Aumento dos juros não controla inflação e tem impacto na renda e no emprego

Ivanir Bortot

É duvidoso que o aumento das taxas de juros arbitrada na quarta, 16, pelo Banco Central, seja suficiente para controlar a inflação em 2022.

A dúvida está explicitada no comunicado do Copom (Comitê de Política Monetária), que aumentou em 1 p.p. a Taxa Selic.

A taxa, que passou de 10,75% para 11,75%, é a maior desde de abril de 2017, quando chegou a 12,25% – recorde que logo será superado, pois o Copom vai subir ainda mais a Selic.

O certo, no entanto, é que a economia, quase estagnada, terá uma queda acentuada, com perda de renda para os trabalhadores e aumento do desemprego.

O Banco Central anunciou um aumento de 1 p.p. de imediato na Taxa Selic e outro de mais 1 p.p. na próxima reunião em maio. O objetivo é tentar sinalizar ao mercado seu esforço de controlar os preços e buscar suavizar os impactos sobre a atividade econômica.

A taxa de juros anual a partir desta quinta, 17, passa para 11,75% e, em maio, será de 12,75%, ou seja, 0,5 p.p. acima do que havia sinalizado ao mercado, que deverá ser mantida neste patamar durante 2022.

Só em 2023 é que os juros deverão cair gradualmente para 8,75%.

Quando a eleição chegar…

Os impactos destes dois aumentos de juros sobre a economia serão mais fortes nos meses das eleições presidenciais, no segundo semestre deste ano, quando o presidente Jair Bolsonaro tentará novo mandato presidencial para permanecer mais quatro anos.

Protestos contra a inflação, indicador de economia disfuncional e que atinge toda a população, sobretudo os mais pobres

A queda dos preços, o controle da inflação e a retomada do crescimento são bandeiras que seriam usadas pelo ministro da economia, Paulo Guedes, em busca de votos para seu chefe, Jair Bolsonaro.

As pesquisas eleitorais indicam que, para 43% dos eleitores, o comportamento da economia é decisivo na escolha do candidato. O tempo hoje corre contra o governo Bolsonaro.

Faltando apenas sete meses para as eleições, os efeitos monetários conseguiriam trazer os preços para baixo? A economia poderia voltar a crescer, gerando renda e empregos?

A eficácia tão necessária deste remédio amargo dos juros foi sendo minada ao longo dos últimos anos pela visão equivocada do próprio governo ao não levar a sério a questão fiscal, sem falar da instabilidade política que afugentou investidores e provocou desvalorização do real.

Hoje, faz falta ao BC um maior controle do gasto público e um câmbio equilibrado, responsabilidades do Executivo Federal. Se o comportamento destas duas âncoras fossem favoráveis, os efeitos saneadores dos aumentos das taxas de juros seriam mais rápidos para ajustar a economia.

E o FED jogando contra 

O aumento da taxas de juros nos Estados Unidos anunciada na terça, 15, pelo Fed (Federal Reserve), o Banco Central dos EUA, de 0,25% para 0,50%, e com sinais de que lá os juros pedem chegar a 2,0% com os próximos aumentos, terá impacto sobre o fluxo de recursos ao Brasil.

Ao contrário de nosso País, os Estados Unidos estão com inflação de 7,5% devido a um forte crescimento da sua economia, refletindo aumento do consumo.

Federal Reserve (Fed) – Foto Reprodução/Internet

O Fed pretende retirar dólares da sua economia com emissão de títulos públicos. Os dois movimentos devem contribuir para valorização do dólar norte-americana diante de outras moedas, como o real. Isto deverá afetar os investimentos no Brasil, apesar das nossas taxas de juros nas alturas serem muito atrativas. Importante lembrar que com estes nossos juros na alturas o custo da rolagem da nossa dívida pública pelo Tesouro Nacional aumenta, assim como o estoque da dívida. O quadro agrava-se diante de um cenário fiscal deteriorado.

O que diz o BC

Veja a seguir os argumento do comunicado emitido pelo Copom no começo da noite desta quarta, 16:

A inflação ao consumidor seguiu surpreendendo negativamente. Essa surpresa ocorreu tanto nos componentes mais voláteis como nos itens associados à inflação subjacente;
As diversas medidas de inflação subjacente apresentam-se acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação;
As expectativas de inflação para 2022 e 2023 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 6,4% e 3,7%, respectivamente;
No cenário de referência, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio partindo de USD/BRL 5,05*, e evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC), as projeções de inflação do Copom situam-se em 7,1% para 2022 e 3,4% para 2023. Esse cenário supõe trajetória de juros que se eleva para 12,75% em 2022 e reduz-se para 8,75% a.a. em 2023. Nesse cenário, as projeções para a inflação de preços administrados são de 9,5% para 2022 e 5,9% para 2023. Adota-se a hipótese de bandeira tarifária “amarela” em dezembro de 2022 e dezembro de 2023; e
Diante da volatilidade recente e do impacto sobre as projeções de inflação de sua hipótese usual para o preço do petróleo em USD**, o Comitê decidiu adotar também, neste momento, um cenário alternativo. Nesse cenário, considerado de maior probabilidade, adota-se a premissa na qual o preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura de mercado até o fim de 2022, terminando o ano em US$100/barril e passando a aumentar dois por cento ao ano a partir de janeiro de 2023. Nesse cenário, as projeções de inflação do Copom situam-se em 6,3% para 2022 e 3,1% para 2023.
O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Por um lado, uma possível reversão, ainda que parcial, do aumento nos preços das commodities internacionais em moeda local produziria trajetória de inflação abaixo dos seus cenários.

Por outro lado, políticas fiscais que impliquem impulso adicional da demanda agregada ou piorem a trajetória fiscal futura podem impactar negativamente preços de ativos importantes e elevar os prêmios de risco do país.

Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que a incerteza em relação ao arcabouço fiscal mantém elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação, mas considera que esse risco está sendo parcialmente incorporado nas expectativas de inflação e preços de ativos utilizados em seus modelos. O Comitê segue considerando uma assimetria altista no balanço de riscos.

O Copom (Comitê de Política Monetária), que aumentou ontem mais uma vez a Taxa Selic, referência dos juros para todo o País, já antecipou novo aumento daqui a 45 dias – Foto: Beto Nociti / BC

Considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 1,00 ponto percentual, para 11,75% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete a incerteza ao redor de seus cenários e um balanço de riscos com variância ainda maior do que a usual para a inflação prospectiva, e é compatível com a convergência da inflação para as metas ao longo do horizonte relevante, que inclui os anos-calendário de 2022 e, principalmente, o de 2023. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

O Copom considera que, diante de suas projeções e do risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, é apropriado que o ciclo de aperto monetário continue avançando significativamente em território ainda mais contracionista.

A atuação do Comitê visa combater os impactos secundários do atual choque de oferta em diversas commodities, que se manifestam de maneira defasada na inflação. As atuais projeções indicam que o ciclo de juros nos cenários avaliados é suficiente para a convergência da inflação para patamar em torno da meta ao longo do horizonte relevante. O Copom avalia que o momento exige serenidade para avaliação da extensão e duração dos atuais choques. Caso esses se provem mais persistentes ou maiores que o antecipado, o Comitê estará pronto para ajustar o tamanho do ciclo de aperto monetário. O Comitê enfatiza que irá perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas.

Para a próxima reunião, o Comitê antevê outro ajuste da mesma magnitude. O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar a convergência da inflação para suas metas, e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária.

Grupo antivacina faz manifestação no largo da Prefeitura de Porto Alegre

Zilá Rocha Ramos, 68 anos, pensionista, estava nervosa, tremendo. Voltou para pegar um panfleto que denuncia  supostas mortes de crianças por conta das vacinas. Estava com a filha, bióloga.

A filha ficou irritada com o conteúdo do panfleto, repreendeu a mãe e rasgou o material.

Eram umas dez pessoas  no largo em frente à Prefeitura de Porto Alegre. Segundo funcionários, é  a sexta semana consecutiva que promovem protesto contra o uso de vacina no combate à pandemia de covid. 

Um homem discursava, outro gravava a cena com o celular, duas mulheres estendiam uma faixa, outra senhora com dois cartazes e os demais distribuíam panfletos às pessoas que passavam.

André Oliveira, de 56 anos, aposentado, era um dos que distribuíam panfletos. Ao entregar os papéis ele dizia que “antes da vacinação nenhuma criança havia morrido de covid”,  o que não é verdade.

Desde o início da pandemia treze crianças morreram por conta do novo coronavírus.

| Foto: Ramiro Furquim/@outroangulofoto

 Johny, 57 anos, é securitário e não quis dar o sobrenome. Exaltou-se ao receber o panfleto: “Eu fico assim ó (mostra o punho cerrado junto do peito)… É inacreditável isso em 2022”.

| Foto: Ramiro Furquim/@outroangulofoto

Lisandra Fraga, 45, gestora ambiental, moradora da zona sul, era uma das integrantes do protesto em frente ao Paço Municipal: “A Pfizer mudou a bula 24 vezes em doze meses,” dizia. “Vários países estão tornando endemia: Barcelona(Espanha), Alemanha, Suíça, Ucrânia, que está inclusive em guerra civil…” 

| Foto: Ramiro Furquim/@outroangulofoto

Charles da Luz, 45 anos, comerciante, era quem fazia os discursos ao microfone em uma caixa de som: “Não somos contra nem a favor das vacinas. Queremos é a transparência das informações sobre essas vacinas. Tem de estar em todos os postos de saúde.”

| Foto: Ramiro Furquim/@outroangulofoto

“Infarto, trombose, miocardite. Queremos investigação desses efeitos colaterais.”, completou outra integrante que ouvia a conversa.

O panfleto da menina teria vindo de SC | Foto: Ramiro Furquim/@outroangulofoto

Por que o material é apócrifo? “Nossos panfletos serão diferentes. Nosso grupo FT Liberdade assinará os panfletos”, disse  Charles da Luz.

Perguntado sobre qual vacina é experimental, André não soube dizer qual. Outra mulher o acudiu: “Todas. Todas são experimentais”.

O que é terapia genética? “Antivacina de RNA. E qualquer outra vacina que esteja em fase experimental. O certo mesmo é Terapia Gênica.”

| Foto: Ramiro Furquim/@outroangulofoto

Viaturas da Guarda Municipal e da Brigada Militar acompanhavam a movimentação, aparentemente sem dar atenção ao conteúdo, sem tomar qualquer conhecimento.

| Foto: Ramiro Furquim/@outroangulofoto

Em Novo Hamburgo e São Leopoldo, em manifestações semelhantes, a Guarda Municipal  recolheu carros e materiais apócrifos, a partir de denúncias da população. A Prefeitura de NH apresentou queixa-crime ao MP com base no artigo 268, do Código Penal: Infração de Medida Sanitária Preventiva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Procurada, a Prefeitura de Porto Alegre respondeu: “A Guarda Municipal informa que monitorou a ação e, assim como em demais protestos em frente à prefeitura ou em demais pontos da cidade, respeita a livre manifestação.”

Eleições 2022: voltar atrás é o menor desafio de Eduardo Leite

O movimento dos empresários para convencer o governador Eduardo Leite a concorrer à reeleição tende a tornar-se irresistível.

O jantar desta quarta-feira que reuniu dirigentes das principais entidades de representação empresarial vai, certamente, desdobrar-se em outras manifestações e se expandir num efeito de pedra n’água.

Ficará fácil para o recuo da posição que Leite assumiu como irreversível, de não tentar um segundo mandato. Pesará nisso a delicada situação que o jovem governador se meteu por sua obstinada ambição de ser candidato à presidência da República já em 2022.

A obstinação não é recomendável em política, ainda mais se implica em se envolver numa aventura com Aécio Neves,  Aloysio Nunes e outros tucanos de pouca pluma.

O PSDB está caindo aos pedaços exatamente por falta de uma liderança capaz de colocar o partido acima dos interesses particulares e eleitoreiros. Eduardo Leite pode tornar-se esta liderança. Mas o caminho é arriscado

A avaliação otimista que os empresários fazem de seu governo é questionável. Ele seguiu a risca o receituário neoliberal que o empresariado de um modo geral  elevou à condição de panacéia, o remédio para todos os males. Por essa ótica,  Leite avançou como nenhum outro.

No entanto, os efeitos colaterais são graves e o paciente, embora já consiga respirar sem aparelhos, ainda está na UTI. O equilíbrio das contas estaduais que ele conseguiu é instável, o sacrifício exigido do funcionalismo é enorme, grau de deterioração dos serviços públicos é gigantesco e a questão da dívida que garroteia o Estado, está longe de resolvida.

Entre outros agravantes, ainda depende do poder central, que está em mãos adversas. Neste cenário, há que levar em conta, também, a alternidade que o eleitor gaúcho estabeleceu como tradição e que já derrubou nove governadores, que tentaram a reeleição, alguns tão ou mais bem avaliados do que ele.

É um salto triplo, sem rede. Se conseguir,  sua candidatura à presidência estará consagrada em 2026.  Se for derrotado, terá que recomeçar do zero. O que, para quem tem 36 anos, não chega a ser uma tragédia.

Crédito foto: Gustavo Mansur/PP

 

 

 

 

 

 

 

 

Passagem de ônibus em Porto Alegre só fica abaixo de R$ 6,oo se houver subsídio

Uma nova tarifa para o transporte coletivo em Porto Alegre, para vigorar a partir desse mês,  está em estudo.

Informações vazadas para a imprensa contém um recado ao prefeito Sebastião Melo: para ficar abaixo dos R$ 6 reais, como ele quer,  a passagem terá que ser subsidiada.

Em entrevista à GZH, o engenheiro Antonio Augusto Lovatto, da ATP,  disse que a tarifa calculada pelas empresas chega a R$ 6,65.

As empresas alegam que o valor atual da passagem já está abaixo do que foi calculado como “tarifa técnica” no ano passado.

Em vez dos R$ 5,20 aprovados pelo Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu), a Prefeitura determinou o valor atual, de  R$ 4,80, cobrindo a diferença com subsídios, contrariando uma antiga política de não financiar diretamente o setor.

Em 2021, foram quase R$ 40 milhões (o número é incerto, o prefeito em uma entrevista falou em mais de 50 milhões) que a Prefeitura teve que repassar às empresas para manter o serviço.

A diminuição de passageiros devido a covid e seus efeitos colaterais, como o desemprego e a perda do poder aquisitivo dos trabalhadores, colocou em xeque um sistema que já vinha claudicante.

A elevação dos custos, com a reposição salarial dos rodoviários em 10%, (depois de dois anos sem reajuste)  e a disparada no preço dos combustíveis e peças completam o quadro.

Promessa de campanha do prefeito Sebastião Melo, a “repactuação” dos contratos de concessão dos serviços de transporte público em Porto Alegre, ainda não ganhou contornos visíveis.

Com folgada maioria na Câmara, onde aprovou todos os projetos de seu interesse no primeiro ano de governo, Melo já promoveu a revisão de isenções, a extinção do cargo de cobrador, obteve autorização para privatizar a Carris, entre outras medidas de interesse das concessionárias.

Os contratos de concessão assinados em 2015 com quatro consórcios privados são considerados “defasados” pelo próprio prefeito.

O presidente da Agergs, Luiz Afonso Sena, definiu-os como “primitivos” num artigo em que defendeu sua revisão dentro de uma nova visão do transporte público.

Mas a prometida “repactuação” saiu do discurso.

Desde meados do ano passado o prefeito Melo se engajou numa campanha da Frente Nacional dos Prefeitos que cobra apoio do governo federal, já que a crise do transporte coletivo é um problema nacional.

Fala-se até em um “SUS do transporte coletivo”, num contrassenso com o governo privativista de Melo.  Várias reuniões já foram feitas, inclusive com o presidente Bolsonaro, mas de concreto, até agora quase nada.

Na verdade, o movimento dos prefeitos em busca de subsídios federais para o transporte público municipal  ainda não rendeu sequer uma manchete na imprensa.

 

 

Recado de Lula é claro: o vice é escolha do candidato e o nome dele é Geraldo Alckmin

O fato político da semana foi a entrevista do ex-presidente Lula, na quarta-feira, 19, a oito jornalistas*  da mídia alternativa.

Por razões óbvias, teve pouca repercussão na mídia empresarial, embora o Valor tenha vinculado a queda do dólar e a alta na bolsa, naquele dia, ao tom moderado do discurso do líder nas pesquisas para a presidência.da República.

Lula começou dizendo que não seria “uma entrevista convencional” mas “uma conversa verdadeira” , com profissionais que defenderam sua inocência quando toda a imprensa se pautava-se pela Operação Lava Jato, que o levou à prisão.

Na verdade, foi um discurso programático, de duas horas, em que o pré-candidato petista traçou as linhas gerais do governo que pretende fazer se for eleito.

E deixou um recado bem claro: ele quer ser candidato, está imbuído da missão de reconstruir o Brasil, mas só vai em condições de vencer e governar.

As perguntas, quase todas longas e cheias de voltas, ele as usou como “escada” para encadear seu bem articulado discurso e o que se viu foi um líder de massas no melhor de sua forma, aos 76 anos.

A questão do vice, que divide opiniões no PT e na esquerda, foi levantada já na primeira pergunta, de Laura Capriglione, do “Jornalistas Livres”.

Ela enumerou as razões por que uma parcela do PT e da esquerda  rechaça o nome de Geraldo Alckmin como vice na chapa de Lula: “o massacre do Pinheirinho, a repressão a estudantes, perseguição a professores, as chacinas na periferia em 2016”. E perguntou: “É possível compor uma aliança com um cara desses?”

Lula respondeu paternal: “Sinto que você construiu uma série de defeitos para poder falar do Alckmin”.  E, em tom condescendente: “Deixa eu te dizer uma coisa:  todo o mundo fala dessa questão do vice, só não têm falado do assunto o Alckmin e eu, por uma razão muito simples: o Alckmin está sem partido, ainda não se definiu e eu ainda não defini se vou ser candidato”.

Em seguida mandou o recado aos dissidentes, que rejeitam Alckmin como vice.  Explicou que não vai ser “protagonista”. Se for candidato é para ganhar e para fazer mudanças, por isso está “construindo” parcerias, entre as quais está Geraldo Alckmin.

Relatou seu relacionamento com Alckmin,  como governador de São Paulo, nos quatro anos do seu primeiro mandato de presidente: “Não tivemos nenhuma divergência, nem ele, nem eu. Foi uma relação extraordinária”.

E emendou: “Não terei nenhum problema se tiver que fazer uma aliança com o Alckmin para ganhar, nenhum problema. Vamos trabalhar em cima de um programa voltado para os interesses do povo”.

Minimizou os fatos passados e disse que  Alckmin assumiu “oposição definitiva” ao governo Bolsonaro e ao “dorismo” (do governador João Dória, pré-candidato do PSDB) e que hoje representa o PSDB social-democrata de Mario Covas, José Serra, Fernando Henrique e Franco Montoro”.

“As pessoas podem evoluir”, sentenciou. E lembrou Teotônio Villela, o senador alagoano que se tornou um símbolo da luta pelas eleições diretas em 1984.

“O Teotônio tinha uma metralhadora  para atirar nos comunistas em Maceió na época do golpe de 64… depois foi um grande líder da campanha das (eleições) diretas”.

Disse que vai ganhar as eleições com um programa definido e claro, com o qual o vice-presidente e todos os aliados vão estar comprometidos:  “Só não posso dizer que vou fazer (a aliança com o Alckmin) porque ele ainda não tem partido e o meu partido precisa definir se vou realmente ser candidato”.

Rematou o recado contando “uma  história exemplar”: a maneira  como escolheu o empresário José Alencar para vice-presidente em 2002.

Alencar dono de um grupo que tinha 17 mil funcionários estava comemorando 50 anos de vida empresarial, Lula foi convidado. “Não estava a fim de ir. Esse cara é um burguesão lá de Minas, o que vou fazer lá?”.

Acabou indo e sentindo-se deslocado na festa, mas no fim o anfitrião fez um discurso, contou sua vida e ele gostou muito do que ouviu: “Eu disse ao Zé Dirceu: achei o meu vice”.  Não conhecia o Alencar.

Segundo Lula, José Alencar, escolha pessoal sua,  foi um vice dos sonhos “Duvido, que alguém tenha a sorte que tive de ter um vice como o Zé. O Alckmin terá que ser igual ou melhor que o Zé Alencar”.

  • Entrevistadores:

Laura Capriglione / Jornalistas Livres

Luiz Nassif / jornal GGN

Mauro Lopes/ Brasil 247

José Cassio / DCM

Ivan Longo / Revista Fórum

Eduardo Guimarães / Blog da Cidadania

Rodolfo Lucena / Tutameia

Paulo Donizetti / Rede Brasil Atual e Brasil de Fato

 

Como serão os nove anos sob o Regime de Recuperação Fiscal no Rio Grande do Sul

O Rio Grande do Sul encaminhou ao Tesouro Nacional seu pedido de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF).

Se o pedido for aceito, o último ano de Eduardo Leite e os dois governos seguintes estarão  “engessados” por regras rígidas de corte de gastos e controle estreito das contas estaduais pela Secretaria do Tesouro nacional.

É um “remédio amargo” com muitos efeitos colaterais.

Trata-se de um contrato que o Rio Grande do Sul  busca assinar com a União, para renegociar a dívida com o Tesouro Federal, que se tornou impagável. A dívida total do Estado chega aos R$ 70 bilhões, mais de R$ 59 bilhões correspondem ao montante devido ao governo federal.

Desde 2017, com base numa liminar, o governo gaúcho não paga as parcelas da dívida, que já acumulam mais de R$ 14 bilhões.

Se a União aceitar o pedido de adesão (a decisão final será de Bolsonaro) os pagamentos atrasados serão “rolados” por mais 30 anos, o governo ganha tempo e retoma o pagamento em parcelas menores e o Estado recupera sua capacidade de receber financiamentos para resolver os outros passivos.

O governador Eduardo Leite mencionou uma possível operação de crédito de US$ 500 milhões (cerca de R$ 3 bilhões), junto ao BID. para pagamentos em acordos diretos com credores de precatórios, que tem R$ 16 bilhões a receber.

A adesão, no entanto,  tem contrapartidas.

O que o governo do RS não pode fazer:

1) Concessão de reajustes a servidores e empregados públicos e militares (exceto a revisão anual assegurada pela Constituição Federal e de casos envolvendo sentença judicial)

2) Criação de cargo, emprego ou função e alteração de estrutura de carreira que impliquem mais despesa

3) Admissão ou contratação de pessoal, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e de contratos temporários

4) Realização de concurso público que não seja para reposição de quadros

5) Criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza a servidores e empregados públicos e de militares

6) Concessão, prorrogação, renova­ção ou ampliação de incen­ti­vo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita

7) Empenho ou contratação de despesas com publicidade e propaganda, exceto para as áreas de saúde, segurança, educação e outras de demonstrada utilidade pública

8) Alteração de alíquotas ou bases de cálculo de tributos que implique redução da arrecadação

Há quase cinco anos, desde que o governador Sartori não conseguiu  mais pagar a dívida, o Estado vem fazendo ajustes para se credenciar ao acordo com a União.

O governo Eduardo Leite deu continuidade e aprofundou as reformas iniciadas por Sartori, para reduzir o déficit crônico das contas públicas.  Venceu uma resistência histórica na Assembleia Estatual ao obter autorização para privatizar o setor de energia (Companhia Estadual de Energia Elétrica, Companhia Riograndense de Mineração  e Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás).

Visando o acordo, privatizou também a Corsan,  a estatal do saneamento.

Em 30 de novembro, foi aprovado o  Teto de Gastos para as despesas do Estado, limitando o crescimento à inflação por dez anos. A medida era uma das imposições do governo federal para adesão ao RRF.

Das exigências para ter acesso ao Regime de Recuperação Fiscal, só falta a privatização na área financeira,  que no caso do Rio Grande do Sul seria o Banrisul, o último dos bancos estaduais. O governador Eduardo Leite já declarou que considera “inevitável” a privatização do “banco dos gaúchos”

Em seu relatório divulgado em setembro, a Comissão Especial  da Assembléia sobre a Crise Fiscal sugeriu que o governo do Estado não aderisse ao Regime de Recuperação Fiscal.

Seria, segundo a conclusão, um caminho que exige enorme sacrifício, com precarização de serviços públicos e sem garantia de que vá resolver o desajuste financeiro.

Essa dívida que o Estado está renegociando agora, de R$ 59 bilhões, resulta de uma renegociação feita em 1998, quanto o total devido chegava a R$ 26 bilhões (valores atualizados).

Embora, desde então,  tenha pago todas as parcelas até a suspensão dos pagamentos em 2017,  essa dívida só cresceu.

 

 

 

 

Federação alerta para perdas de estados e municípios com privatização da Caixa

A Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) encaminhou cartas a senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores alertando sobre os danos irreparáveis que a Medida Provisória 995/2020 trará ao país, caso não seja revogada ou anulada.

Assinadas pelo presidente da Fenae, Sérgio Takemoto, as cartas alertam para o comprometimento de ações e programas sociais financiados pelo banco público e as perdas que os municípios, os estados e o país terão caso a Caixa seja privatizada — caminho aberto pela MP.

Esta é uma nova ação de uma série de mobilizações realizadas pela Federação, entidades sindicais e movimentos da sociedade civil contra a medida provisória e em defesa da Caixa 100% pública.

Nas cartas, a Fenae destaca que “além de ser o ‘banco da casa própria’, a Caixa também impulsiona o desenvolvimento nos estados e municípios com a oferta de crédito para operações de saneamento e infraestrutura”. E que, só nos três primeiros meses deste ano, foram investidos R$ 84,7 bilhões no setor.

A Federação também observa que o banco tem se mostrado imprescindível neste momento de crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus.

“Já efetuou o pagamento do auxílio emergencial a mais de 65 milhões de pessoas e está responsável pela liberação de saques do FGTS para mais de 60 milhões de trabalhadores. Isso sem contar o apoio à economia, com a concessão de empréstimos ao setor produtivo, neste momento crítico pelo qual o país atravessa”, reforça a Fenae.

Medida Provisória

Editada pelo governo Bolsonaro na noite do último dia 7 e encaminhada ao Congresso, a MP 995 permite a criação de subsidiárias da Caixa e, a partir delas, a criação de outras subsidiárias, com o objetivo de privatização do banco.

Um total de 412 emendas à medida provisória foram apresentadas por deputados e senadores; mais de uma dezena delas, sugeridas pela Fenae.

Nas cartas aos parlamentares e prefeitos, a Fenae chama a atenção para o fato de que o fatiamento do banco constitui uma manobra para burlar a necessidade de consentimento do Legislativo à venda de estatais. A Federação também observa o desrespeito do Executivo e ao Supremo Tribunal Federal.

“Para burlar decisão do STF, que veta a venda de estatais sem autorização do Poder Legislativo, o governo Bolsonaro promove o fatiamento da Caixa, a exemplo do que vem fazendo com a Petrobras — fato já questionado pelas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado — para posteriormente consolidar a privatização da empresa-matriz”, reforça a Fenae.

Na carta direcionada aos vereadores, prefeitos e deputados estaduais, a Fenae lembra o papel social do banco e a contribuição da estatal para o desenvolvimento econômico e social dos estados e municípios: “Nesse período de crise, é a Caixa que tem socorrido estados e municípios, que já estavam em dificuldades por conta da recessão antes da pandemia. Desde março, o banco já emprestou mais de R$ 5 bilhões a esses entes federativos”.

A Fenae observa ainda que a MP 995 “enfraquece o banco e o desenvolvimento regional por ele induzido porque pretende privatizar justamente as áreas mais rentáveis da Caixa, que contribuem significativamente para a capilaridade do banco e seu efetivo papel social, seja no benefício aos mais carentes ou no financiamento da infraestrutura”.

A Federação destaca também que o banco atua em 5.415 dos 5.570 municípios brasileiros, com mais de quatro mil agências e quase 84 mil trabalhadores.

“Por meio do banco, foi possível a implementação de políticas sociais fundamentais para conter a desigualdade em nosso país, como o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família, além dos investimentos na infraestrutura de todas as regiões do Brasil”, pontua a Fenae.

Além da Caixa Seguridade, o governo vem afirmando a intenção de vender a área de Cartões como também as loterias, o setor de Gestão de Ativos de Terceiros e o Banco Digital criado para o pagamento do Auxílio Emergencial.

APOIO — Nas duas cartas, a Federação solicita o apoio dos senadores, deputados, prefeitos e vereadores ao Manifesto contra a MP 995, que já conta com adesão de mais de 220 parlamentares e entidades da sociedade civil.

(Com informações da Assessoria de Imprensa)

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Bullying: um em cada dez estudantes é vítima

Por Tiago Lobo
O fenômeno sempre existiu mas não era estudado. Virou bode expiatório perfeito para achar motivos para “explicar” tiroteios em massa. Especialistas refutam a tese.
Um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2004 concluiu que o Bullying é um problema universal que afeta cerca de um terço de crianças por mês, em todo o mundo. Para cerca de 11% de crianças, este tipo de abuso, praticado pelos seus companheiros, é severo (várias vezes por mês).
No Brasil, um em cada dez estudantes é vítima segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2015. A Lei nº 13.185, em vigor desde 2016, classifica o bullying como intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação e existe até uma data instituída por meio da Lei nº 13.277 para o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência nas Escolas, 7 de abril.
O Diagnóstico Participativo das Violências nas Escolas, realizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) em 2015, com apoio do MEC, revelou que 69,7% dos estudantes declaram ter presenciado alguma situação de violência dentro da escola. Isso fez com que o bullying fosse incluído na Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015: 7,4% dos estudantes informaram que já se sentiram ofendidos ou humilhados e 19,8% declararam que já praticaram alguma situação de intimidação, deboche ou ofensa contra algum de seus colegas.
A psicóloga e professora da Pós-Graduação em psicologia da PUCRS, Carolina Lisboa, pesquisa os processos de bullying, cyberbullying, desenvolvimento social e sócio-cognições em contextos virtuais. No estudo “O fenômeno bullying ou vitimização entre pares na atualidade: definições, formas de manifestação e possibilidades de intervenção”, publicado em parceria com os pesquisadores Luiza de Lima Braga e Guilherme Ebert, conclui-se que a participação contínua em episódios de bullying gera distorções nas concepções de emoções e desenvolvimento moral.
Lisboa define o fenômeno como um processo de vitimização entre pares: pelo qual uma criança ou adolescente é sistemática e repetidamente exposta a um conjunto de atos agressivos (diretos ou indiretos), que ocorrem sem motivação aparente, mas de forma intencional. Pode ser protagonizado por um ou mais agressores e é caracterizado pelo desequilíbrio de poder e ausência de reciprocidade. A vítima possui, geralmente, pouco ou quase nenhum recurso para se defender.
O estudo o avalia como um subtipo de comportamento agressivo que gera atos violentos e, na maioria das vezes, ocorre dentro das escolas. E emerge na interação social.
“Como está associado a um processo normativo de formação de identidade e exclusão dos diferentes (na individuação eu vou definindo quem sou a partir de quem não sou), sempre acontece bullying”, afirma Lisboa, ressaltando que não significa dizer que a prática é justificável. Para a pesquisadora o Bullying se mantém por conta do preconceito e juízo de valor agregado a um processo natural de formação de identidade pessoal, passando pelo grupo de iguais.
Os efeitos do bullying variam de acordo com cada vítima: “Uma pessoa pode sofrer bullying e não representar um trauma e pode sofrer um assalto e significar como trauma. Bullying e cyberbullying são violências gravíssimas com impactos negativos”, aponta Lisboa.
Ela explica que as implicações possíveis na saúde mental de crianças e adolescentes passam por baixa autoestima, baixa autoconfiança e autoeficácia, dificuldades de controle de emoções (especialmente de raiva), dificuldades acadêmicas, profissionais, insegurança, agressividade, isolamento, fobia social, uso de substâncias, depressão e ansiedade.
Quando pergunto se o bullying pode levar uma pessoa a cometer um tiroteio em massa Carolina Lisboa é categórica:
“Não vou chancelar essa ideia. Gostaria de deixar claro que não acredito nesta linha de raciocínio. Muitas variáveis influenciam nestas tragédias inclusive histórico de saúde mental pregresso, cultura entre outros. Uma coisa é o bullying e outra é a psicopatologia”.
Apesar de o ambiente escolar ser o palco de maior prevalência de bullying, o fenômeno ocorre em outros contextos, não se restringe a um determinado nível socioeconômico, tampouco a uma faixa etária específica ou gênero
A pesquisadora revela que o que mais aprendeu nos seus estudos é que agressores também sofrem e permanecem na violência com medo de que sejam vítimas no futuro. Eles ficam reféns em um ciclo, e podem não ter intenção de machucar e nem entender que estão machucando, visto que as pessoas têm diferentes níveis de empatia e alguns não são empáticos.
Para lidar com vítimas e agressores, a comunicação familiar é fundamental. Pais devem ir até a escola, estabelecer limites claros e criar oportunidades para favorecer diferentes habilidades que nutram a autoestima dos filhos, favorecendo relações do jovem fora da escola.
Agressividade sempre gera agressividade e somos influenciados por modelos, portanto, Lisboa sugere que “Ao invés de eleger culpados deveríamos pensar em uma cultura não agressiva e violenta em todas as escolas e na sociedade. Sem punições inadequadas e com valorização do amor, da alegria, da solidariedade”.

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