressão durante a ditadura. Seus membros estão doidos para terceirizar em massa, para cortar custos em cima do trabalho (jamais cortam nos lucros, qué isso, né, meu!) e precarizar ainda mais a condição do trabalhador das camadas médias e pobres. Li agora a pouco uma excelente entrevista publicada no Jornal Extra-Classe (nº 204), com o juiz Sidinei Brzuska, que pondera o seguinte: “O Brasil tem 500 anos, arredondando. Destes 500, também arredondando, conviveu 400 com a escravidão. Nos últimos 70 anos, apenas quatro presidentes da República eleitos por voto direto e popular concluíram seus mandatos.” Ou seja, não temos uma cultura cidadã e democrática, muito antes pelo contrário! É naturalizado em nossa sociedade que existem alguns que vão fazer um trabalho pesado e sujo, duro e difícil, e vão ganhar pouco para isso. E que outros vão fazer os melhores trabalhos e vão ser regiamente remunerados, e que os primeiros nasceram para servir aos últimos. No período colonial, os não-brancos (indígenas e negros) não eram considerados aptos a receber salários: para eles só era pensável a servidão e a escravidão. O pensamento das “elites” (que na verdade são rasteiras, rapineiras e mesquinhas) ainda é escravocrata, herdeiro daqueles tempos.
O objetivo do juiz entrevistado é humanizar o sistema penitenciário. Aliás, falando em prisões, que coisa, hein? Hoje, quando consegui finalizar esse texto, li a notícia da prisão de mais um petista, o ex-ministro Paulo Bernardo. Tudo bem se a prisão foi necessária, aí eu não terei nada contra ela, eu realmente não sei. Mas por que, alguém me responda, por que Cunha, Aécio, Sarney, Perrela e outros estão livres, leves e soltos? Por que as prisões são seletivas? Quando se prenderá indiscriminadamente corruptos ou suspeitos de todo o espectro político? Sergio Moro, cujo pai foi fundador do PSDB no Paraná, é furiosamente tucano, todo mundo sabe disso. A partidarização tem prejudicado demais a operação Lava-Jato, que poderia significar um divisor de águas em nosso país no combate à corrupção. Lamentavelmente, não parece que vai ser assim.
Que a folha corrida dos ocupantes de cargos do governo golpista é grande, já sabemos, pois cai um ministro por semana, mais ou menos, devido ao envolvimento em corrupção. (Parêntesis para outro lance cômico, na postagem do amigo internauta Gustavo Gindre: “Cuidado ao andar na rua, pode cair um ministro na sua cabeça!”). Outro amigo postou ainda essa semana: O ministro do Esporte, Leonardo Picciani (PMDB), nomeou, nesta sexta-feira, o ex-deputado estadual em Minas Gerais Gustavo Perrella – que ficou famoso após um helicóptero de sua empresa ser apreendido pela Polícia Federal com 445 kg de pasta de cocaína em 2013 – para o cargo de secretário nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor. Os Perrella tinham também abastecido a aeronave com 14.000 reais de dinheiro público. Sabem o que a polícia concluiu após as investigações, para encerrar o inquérito? Que a culpa era toda do piloto, o funcionário da família, e eles não sabiam de nada! Hahahaha! Comédia de novo. Ou seja, tragicomédia, pois o fato em si denuncia a completa falência de nossas instituições, denuncia a fragilidade de nossa institucionalidade pseudodemocrática.
A coleção de tragédias em curso é grande, o espaço desse texto não comporta todas. O governo (interino) brasileiro suspendeu negociações que mantinha com a União Europeia para receber famílias desalojadas pela guerra civil na Síria. No ano passado, Dilma disse que o Brasil estava de braços abertos para acolher refugiados. Em 2013, o governo passou a facilitar o ingresso de sírios ao permitir que viajassem ao país com um visto especial, mais fácil de obter (a modalidade também é oferecida a haitianos). Ajuda humanitária internacional, solidariedade global, nem pensar.
Está também tentando fechar a TV Brasil, usando a desculpa esfarrapada e mentirosa de que virou um cabide de empregos (a maioria dos trabalhadores é concursada) e que custa caro. Comunicação pública e democrática não lhes interessa, claro. Legal é ficar só com Globo, Record, SBT, Veja e similares. Essas estão do mesmo lado, o lado das elites de sempre, sempre a defender seus interesses escusos. Acabar com a Comunicação Pública é colocar o país entre os mais atrasados do planeta, afirmou a jornalista Cynara Menezes. Concordo plenamente. Prevista na Constituição de 1988, a Comunicação Pública permite que uma sociedade tenha canais de expressão com interesse público e não apenas comercial.
Outro personagem bem conhecido dos gaúchos, Eliseu Qua… digo, Padilha, teve o pedido de confisco de seus bens publicado pelo MPF, na semana que passou. Os toscos integrantes do governo interino são permanente fonte de tragicomédia. Impressionante como essa gente não têm quadros! São só corruptos, despreparados, investigados, pastores reacionários… não há, entre eles, quadros qualificados para ocuparem cargos por mérito. Tragédia total.
Mas a parte da comédia fica também por conta da criatividade do povo e da patetice das figuras midiáticas de plantão. Exemplo: certo comentarista da RBS/Rádio Gaúcha, sempre contrária a governos de perfil popular, revela que dormiu em 1990 e acordou hoje de manhã (dia 18/06/2016, em que escrevi essa parte do texto): anuncia, solene, que a UNIÃO SOVIÉTICA não virá às Olimpíadas. E ainda reforça, convicto, “os soviéticos não virão”! Gente, quer dizer que os bolcheviques ressuscitaram?!? Desde 1991 estavam extintos!
Toquem a Internacional na rádio Gaúcha para dar o alarme e vamos tirar as crianças da sala. Continua o tom tragicômico dos acontecimentos no ‘Brazil’ de 2016!
*Para quem não leu a respeito: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/pato-da-fiesp-e-plagio-afirma-artista-holandes/