Um grupo de seguranças a paisana foi destacado pela construtora Goldsztein Cyrela para monitorar a demolição de um conjunto de seis casas históricas na rua Luciana de Abreu, bairro Moinhos de Vento.
A derrubada do casario ocorreu na tarde da sexta-feira, 23 de dezembro, em um ambiente tenso, mas sem confusões. Os seguranças apenas afastavam fotógrafos curiosos, que queriam registrar a cena por cima dos tapumes instalados no local.
O conjunto de seis casas da Luciana de Abreu eram patrimônio do bairro e estavam em ruínas foram ferrenhamente defendidas pelos moradores, que há 14 anos lutavam para preservar o patrimônio histórico.

Relatos de quem esteve na rua durante a demolição dão conta de que moradores do bairro testemunharam a derrubada. Alguns questionaram a decisão da empreiteira; uma senhora se preocupou com os gatos que ali viviam – um dos diretores da incorporadora, Claudio Goldsztein, que acompanhava o trabalho de perto, a acalmou.
Houve até quem aplaudisse a demolição porque, abandonadas como estavam as casas serviam de moradia para sem-teto.
As casas estavam se deteriorando a olhos vistos, mas a construtora afirma que a manutenção não era sua responsabilidade. “Aquelas casas iriam ruir sozinhas. A única questão é quanto tempo levaria. As casas não pertencem à Goldsztein (…) foi feita uma permuta com as proprietárias. Enquanto a Goldsztein não entregar os apartamentos, ela não é dona dos imóveis”, afirmou, em entrevista ao jornalista Itamar Melo, na ZH, o advogado da empresa Milton Terra Machado (leia a íntegra abaixo).
As casas foram construídas em 1930 para servirem de moradia aos mestres cervejeiros alemães da antiga cervejaria Bopp (depois Continental), cuja fábrica, no bairro Floresta (onde hoje é o shopping Total) foi projetada pelo famoso arquiteto Theodor Wiederspanh – criador de edifícios que são emblemas da cidade, como o Margs, Memorial do Rio Grande do Sul e Casa de Cultura Mario Quintana.
Havia uma suspeita de que essas casas também pudessem ser obra de Wiederspahn – o arquiteto e pesquisador Günther Weimer, autor da obra Theo Wiederspahn Arquiteto (Edipucrs) sustenta que eram mesmo obra do alemão. Entretanto, a empresa defendeu que não, o que se confirmou na decisão judicial.
Derrubada estava autorizada há 30 dias
A demolição das casas da Luciana de Abreu coincidiu com as festas de final de ano – foi na antevéspera do Natal, quando tradicionalmente a cidade está mais vazia. Porém, a empreiteira já tinha autorização judicial para colocar o conjunto histórico abaixo desde o início de dezembro.
Ao jornalista Itamar Melo, o advogado da Goldsztein Cyrela, Milton Terra Machado, justificou a data dizendo que a empresa “está fazendo tudo com muita calma, com muita parcimônia”. Mas as seis casas foram demolidas em poucas horas.

Apesar de estarem há alguns anos fechadas e sem uso – à exceção da casa branca mais à direita do conjunto, ocupada irregularmente por um senhor que deixou o local sem reclamar – as casas ainda guardavam verdadeiros tesouros, como vitrais e portas de madeira de lei maciça. Para retirá-las dos marcos, foi preciso juntar a força de quatro operários.
As duas casas das extremidades também estavam com a estrutura da parte dos fundos muito firmes, tanto que não foi possível concluir essa parte do trabalho na sexta-feira à tarde.
Carta gera críticas na internet
Durante a demolição, uma carta assinada por Sérgio Goldsztein, um dos diretores da empresa, começou a circular na internet. Diante das casas da Luciana de Abreu, uma senhora também carregava o papel impresso.
No documento, a empreiteira explica a decisão judicial que autorizou a derrubada e “reafirma seu cuidado com a memória de Porto Alegre”, ressalvando, porém, que diante do “eterno embate entre desenvolvimento e preservação” é preciso se guiar “por critérios técnicos e não puramente emocionais”.
Na internet, muitas pessoas compartilharam a carta criticando a empresa e convocando a um boicote ao empreendimento que será erguido no local: um edifício residencial com 16 pavimentos numa rua secundária do bairro, quase o limite da altura permitida pelo Plano Diretor em grandes avenidas de Porto Alegre (18 andares).

Em seu perfil no Facebook, a Goldsztein recordou as tentativas de fazer um acordo com o Ministério Público, que propôs a ação. “Não teria sido o primeiro empreendimento onde a empresa investiu na restauração e preservação do patrimônio ou de imóveis antigos com valor afetivo. Mas não houve diálogo. Quem selou o destino das casas foi o movimento Moinhos Vive”.
Questionado sobre se as tentativas de acordo não indicavam que a própria construtora reconhecia o valor histórico das casas, o advogado da empresa, Milton Terra Machado, reconheceu que eram “meramente” tentativas de “pôr fim à demanda”: “Isso é comum nas lides forenses”.
Empreiteira desqualifica movimento
O advogado da Goldsztein aproveitou a entrevista para desqualificar o Moinhos Vive – que deu origem a uma ampla mobilização na cidade para a preservação das características dos bairros mais antigos e se reproduziu em praticamente toda a área central de Porto Alegre.
“Do bairro, da Luciana de Abreu, tinha oito pessoas que não queriam isso (a construção de um edifício no local), mas era por outra razão, que é o sol, porque duas pessoas que começaram esse movimento moram nas coberturas da frente e não querem que o prédio saia porque dali tem vista para o Parcão. Tem muita coisa por trás”, acredita Milton Terra Machado.
Em outro momento, Machado analisa: “Esse negócio (de criticar) começou com o lema do ‘diga não ao espigão’. Não tinha nada a ver com patrimônio histórico. O problema era o espigão, não as casas”.
Apesar disso, o advogado reconhece que havia preocupação social com a manutenção das casas e que a mobilização era grande. “Tem gente que veio de tudo que é bairro para salvar as casinhas do Theo Wiederspahn. (…) As pessoas estavam preocupadas com o patrimônio histórico. O cara que mora na Glória nunca viu as casinhas, mas estava lá na passeata”, observou, sublinhando, entretanto, que não foi comprovada a autoria do projeto das casas.
ENTREVISTA: “A Goldsztein está fazendo tudo com muita calma”, diz advogado da empresa
Concedida a Itamar Melo, do jornal Zero Hora
Desde quando vocês têm a decisão judicial que permitiu a demolição dos casarões?
Faz uns 30 dias, mais ou menos. A Goldsztein está fazendo tudo com muita calma, com muita parcimônia. Basta ver que são 14 anos e que tudo foi investigado, no que podia dizer respeito ao patrimônio histórico. Existia um abaixo assinado, que todo o Moinhos de Vento assinou, mas que era para preservação do patrimônio histórico do bairro Moinhos de Vento. Não tinha nenhuma relação com as casas. É até um sofisma delicado, difícil de engolir. A empresa nunca reclamou que estava demorado. Foi cumprindo os passos pacientemente.
ZH recebeu um comunicado da Goldsztein, informando sobre a decisão judicial, apenas na tarde desta sexta-feira, quando já estava em andamento a demolição. Não pega mal para a construtora só informar que tem essa decisão judicial quando já está realizando a demolição?
Não. Vou colocar novamente: se tem uma empresa que trabalha com fair play, com preocupação ética, é essa. Ela não teria qualquer obrigação de pedir licença à imprensa para fazer isso. O que está fazendo é não surpreender a imprensa.
Não se trata da imprensa, mas da sociedade, que fica sabendo pela imprensa, mas só foi informada quando a demolição já estava consumada.
Não concordo. Não concordo contigo.
Mas não estou dando uma opinião. Estou questionando sobre essa estratégia da empresa de só informar sobre a decisão judicial quando já estavam demolidas as casas.
Veja bem. A Goldsztein não está sozinha nesse processo. O Ministério Público (MP) é o autor da ação. O MP sabe há tanto tempo quanto eu. E, pelo que a gente sabe, há uma via dupla de interlocução entre o MP e o Moinhos Vive, que são as pessoas que se movimentaram para que não saísse isso. Então, ficaria estranho até ela colocar um apedido dizendo que saiu a decisão.
Houve um momento em que a construtora aceitou a ideia de um acordo que manteria três dos casarões. Por que foi adiante com a ideia de demolir os seis?
Porque o acordo não foi aceito. Se te proponho um acordo, e tu não aceitas, então vale a regra do jogo.
Mas ao aceitar o acordo, a empresa não reconhecia o valor histórico dos casarões?
Não. Era meramente um acordo para pôr fim à demanda. Isso é comum nas lides forenses.
O que vai ser feito no local?
Vai ser feito um prédio da Goldsztein, um bonito prédio. Diziam, às vezes penso que sem querer, às vezes que maldosamente, que eram dois prédios enormes. Aliás, esse negócio começou com o lema do “diga não ao espigão”. Não tinha nada a ver com patrimônio histórico. O problema era o espigão, não as casas.
A Goldsztein não teme que esse episódio crie uma rejeição da sociedade em relação à construtora?
Aí é uma questão de informação. Em determinado momento, o Moinhos Vive fez uma movimentação, parou a rua, para a preservação das casinhas do Theo Wiederspahn. Se as casinhas fossem do Theo Wiederspahn, eu também ia lá bater panela para não sair. Tem gente que veio de tudo que é bairro para salvar as casinhas do Theo Wiederspahn. Então, é questão de se informar: foi investigado e comprovado que as casinhas não eram do Theo Wiederspahn.
Mesmo não sendo, boa parte da população era favorável à preservação. A perda dessas casas é sentida por essas pessoas. Isso não preocupa a construtora?
Não concordo. As pessoas estavam preocupadas com o patrimônio histórico. O cara que mora na Glória nunca viu as casinhas, mas estava lá na passeata. Do bairro, da Luciana de Abreu, tinha oito pessoas que não queriam isso, mas era por outra razão, que é o sol, porque duas pessoas que começaram esse movimento moram nas coberturas da frente e não querem que o prédio saia porque dali tem vista para o Parcão. Tem muita coisa por trás.
A percepção da empresa é de que a sociedade ganha com a substituição dos casarões pelo edifício?
Interessante a tua pergunta. Acho que ganha, porque aquelas casas iriam ruir sozinhas. A única questão é quanto tempo levaria. Porque a Goldsztein não tem obrigação de preservar ou restaurar. Em uma delas, dois pisos e duas lajes caíram, já ruíram.
Mas isso aconteceu com as casas já pertencendo à Goldsztein?
Sim. Aconteceu. Mas as casas não pertencem à Goldsztein, tem as proprietárias que se criaram lá e eram netas do cidadão que era dono da Cervejaria Continental. Essas senhoras estão há 14 anos esperando seus apartamentos ali naquele local, porque foi feita uma permuta. Enquanto a Goldsztein não entregar os apartamentos, ela não é dona dos imóveis.
Casas da Luciana de Abreu derrubadas sob forte esquema de segurança
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