A tragédia de Felipe Klein

Renan Antunes de Oliveira

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Especial para o JÁ – Vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo / 2004 – Reportagem

Na noite do sábado 17 de abril, um corpo de aparência incomum foi levado pela polícia ao necrotério da Avenida Ipiranga. Tinha duas protuberâncias esquisitas na testa. O médico-legista abriu o couro cabeludo, abaixou a pele até o nariz e se deparou com algo muito raro: dois chifres implantados na carne, feitos de teflon. Cada um era quase do tamanho de uma barra de chocolate Prestígio.

O cadáver estava todinho tatuado. Trazia argolas de metal nos genitais, mamilos, lábios, nariz e nas orelhas – e estas tinham orifícios da largura de um dedo.

felipe_klein2De entre os chifres saíam três pinos metálicos pontiagudos. A língua fora alterada: cortada ao meio e já cicatrizada, parecia a de um lagarto.
É claro que Felipe Augusto Klein, morto aos 20 anos, nem sempre teve uma aparência assim.

Nasceu uma criança saudável. Era o caçula dos cinco filhos do casal Lili e Odacir – o pai é um político influente, quatro vezes deputado federal, ministro de FHC e secretário estadual da Agricultura do governo Germano Rigotto.

Fotos de Felipe no álbum da família mostram a criança típica da classe privilegiada: um menino de cachinhos loiros, olhos azuis, bochechudo, limpo, bem vestido – e, às vezes, sorridente.
Foi na adolescência que ele começou a se mutilar com tatuagens, cirurgias e implantes. Pouco antes de morrer preparava-se para botar nas costas uma pele de lagarto e rasgar sulcos no rosto, para pintar neles uma máscara dos maoris, nativos da Nova Zelândia.

Em sua curta vida Felipe radicalizou em ‘body modification’, a expressão inglesa dos adeptos de mudanças corporais. Nos últimos três anos, todo mês gravou alguma figura nova no corpo, ou se aplicou algum piercing. Para combater as dores provocadas por agulhas e bisturis ele se automedicava.

As dores físicas eram fichinha se comparadas ao espírito atormentado de Felipe. A mãe, as duas últimas namoradas e os dois amigos mais próximos o descreveram como um jovem patologicamente sensível a tudo que o rodeava – e em especial, ao alcoolismo do pai.

‘Eu não sou desse mundo’ era sua frase predileta. Felipe disse que se sentia assim para dona Lili, para Helena, seu grande amor, para Karen, sua última namorada, para Cristiano e Xande, dois tatuadores tão amigos que cada um segurou uma alça do caixão, e para Virgínia, uma amiga que foi ao enterro chorar com a família.

Não dá para saber quando foi que ele começou a se sentir desse jeito. A mãe contou que ‘cedo’ a família percebeu nele ‘alguma coisa diferente’. Por isso, ‘desde pequeno recebeu tratamento psicológico’. Nos dois últimos anos esteve ‘sob o controle de um psiquiatra’.

Os médicos diagnosticaram um mal que surge na adolescência. O ‘transtorno afetivo bipolar’, ou ‘psicose maníaco-depressiva’. Felipe vivia na gangorra entre depressão e euforia, quase sempre no lado da baixa. Era tratado com um coquetel de antidepressivos.

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Na literatura médica, a origem do mal é incerta. Pode ser genética, ou despertada por um trauma. O certo é que ‘ele nunca foi uma criança feliz’, afirmou a mãe. Ela não sabe explicar como, entre seus cinco filhos, apenas Felipe teve a sina. ‘O mundo dele era seu quarto e seus bichos, não gostava de jogar futebol, nem de sair’.

Felipe passou a infância em Brasília, onde seu divertimento era colecionar gnomos, seres imaginários de uma lenda nórdica. Na adolescência, já em Porto Alegre, onde terminou o secundário no Colégio Sevigné, aumentaram seus sintomas depressivos.

Por alguns meses fez parte da tribo urbana dos góticos, jovens que se vestem de negro, assumem um ar deprê e desprezam o resto da sociedade – mas se afastou deles porque o pessoal o considerava excessivamente… gótico.

Quando saiu dessa tribo de humanos, ele se voltou mais ainda para seus bichos. Passava dias trancado no confortável quarto que ocupava no amplo apê da família, no edifício El Greco, onde morava com a mãe, uma tia e mais de 20 animais.

Minizôo
No seu minizôo tinha gatos com pedigree, cobras importadas, filhotes de jacaré, tartarugas e lagartos. ‘Ele gostava mais de animais do que de gente’, contou Helena, citando outra frase ouvida dele. Tal paixão o levou a estudar Veterinária na Ulbra, mas logo se desinteressou.

Paixão permanente só por tattoos. A primeira ele fez aos 11, levado pela mãe. Era um sol, na coxa direita. Na adolescência evoluiu de tatuagens inocentes para figuras demoníacas e implantes radicais – já então contrariando os pais.

Pesquisando na internet, Felipe virou autoridade em body modification. Quando começou a fazer experiências no próprio corpo ele apareceu na RBS TV, demonstrando as técnicas. Vaidoso, cortejou cineastas para tentar exibir seu visual em filmes. Já na fase da modification total suas imagens acabaram exibidas ao grande público, mas no Ratinho, numa comparação grotesca com um porco.

Seu visual o transformou numa celebridade na web. No pequeno círculo dos tatuadores ele chegou a jurado de competições internacionais.

Quem o conhecia sabia que era determinado e não temia a dor. Ele mesmo se aplicava alguns piercings, aquelas argolas metálicas que usava no corpo, cuja fixação é um pequeno suplício.


Quando botava na cabeça que faria alguma modification ia em frente. Foi dele próprio a idéia dos chifres. ‘Eu tentei dissuadi-lo dizendo que um dia ele se arrependeria e que então seria doloroso retirá-los, mas ele não ouvia ninguém’, lembrou dona Lili.

Com a decisão tomada, ele estudou os passos da operação em livros de Medicina. Depois, orientou o tatuador que fez a cirurgia.

Nos últimos meses Felipe alimentou a bizarra fantasia de se transformar num animal como aqueles que amava – a idéia era virar um lagarto, aplicando sob a pele das costas bolinhas de silicone que lhe dariam um aspecto enrugado. A língua já estava pronta, dividida numa operação feita por um dentista de Taquara.

No final de março Felipe anunciou a meta de implantar a máscara maori e virar lagarto, coisas que o deixariam irreconhecível. Ninguém duvidou da possibilidade. Mas era tarde. Ninguém pôde mais fazer coisa alguma por ele, exceto assistir sua dolorosa renúncia à humanidade.

Polícia não consegue depoimento do pai
A primeira pessoa a ver Felipe morto foi Tadeu, porteiro do edifício Palácio, onde morava Odacir Klein. Ele contou que estava no saguão quando ouviu ‘um grito e um baque’. Caminhou até o muro que dá para o edifício Santa Maria e viu o corpo do rapaz estatelado no depósito de lixo do prédio vizinho.

Eram 18h56min do sábado 17 de abril. Tadeu chamou a polícia.

Quase três meses depois, a polícia ainda não tinha concluído o inquérito para apurar se Felipe se atirou, ou caiu, ou foi jogado do apto 903, o quarto e sala do pai no nono andar do Palácio, no 888 da Duque de Caxias.

Só pai e filho estavam no apartamento na hora da morte – e o pai não deu depoimento. Alguns jornais divulgaram que alguém vira Felipe no parapeito momentos antes da queda. Tal testemunha confirmaria suicídio, mas ela nunca existiu.

Quem esteve muito próximo da cena, mas também nada viu, foi Lucas, um estudante que mora no oitavo andar do prédio vizinho, quase janela com janela com o apê onde estava Felipe. Ele apenas ouviu o mesmo grito e baque escutados pelo porteiro.

Por determinação superior, a investigação da morte de Felipe não foi para a delegacia do bairro, como sempre acontece com cidadãos comuns, mas sim para a especializada em homicídios.

O delegado Márcio Zachello, encarregado do inquérito, disse que ‘a investigação contempla todas as possibilidades’, mas trabalha mais com a hipótese de suicídio. Ele promete concluir a apuração ‘em breve’. Três são as principais evidências de suicídio. A primeira é que o corpo de Felipe foi encontrado a 11 metros de distância do prédio do Palácio, sinalizando que ele teria tomado impulso.

A segunda foi a constatação de que o pai estava quase inconsciente na hora da tragédia, bêbado demais para qualquer ação violenta. Examinado pelo Departamento Médico-Legal, ele tinha 26 decigramas de álcool por litro de sangue, numa escala onde seis é o limite legal da embriaguês.

A terceira é o depoimento da namorada, a estudante Karen, 20 anos. Ela disse às autoridades que os dois tinham um pacto de suicídio. Karen desistiu da idéia quando eles discordaram sobre formas indolores de morrer – Felipe gostava de se flagelar.

Ainda faltam duas peças para a conclusão do inquérito. O laudo da perícia feita no local pelo Instituto de Criminalística e o depoimento do pai. Ele já disse a familiares e amigos que não se lembra de nada do ocorrido naquela noite.

Filho cuidava de Odacir
Era Felipe quem cuidava do pai quando este bebia demais. ‘Meu filho se preocupava com o que pudesse acontecer com Odacir’, contou dona Lili. ‘Ele sempre tentava protegê-lo’.

O drama do alcoolismo foi vivido em segredo pela família durante anos, até ser exposto em rede nacional de TV, em 1996. Odacir, então ministro dos Transportes, voltava de uma festa com o filho mais velho, Fabrício, quando este atropelou e matou um operário, em Brasília. Os dois fugiram sem prestar socorro à vítima, mas alguém anotou a placa do carro e eles foram descobertos. O ministro estava embriagado. Com a repercussão do caso ele renunciou ao cargo.

No últimos anos Odacir fez vários tratamentos, alternando períodos ruins com outros de sobriedade. No ano passado, se separou da mulher e foi viver na mesma rua, a um quarteirão. Quando estava em dia ruim, assessores levavam documentos oficiais para que ele os assinasse em casa.

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Última hora
Passava das 5 da tarde daquele sábado quando Felipe saiu do apê da mãe, atravessou a Praça da Matriz e caminhou até o do pai. Àquela hora a família sabia que Odacir estava alcoolizado – e o filho cumpriria pela última vez a tarefa de cuidar dele.

‘Quando meu filho saiu eu fiquei rezando o terço libertário. Pedi a Jesus para proteger e libertar os dois’, disse dona Lili – ela não derramou uma lágrima sequer durante 40 minutos de entrevista, numa manhã de junho.

Felipe chegou no edifício do pai e o esperou no saguão. Odacir apareceu pouco antes da seis, cambaleando. Caiu no portão. O zelador Gérson e o porteiro Tadeu tiveram que carregá-lo.
Os dois levaram Odacir para o elevador. Na curta viagem, Gérson notou que ele se contorceu de dor, provocada por um forte beliscão que Felipe lhe aplicara nas costas.

‘Eu disse para ele parar de judiar do doutor Odacir’, contou Gérson. Felipe rebateu: ‘Ele só nos faz passar vergonha’. A frase do rapaz com o rosto desfigurado soou estranha para o zelador: ‘Vinda de quem vinha, parecia piada, mas notei que ele estava muito nervoso e fiquei quieto’.

No apê, Felipe ordenou que os dois atirassem o pai no chão, mas Gérson não aceitou: ‘Mandei ele abrir a bicama da sala e o deixamos ali’.

felipe_klein8.jpgO que aconteceu depois não teve testemunhas. Vizinhos ouviram pai e filho discutindo, gritos abafados por portas fechadas. Às 18h56, a queda.

A polícia chegou logo depois. Odacir aparece sem camisa nas fotos do inquérito, descabelado. Num relatório do SAMU os paramédicos atestaram que ele estava ‘com hálito etílico, fala arrastada e movimentos desorientados’, mas sem ferimentos, exceto pequenos arranhões.

Uma parente passou pela rua, viu o rebuliço, ouviu o zum zum zum e correu para a casa de dona Lili – ainda sem saber quem tinha morrido. ‘Eu pensei que tinha sido o Odacir’, disse depois dona Lili. ‘Quando entrei na sala e o vi de pé, entendi que era Felipe’.

Ela ainda teve coragem para ir à janela e olhar para baixo. O filho estava de bruços, com as pernas quebradas, os pés torcidos para fora e os braços abertos em cruz.

Serenidade
felipe_klein4.jpgDona Lili disse que já temia que o filho se matasse e mostrou dois sinais: ‘Uma semana antes ele me deu uns óculos que eu gostava e distribuiu os bichos’. Tutankamon, o gato persa preferido, e Corn Snake, uma cobra americana, foram para o amigo Xande, tatuador em Camaquã.

A mãe disse que agora se sente serena porque ‘ele sempre teve tudo o que queria, toda a ajuda que precisava. Não adiantou. Acho que ele estava muito avançado para nós, noutra dimensão’.
Ela buscou apoio num grupo de pessoas que também perderam parentes: ‘Com eles a gente pode falar, explicar e entender tudo’.

Dona Lili e o resto da família decidiram armar uma barreira de silêncio. Todos temem que o incidente possa prejudicar a candidatura do irmão Fabrício à Câmara de Vereadores.
Recuperado do choque, Odacir retomou o trabalho, até viajou para a China na comitiva do governador. A tragédia uniu outra vez Lili e Odacir – ele voltou para casa, nunca mais pisou no apê onde Felipe morreu.

Rebeldia no enterro
Felipe fez parte de um grupo gótico freqüentador do estúdio Tattoo Company, da rua Duque. A musa do pessoal era a pintora Sílvia Motosi, uma Frida Kahlo dos pampas, cujos trabalhos estão expostos este mês na Usina do Gasômetro – amiga de Felipe, tatuada no mesmo estúdio e pelo mesmo tatuador, ela se matou em 2002, do mesmo jeito: saltando da janela do apê da família.

Quando menino Felipe era como um mascote da turma, composta por gente bem mais velha. Na adolescência era cliente compulsivo. Finalmente, quando já estava todo tatuado, virou garoto-propaganda da casa. O pessoal de lá elogiava muito seu visual – ele se sentia estimulado e ia cada vez mais fundo.

felipe_klein9.jpgUm tatuador do estúdio era seu confidente. Quando não estava se tatuando, Felipe aparecia com amigos para quem oferecia os serviços do estúdio. Por algum tempo a mesma turma se reuniu no atelier da arquiteta Roberta, uma notável na tribo, para discussões sobre body modification, universo gótico e a arte da tatuagem, considerada por eles ‘tão efêmera quanto a vida’.

Ainda adolescente ele serviu de modelo num calendário gótico. Na última página Felipe exibe o corpo com a palavra ‘alone’ (sozinho), enquanto abraça a arquiteta – ela hoje tem 32 anos, vive na Áustria.

Uma série de fotos feitas pela produtora de moda Marion Velasco, com a participação de modelo Priscila Burman, é emblemática do visual chocante de Felipe mesmo antes do implante de chifres.
Seu corpo estava coberto por tatuagens aparentemente sem sentido. A mais dramática era uma face demoníaca no peito. Exibia cemitérios, dragões, flores, máscaras, frases completas – uma delas, em alemão, dizia ‘solidão para sempre’.

Para quem se sentia sozinho em vida, Felipe teve um enterro superconcorrido. Com a presença do governador Germano Rigotto, do senador Pedro Simon e até de adversários políticos do pai, como o ex-governador Alceu Collares, a cerimônia acabou atraindo centenas de pessoas e muitos jornalistas – foi tudo, menos discreta.

Os amigos do lado gótico dele não gostaram de ver tantos políticos no velório. Virgínia contou que um grupo de tatuadores, ela junto, ‘se posicionou entre o caixão e os políticos durante alguns minutos, tenho certeza que Felipe gostaria do que fizemos para protegê-lo’.

As diferenças entre família e tatuadores apareceram também no convite para enterro, com dois textos. Um falando que o menino foi acolhido por Jesus e Maria. O outro dizendo que ‘no mundo de Felipe não pode haver maldade’. Houve um pequeno momento de constrangimento entre as duas turmas, episódio relatado por Virginia. A irmã dele, Fernanda, estava fazendo um agradecimento público aos tatuadores, dizendo ‘vocês eram sua verdadeira família’, quando foi brecada pela mãe: ‘Não filha, ele nos amava, nós é que éramos sua família’ – dona Lili falou com a autoridade de quem mais o conhecia.

Felipe levou consigo algumas de suas bizarrices. No dedo anular direito, um anel em forma de esqueleto. No pescoço, uma corrente com seu inseparável bisturi. Virgínia meteu um broche no caixão, em sinal de amizade eterna. Karen, a última namorada, botou uma vaquinha nas mãos dele, certa de que seu amor só estaria feliz na companhia de algum animal.

Felipe foi enterrado no cemitério São Miguel e Almas. Virgínia reclamou da aparência prosaica do túmulo, queria ‘alguma coisa medieval’, que ela julgava seria mais ao gosto gótico do morto.

A tumba acabou adornada por um singelo bibelô de gesso, com a figura de um anjo montado num escorpião. A mãe mandou gravar uma frase na lápide, citando o martírio de Jesus no Calvário: ‘Nos precedestes na luz’.

Amor no Rio de Janeiro foi raro momento de paz
Felipe conheceu o amor. Foi em outubro de 2001, numa convenção de tatuadores, em São Paulo. Aos 18 anos, branquelo e magro, 1m80 e ombros largos, ele atraiu Helena, sete anos mais velha, branquela e cheinha, 1m66. Ela só se aproximou dele dias depois, no protocolo jovem: via email.

Já em Porto Alegre, ele respondeu dizendo que também a tinha notado. Pediu uma imagem para conferir. E gostou da mulher que não fazia o tipo deprê. Carioca criada no Leblon, filha de uma professora de Literatura Francesa e formada em Publicidade, ela trabalhava numa produtora de filmes.

Superocupada, só teve tempo de vir a Porto Alegre na virada de 2002. Na noite de Ano Novo os dois ficaram. Ela jura que ‘foi um sonho’.

Helena se disse atraída ‘porque ele era muito bonito antes das modificações’, além de ser ‘mais sério do que muita gente mais velha’. Ela o achou então ‘longe de ser deprê’ e que seu figurino ‘era menos extremo’. No carnaval Felipe foi pro Rio.

Por alguns dias Helena ia trabalhar com Felipe a tiracolo. Ele ficava rolando nas locações, esperando pelo tempo livre dela. Os dois tomavam muito sorvete na lanchonete Chaika, em Ipanema. Ela engordou alguns quilinhos, ele não, ela acha que é porque ele ‘era magro de ruim’.

Helena estava apaixonada. Elogiou Felipe como ‘tudo, menos um amador’. Ela topou mudar-se para Porto Alegre. Em março de 2002, veio morar com ele, a mãe, a tia e a bicharada dele. ‘Foi um tempo legal. A gente via desenhos animados, assistia filmes sobre Medicina no Discovery. Às vezes, ele inventava coisas na cozinha, era bom em massas’, recorda a moça.

O relacionamento foi crescendo e as diferenças aparecendo. Helena: ‘Ele dizia que queria ser cada vez menos humano. Sentia ódio da raça humana. Detestava pessoas gananciosas e as que buscam notoriedade’. A ex-namorada lembra que ‘uma coisa muito dele era sofrer quando via gente fazendo coisas ruins, uns passando por cima de outros para aparecer’. Ela dizia ‘esquece isso, vamos nos divertir’, mas parece que ele ‘não era disso, levava as coisas até o fim’.

Mais Helena: ‘Eu acho que é por isso que ele se matou. Ele queria ser o menos humano, mas ao mesmo tempo encarava todos os problemas. Se você encara, como é que vai sobreviver ? O suicida é aquele que não vê uma saída. E Felipe era assim’.

Ela disse que ele demonstrava ‘grande preocupação com o pai. Quando ele sofria suas crises de alcoolismo, Felipe era o mais prestativo. Tomava a iniciativa de ajudá-lo, mas na volta se via que ele sofria. Ficava quieto num canto, muito triste’.

Num momento de depressão Felipe disse a Helena que gostaria de ser internado. ‘O psiquiatra não concordou e receitou Lexotan’, conta a ex-namorada. Depois de um ano trancada no quarto com Felipe, ela foi embora: ‘Nenhuma história de amor dura para sempre’ e ‘eu precisava trabalhar’ foram suas razões.

Nos primeiros meses separados ele foi muito ciumento. ‘Eu passei a ficar em casa, no Rio, para não desagradá-lo. Mas depois ele entendeu e me disse para desencanar, não queria nada ruim assim no nosso relacionamento’.

Felipe também seguiu adiante. No início, queixou-se para Cristiano da separação. Depois arrumou outra namorada, mas reclamava que ela ‘pegava no pé por picuinhas’. Não queria ficar sozinho e seu lema passou a ser ‘antes mal acompanhado do que só’. Nunca escondeu sua paixão e a falta que Helena lhe fazia.

Depois da morte, Helena foi chamada pela família – ela não o vira durante a fase final de modificações corporais. Um carro oficial foi esperá-la no aeroporto e o enterro atrasado para sua chegada.

Virgínia disse que a viu no caixão, serena, repetindo baixinho para o morto, com ternura: ‘Me desculpe. Se eu não tivesse ido embora você ainda estaria vivo’.
Agora é tarde, Felipe Augusto foi na frente. Nos precedeu na luz.

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Prêmio Esso entre vaias e aplausos | Post/entrevista no Observatório da Imprensa sobre a entrega do Prêmio Esso de Jornalismo à Renan Oliveira e ao Já

43 comentários em “A tragédia de Felipe Klein”

  1. É isso que dá, uma família desestruturada pelo alcoolismo e despreparo de seus pais em perceber algo errado com esse jovem. Fica aí o exemplo para muitos jovens.

  2. … sim, é uma história triste e dolorosa, no entanto EU não sinto essa tristeza e dor, não pelo fato de não o ter conhecido ou fazer parte da família, mas pelo simples fato de ter a plena certeza que os suicidas são fracos e sempre indiferentes, há milhões de seres humanos com uma vida tão ordinária que motivos não faltariam para um ato similar ao do Felipe, mas enfrentam tudo com o peito aberto, na certeza de que um dia a redenção vai chegar… esse garoto precisava era de um tratamento psiquiátrico mais intenso e recluso.

  3. Esta história me comoveu, um cara que tinha tudo vindo de uma familia de grande atuação no meio politico, fazer o que fez com sí mesmo não é nada normal. Eu não entendo mas acho que isso deve ser um desvio, ou algo que faltou na sua vida que não tem explicação. Mas eu não vejo que ele tenha sido uma pessoa ruim, eu acho que era muito diferente das pessoas normais, esse cara pra mim virou um icone que nem uma celebridade do balck metal onde só tem pessoas trash.

  4. o que mais me choca nisso , é um repórter picareta entrar na minha casa tirar fotos e roubar fotos , fazer perguntas idiotas e se auto promover em cima da tragédia alheia.

  5. Gostaria muito que Dep Odacir Klein me procurasse ,hoje preciso de sua ajuda ,lamento muito esta tragédia ,eu tbm perdi uma filha ,devido um acidente de transito ,ela estava com o namorado,ele sobreviveu ela não ,mas meu medo é que meu filho mais velho ,hoje com 34 anos se deixe vencer pela bebida.

  6. Em Brasília o sobrenome Klein é bem conhecido. Em 1996 o irmão desse sujeito, Fabrício, atropelou e matou um trabalhador pobre de família humilde, fugindo sem prestar socorro. Seu querido papai, que na época era ministro do governo FHC, estava com ele dentro do carro.
    Nada como um dia depois do outro.

  7. Esse texto foi estudo da disciplina de Redação 4, do curso de Jornalismo, do Bom Jesus Ielusc, em Joinville.
    ‘Uma das melhores matérias jornalísticas que já li. ‘

  8. Essa foi uma vida sem o exemplo de fé de um pai, que não soube trazer o que devia ser o mais importante na vida, o filho ,aos pés de Jesus.me dói o fim desse jovem,que merecia ser feliz.

  9. consequencias da criação dos pais. que como sempre cedem e permitem atitudes cada vez mais inconsequentes destes jovens, adolecentes e principalmente de pré-adolecentes. pois é mais facil do que realmente negar , educar e proibir certas atitudes… como exemplo segue a mãe que levou o menino (uma criança com apenas uma vontade boba de aparecer, talves até para os proprios pais ou amigos) com apenas 11 anos de idade para fazer sua primeira tatuagem!!! triste historia

  10. Tadinho do guri, se matou pela vergonha de ter um pai facínora, escroque e mafioso, um político nojento e safado, que passava por cima de todo mundo.
    Deve ter sofrido muito por ter sido gerado por um sujeito assim, e que por cima ainda bebina pra afogar a vergonha de ser um mafioso. Preferiu a morte a encarar o nojo que era a prórpia família, representanto do pior que possa haver na espécie humana.

  11. Muito bonita,a reportagem. Bem escrita e emocionante, sem ser apelativa. Eu não conhecia a história. Não sei por que, a grande mídia procura ocultar fatos de relevância, com a falsa alegação de que são privados, no entanto um grupo de privilegiados ocupantes de cargos de destaque fica sabendo, como se essas informações estivessem proibidas para a população comum. Lamento a perda do rapaz, mas acho que transtorno bipolar é complicado, e que, independentemente do alcoolismo do pai, tem sérias predisposições ao suicídio.

  12. Texto de péssimo gosto,onde esta o “jornalismo” ai? palavras mau estruturadas,texto mau revisado,”Cada um era quase do tamanho de uma barra de chocolate Prestígio.”..que comparação absurda e ridícula,essa matéria é de mau gosto,basta ver os termos usados,não da pra acreditar que tenha gente que ache isso bonito,ou emocionante…rs realmente lamentável…

    1. Em primeiro lugar não é “mau”, seria um texto “mal” revisado. Em segundo, não há palavras mal estruturadas, talvez frases, uma vez que o redator não cria palavras. Quanto à imagem, o redator quis dar uma referência que todos conhecem e, talvez, não tenha sido muito feliz, mas o texto é uma coisa pessoal, assim como a opinião da leitora.

  13. Peço desculpas ao jornalista, mas este texto é um dos mais preconceituosos que já li. Me admira muito que seja ganhador de prêmio Esso. O fato de o Felipe Klein ter ou não modificações corporais não faz dele mais ou menos “louco”. A Body Modification é uma prática que é feita por gosto, e não por doenças mentais. Se ele se matou isto independe das tatuagens, piercings e suspensões que fazia; os motivos foram outros. Seria necessário conversar com psicólogos e psiquiatras sobre o assunto antes de colocar informações sem ter conhecimento.

  14. Rara cobertura e narração dos fatos. Matéria completa e literária, foi usada hoje, na minha aula de edição jornalística 5º periodo (UNI-BH). O professor, Fabrício Marques, tinha o objetivo de mostrar o tipo de texto usado para narrar o acontecimento. Porém, o que ele conseguiu foi despertar a tristeza que o texto deixa claro sobre a vida/morte deste jovem.

  15. Infelizmente essa é a realidade de muita gente (transtorno bipolar), a atitude de Felipe nada tem haver com sua opção pela modificação corporal, acho que ele encontrou nessa pratica, uma forma de substituir a dor da alma, pela dor fisica (sei bem como é isso). Fica em paz Felipe….

  16. Que história mais triste! Parece ter crescido sem limites. Como uma mãe leva o filho de 11 anos para fazer uma tatuagem?! enfim…
    E o texto? Ruim, muito ruim. Se não soubesse de quem é diria que havia sido escrito por um adolescente com pouca informação. É isso o que vocês estudantes de jornalismo aprendem na faculdade?Ainda ganhou prêmio! Palhaçada, hein?!

  17. Bom… em meio a tantos comentários sobre ter sido boa ou nãoa matéria, acho que isso não importa muito agora. Porém é de extrema importância que histórias como essa venham ao conhecimento de todos, a final trata-se de uma vida que se foi sem salvação. A palavra de Deus fala no livro de Mateus que os suicídas não teram parte no Reino dos Céus assim como pessoas como o pai desse rapaz, entregue ao vício e condutas de carater egoísta. Enfim, Jesus morreu na cruz para que nós tivessemos vida e vida com abundância, não só na terra, mais principalmente a vida eterna junto dEle. E o diabo meus irmãos, existe, aí está a prova, ele veio para roubar, destruir e matar. Não tenho nada contra profissionais que estudam e tratam o psiqué humano, são muito úteis para nós, foram constituídos por Deus, porém esse caso está intimamente ligado com a espiritualidade, com o conhecer aquele Jesus do qual falei a pouco, o que morreu por nós, morreu, porém, ressuscitou ao 3° dia e está pronto para nos socorrer a todo instante, não é de barro e nem se quebra quando cai no chão, ou ainda, não está pregado em um madeiro. Ele vive e é o dono de todas as coisas, basta aceitá-lo como o único e suficiente Salvador de nossa alma! A Paz do Senhor!

  18. Essa entrevista nada mais é do que o mais explícito exemplo de preconceito. Quem esse reporterzinho pensa que ele é p´ra ficar julgando o que o Felipe era ou deixava de ser? Quem esse Renan pensa que é p´ra fazer tantas afirmações dessa forma, sem ao menos ter conhecido o Felipe?
    Renan, a mim vc não conseguiu alienar, vc pode ter conseguido alienar um povinho ae, mas creio que muita gente está vendo o quão preconceituoso é o seu texto.
    Uma última observação, seu reporterzinho de 5ª, antes de escrever sobre algum assunto (no caso body modification, e até alguns pontos do gótico), conheça, pois realmente é de extremo levianismo e porquisse vc comentar sobre algo que vc só tem em mente o “por cima”.
    VC É PATÉTICO E EXTREMAMENTE PRECONCEITUOSO, RENAN.

  19. Conhecer os indivíduos que geramos e/ou criamos é a base para podermos cumprir o papel, a priori, escolhido por nós mesmo; aos pais cabem a responsabilidade pela transmissão e exemplicação de valores éticos, morais, afetos, regras, enfim todos os preceitos necessários para despertar nos filhos a vontade e o desejo de lutarem pela resignificação de alguns valores, têndencias e crenças disfuncionais. Assim, além de termos entes queridos, adultos, com maior probalidade de equilíbrio emocional para lidar com as constantes adversidades presentes na atualidade, poderemos dormir com a certeza do dever cumprido.

  20. O cara que escreveu é tão tosco que nem sequer pesquisou a fundo a vida de Felipe para fazer essa matéria ridícula, ( “Trazia argolas de metal nos genitais, mamilos, lábios, nariz e nas orelhas – e estas tinham orifícios da largura de um dedo.”) quando ele morreu era impossível ele trazer argolas de metais como o fulano sita nos mamilos porque ele não tinha mais os mamilos, foram removidos, como o cara ganha um premio se nem sabe o que está falando.
    descanse em paz Felipe.

  21. Eu nao acho essa uma aula de bom jornalismo. Concordo que ele expoe os fatos, mas ao mesmo tempo e uma materia completamente preconceituosa. Entao alguem so se tatua ou se mutila por que faz parte dos goticos? Ou essa pessoa ficou deprimida por que se tatuava?
    Nao, quem nunca passou pela dor da depressao sabe o que e isso. E esse tipo de preconceito so piora a situacao. O que fazemos com o nosso corpo, ou as roupas que usamos, nao muda nosso carater. Sim, talvez tenhamos nos interessado por isso pelo fato de odiarmos a humanindade e odiarmos a maneira como os humanos tratam uns aos outros e aos animais. Mas nem todos que se vestem assim ou se modificam sao deprimidos, pelo contrario. Assim como uns gostam de luzes californianas e marca de bikini, outros gostam de andar de preto e ter a lingua cortada, por que isso nao pode ser considerado normal? Para mim e completamente anormal a maneira como as pessoas que se dizem normais julgam as outras. Na minha opiniao, pele bronzeada, oculos dourado e chinelo sao horriveis, e nem por isso acho que quem se veste assim e vagabunda e quer chamar a atencao, mesmo que todas as que eu conheco que se vistam assim sejam vagabundas e queiram chamar atencao. Nao se pode generalizar.
    Felipe teve uma vida que poderia ser muito boa, mas o que os senhores nao compreendem e que por tras da riqueza e da fama, pode existir o mundo mais solitario de todos, e eu creio que ele era tao ou mais humano do que todos voces, porque ele se importava com o que acontecia com os outros humanos e tambem com os animais. Ele era o unico que cuidava do pai quando este bebia. O seu irmao matou um cara, e voces ainda dizem que o Felipe era louco?
    Sinceramente, ta faltando e bom senso. Num pais em que predomina a diversidade, o minimo que voces deveriam fazer era respeitar os gostos e a aparencia de alguem. O que fazemos com os nossos corpos e vida, nao e da conta de ninguem, e simplesmente nao e extremo, uma vez que esta sendo feito nos nossos corpos e nao nos dos outros.
    E como disse o Freakboy, ‘como o cara ganha um premio se nem sabe o que está falando.’?
    Como as pessoas ainda sao tao preconceituosas a esse ponto? Por que nao simplesmente respeitam a diversidade e aceitam que somos todos diferentes? Se cada um de nos fosse discriminar pessoas diferentes, esse mundo seria muito, mas muito pior do que ja e.
    E por isso que ele preferia os animais e so se interessava por algumas pessoas. Esse mundo e sujo, falso e mesquinho. As pessoas so querem passar as outras pra tras. Ridiculo.
    Humanos estupidos.

  22. Passei por este guri várias vezes na Rua Duque de Caxias, em Porto Alegre. Quem é pai logo via que era uma pessoa com problemas mentais, precisava de tratamento e atenção.
    Era um rapaz impossível não ser notado pela exagerada excentricidade, todo de preto, cheio de correntes, piercing e tatuagen, até umas guampas pequenas na cabeça.
    Infelizmente lhe faltou foi pai, mãe, família e amigos.

  23. Esse repórter não passa de um preconceituoso, que não conhece 1/5 da história verdadeira, e coloca suas opiniões como se fossem a verdade.
    Sério, se ele se matou, deixou de se matar, se se tatuou, ou o contrário, o problema é dele, esse repórter tem como função colocar o fato verídico, sem julgá-lo, ou pensar que o entende. A opinião deste repórter chulé, para mim, e para todas as pessoas que tem o mínimo de inteligência, ou conhecimento do assunto não tem relevância alguma, e o que o Felipe fez em vida, se deve unicamente ao mesmo, e na minha opinião, já que temos tantas aqui, não é? A humanidade continua essa porcaria porque ao invés de tentarem ajudar ou citarem algo de algum proveito, vocês só querem julgar e prejudicar a imagem do Felipe.
    PS: Nem preciso dizer que a visão de alguns aqui a respeito do suicídio é extremamente vazia e ignorante, não é?
    abraços, Rafi Diaz

  24. Acho que o texto não é preconceituoso e não afeta a imagem do Felipe. Pelo contrário, mostra exatamente que a família mal estruturada causa diversos problemas. Ninguém fala que ele é louco, apenas que ele tem transtornos, como diversas pessoas o tem e talvez o jeito excêntrico dele fosse consequencia do transtorno, talvez não. O texto é ótimo exatamente por isso, pq nos faz pensar no pq de tudo que o guri fez, não o julga, pelo contrário, nos coloca cara a cara com todos os fatos para pensarmos no sofrimento que esse guri passou e no que resultou.
    Aposto que todas outras reportagens que falam sobre isso se resumam a: o guri tinha problemas mentais, já que queria virar um animal e se suicidou. Isso sim seria preconceituoso.

  25. O texto é excelente e a matéria é incrível. Curioso como Renan abordou uma cena tão triste e infeliz. Gostaria deste impresso se possível. Estou trabalhando um documetnário sobre suicídio e esta edição seria de extrema importância para o meu trabalho. O Jornal poderia me disponibilizar? Mesmo que foto digital da capa e material interna??
    abs

  26. Triste que uma matéria tão mal escrita e preconceituosa tenha ganho um prêmio. Por acaso publicar sobre suicídio não é contra a ética jornalística? E escrever absurdos sem fundamento, então? Claramente as fontes foram extremamente parciais, pois quem conhecia o Felipe sabe que boa parte do que está relatado é falso, visão de pessoas querendo se promover com a tragédia alheia. Uma vergonha.

  27. É… como motorista de táxi que sou, ja peguei o Felipe algumas vezes no ponto da Caldas Junior. Certa vez levei-o até uma ferragem na Protásio Alves para que ele pudesse comprar umas telas… Sua aparencia externa era uma pouco assustadora, mas pelo pouco tempo que tive de conversa com ele, era notório que em seu interior habitava um anjo.. Sua maneira de se comunicar era angelical… Me acoselhou mandar minhas fazer vestibular na Ulbra, como sou pobre, ele me disse, faz o vestibular o resto aparece depois, sempre se da um jeito…Se hoje estou cursando veterinária é porque fiz o vestibular e o resto ajeitei depois… Fique em paz Felipe… E muita força para Dna. Lili e Odacir. Que o anjo que habitava o corpo do Felipe ilumine suas vidas com muita paz e amor. É o que Felipe gostava.. Beijo no coração de voces…

  28. Em todos os sentidos, essa reportagem apenas explicita o quanto foi um caos a vida desse jovem. Problemas familiares, alcoolismo presente na figura paterna. E esse desequilíbrio extremo em “modificar” o corpo perfeito que recebeu da mãe natureza. É inacreditável que alguém possa “defender” a própria auto-tortura física como “demonstração que não está contente com o mundo em que vive”. Em nossas vidas, todas as nossas decisões (ou omissões) cobram um preço que pode ser alto demais…..Triste é saber que o sofrimento desse jovem não acabou no ato extremo do suicídio, e sim ainda ficará por muito e muito tempo no caminho de seu espírito.

  29. Numa pesquisa de imagens pela web, cheguei a este post. E me surpreendo por diversos motivos: Esta matéria foi, originalmente, impressa no Jornal JA; as imagens não tem créditos, muitas delas foram cortadas e estão descontextualizadas; o jornalista Renan Antunes de Oliveira, com a matéria, recebeu premios nacionais; a matéria foi trabalhada em sala de aula nos Cursos de Jornalismo e, por fim, pelo jornalista ter morrido de Covid19, recentemente.
    Discordo de quem premiou este trabalho e de quem comentou dizendo que a matéria é boa e que a pesquisa foi bem feita.
    Por algum tempo, eu convivi com Felipe e fiz várias fotos que ilustram a matéria. Sou artista visual e Felipe foi um colaborador em performances que fiz. A matéria é preconceituosa e isso não é bom jornalismo. Como disse, as imagens estão sem crédito, foram cortadas e, se estão descontextualizadas e, com isso, distorcem e criam a narrativa (do jornalista) de que Felipe era uma pessoa atormentada e perdida. Além disso, o jornalista ainda expõe outra pessoa, a modelo que participou da performance. Depois que Felipe morreu, o jornalista, que eu desconhecia, me abordou na Av. Osvaldo Aranhas, disse que estava fazendo uma pesquisa sobre ele, que ja havia entrevistado outros amigos dele, a última namorada e pensava escrever uma matéria em sua homenagem. Eu falei como o conheci e dos trabalhos que fizemos juntos. O jornalista insistiu numa entrevista e pediu pra eu levar fotos. No dia marcado fui a uma casa na Rua Augusto Pestana, em Porto Alegre, onde o jornalista disse que era a sede do Jornal JA. O jornalista fez perguntas que sondavam o humor, os relacionamentos e os possíveis desvios de personalidade de Felipe. Eu falei da educação, da extrema doçura e bondade dele. Cheguei a dizer que se os anjos existissem, eram como Felipe e, sobre sua aparencia que, talvez, buscasse uma imagem mais ´agressiva´ para se proteger. Lembrei de quando Felipe foi agredido no centro da cidade, simplesmente, por andar na rua. Mostrei as fotos das performances que Felipe colaborou, onde foi feito um percurso pelas ruas próximas ao Parque do Dmae, junto a uma modelo num zentai suit sem máscara, que lembrava a pele de lagarto, que havia sido exposto num evento artístico, fotográfico, num shopping da cidade, entre outros trabalhos e fotos em festas. O jornalista quis ficar com algumas fotos, disse que as compraria. Eu não quis deixar as fotos, porque se tratava do meu trabalho. Ele insistiu que elas eram ótimas porque dar um panorama da vida de Felipe. Como fiquei reticente, o jornalista deixou o termo de cedencia das imagens e saiu da sala pra me deixar pensar. Eu achei que a publicação poderia acompanhar uma onda de exposições que estavam acontecendo na cidade e ensaios fotográficos em revistas nacionais sobre a Body Modification. Felipe redesenhou seu corpo com tatuagens, piercings e implantes subcutâneos. E essa é uma prática ancestral, é comum em diversos povos, inclusive para os indígenas brasileiros. No contemporâneo, diversas subculturas urbanas adotaram estas práticas, como forma de arte e de identificação. Naquele período, a Secretaria de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre, havia promovido uma série de conversas, no evento Idéias Provocantes (acho que era esse o nome) onde trouxe convidados regionais e nacionais, pra tratar de arte, vestimenta, música eletrônica e modificação corporal. Então achei que colaborava pra desmistificação do assunto e pratica. Aceitei deixar as fotos da performance e das demonstrações de colocação de piercing. Assinar o a autorização de uso de imagem e o jornalista não comprou as 4 fotos, me deu um envelope com R$30,00, disse que o jornal não tinha dinheiro. E realmente, o JA era um jornal barato e popular.
    Quando a matéria foi publicada no jornal físico, acabei comprando e, ao ler, fiquei em choque, entendi que a matéria era uma forma torta de atingir o pai de Felipe, o ex-ministro dos Transportes, Odacir Klein, que estava envolvido a crimes e outras falcatruas. Enfim, não pude reclamar a matéria, por ter assinado o termo de cedencia das 4 imagens e, na forma física, aparecia nos créditos o meu nome… Fiquei com muita vergonha, da ingenuida, de ter caído nesta armadilha de um jornalismo sensacionalista (marrom). E, ao invés de valorizar a memória de uma pessoa gentil, que passou por esse mundo com muita elegancia, delicadeza e generosidade, a matéria o expunha ( o meu trabalho e a outra modelo colaboradora) de modo desrespeitoso.
    Sinto muito. Perdão e obrigada por tudo, Felipe.

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