O casarão amarelo, numa esquina nobre de Porto Alegre (Venâncio Aires com João Pessoa), já abrigou uma escola. Há duas décadas, pelo menos, está abandonado, porque seu proprietário, o governo do Estado do Rio Grande do Sul, não consegue achar um destino para ele.
Planos não faltaram. O governador Olívio Dutra queria sediar ali o Museu Antropológico do Estado. Seu sucessor, Germano Rigotto pensou num “Centro de Cultura Negra”. A Procergs quis botar lá dentro seus computadores… Todos os planos fracassaram, ninguém sabe direito por que. Consta que o prédio tem uma dívida impagável com a CEEE.
Agora, a Secretaria de Administração informa que o casarão terá um destino nas próximas semanas. Segundo a assessora de imprensa, Adriana Correia, o secretário Elói Guimarães se reuniu na semana passada com três entidades, cujos nomes ainda não foram divulgados, para escolher qual a melhor proposta.
“É tudo enrolação. Ninguém sabe nem de quem é essa casa, se do estado, do município ou da união. Cada vez vem um aqui dizendo que vai fazer um projeto, mas nunca acontece nada e a casa vai continuar abandonada se eu sair” afirma Geraldo Márcio Xavier, 64 anos que há três anos mora no casarão. Ele transformou o imponente prédio, de área equivalente a três apartamentos médios, num escritório para seus biscates.
Nos tempos em que ficou ao Deus dará, o “escritório do Geraldo” foi abrigo de desocupados, ponto de drogas, antro de maconheiros e até bordel para sem teto. Os vizinhos reclamavam, mas a polícia raramente aparecia por lá.
Segundo o arquiteto Helton Bello, do EPAHC (Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural de Porto Alegre), o prédio pertencente ao casario histórico da João Pessoa erguido no início do século passado, com traços do período Positivista.
Por dentro, é um favelão. Não tem água, nem luz, está sem forro. De móveis tem apenas um sofá. Seu Geraldo usa o lugar para fazer bicos de eletricista, pedreiro, carpinteiro, pintor – e aos domingos tira um troco usando o pátio como estacionamento para freqüentadores da Redenção.
Geraldo conta que veio de Curitiba e que tem curso de administração ( ele é propositalmente vago e esquivo). O dono da banca de revistas localizada na frente do imóvel comentou que se sente mais seguro agora que ele expulsou os “chinelões”. Orgulhoso do seu feito, Geraldão se gaba: “Se eu não tivesse feito aquilo, hoje isso aqui nem existiria mais”.
Por enquanto ele está tranqüilo. Só a Brigada Militar aparece por lá de vez em quando:“Quando eu não estou os brigadianos arrombam o portão, entram aqui, quebram tudo e levam as minhas coisas de caminhão”. Ele até deu queixa na polícia, reclamando sumiço de cama, mesa e cadeiras.
Lá dentro o quadro é deprimente. Vidros quebrados em janelas quebradas, pintura gasta. Quando chove, o “xerife” passa trabalho com as dezenas de infiltrações no telhado. Tudo o que ele tem lá é um sofá e uma mesinha de ferro. Na parede, ele pintou uma frase guia da empreitada: “Propriedade de Deus”.
Antes, Geraldo morava numa área invadida na avenida Padre Cacique, perto do Estádio Beira Rio. Foi removido pela Prefeitura, junto com os demais moradores, por estar em “área de risco”. Pouco depois, na “área de risco” foi construída a sede da “Imperadores do Samba”, que está lá até hoje.
Segundo Geraldo, durante um tempo, a prefeitura pagou um hotel para ele e o filho, mas depois não tinha para onde ir. Todos os dias passava em frente ao casarão e não entendia o porque de estar vazio, sendo que necessitava tanto de um lugar pra dormir.
Numa dessas decidiu entrar. “Quando eu entrei aqui isso era uma bagunça, tinha traficante, prostituta, drogado. Eu limpei isso aqui, os vizinhos até hoje apertam a minha mão e me agradecem. Tem um monte de gente que fica falando que eu invadi, mas isso aqui estava abandonado, se eu não tivesse aqui cuidando ia estar bem pior”
“Eles acham que eu estou enriquecendo aqui, ganhando 70 reais por domingo. Ficam preocupados comigo, enquanto tem um monte de gente roubando. Se eles quiserem que eu devolva o dinheiro que ganho aqui, eu devolvo, mas só se os políticos e os colarinhos brancos que roubam bilhões também devolverem.”
Sobre as entradas constantes da polícia ao imóvel, afirma que “eles quebram tudo: janelas, correntes do portões. O portão da frente e eu já mandei consertar várias vezes, tenho todos os recibos comigo, para não dizerem que eu estou depredando o patrimônio público”.
Há 15 dias atrás, viaturas da polícia militar e uma funcionária do departamento de patrimônio, foram até o casarão tentar tirar Geraldo e o filho de lá. Sem saber explicar muito bem, ele diz que a “dra. Fátima, diretora do departamento, prometeu um acordo”. Ele sonha com “uma licença para continuar na casa e regularizar a situação”.
“Se eu sair, isso aqui vai continuar abandonado. Se querem que eu saía, então, venham conversar comigo, me ajudar, arrumar um lugar pra eu morar, porque já me tiraram uma casa”, diz ele.
Com reportagem de Daniela De Bem e Pedro Lauxen
Parabéns por esta matéria que denuncia o descaso com o ser humano, e ao mesmo com nosso patrimonio histórico.
Ótima matéria, apresenta a face oculta que o município de POA tem, e demostra que necessitamos priorizar nosso patrimônio histórico efetivamente.
Alexandre O.