Pacto Alegre

CARLOS ALBERTO CASTRO
Há décadas Porto Alegre se desmilingue enquanto o Rio Grande do Sul
retroage à condição de “latifúndio agropastoril” de um século atrás.
E a capital que já foi um centro de desenvolvimento [“inovação”]
técnico e gerencial importante é hoje periferia dos outros dois polos
econômicos da Região Sul – Paraná e Santa Catarina.
Sem dúvida é preciso fazer alguma coisa!
E o que não estou entendendo?
Não estou entendendo as “circunstâncias” que conformam este Pacto
Alegre da Aliança pela Inovação. E cito algumas destas
“circunstâncias” [“intrigantes”]:

  • As universidades em Porto Alegre dispensaram recentemente professores
    e fizeram radicais mudanças nos seus currículos e na suas ofertas de
    titulação;
  • Centros de pesquisa do Governo do Estado – fundações fortemente
    integradas com as universidades – foram EXTINTOS, apesar dos
    insistentes alertas da própria comunidade universitária;
  • A sede de grupos empresariais importantes de origem gaúcha deixaram
    Porto Alegre em função do declínio econômico;
  • Diversos setores, como o da saúde, constituíam polos locais com
    densidade tecnológica “enraizada” nas nossas universidades mas foram
    “colonizados” por corporações geralmente estrangeiras;
  • A RBS, uma das “âncoras” assumidas do Pacto Alegre, está numa
    “trajetória” no mínimo estranha, pois desde 2014 faz movimentos em
    sentido contrário daqueles que se supõem serão “sustentados” pelo
    pacto;
  • E o mais intrigante: a CRISE FISCAL que infelicita e mina
    absolutamente as possibilidades de reversão da anomia e estagnação no
    Brasil, no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre não é ao menos motivo de preocupação, portanto, não terá nenhum tratamento dispensado pelo  Pacto Alegre.

Então não sei se foi feliz este nome de Pacto Alegre, pois para mim
não passa otimismo. Antes, me soa como ironia triste…

A avalanche antidemocrática

Passado um mês das eleições presidenciais, o eleito ignora a oferta de medalhões da política e, fora os notórios Paulo Guedes na Economia e Sergio Moro para a Justiça, escolhe figuras obscuras e afinadas com um ideário retrógrado.
Preso a uma camisa-de-força ideológica, ele está sendo coerente com o que pregou na campanha eleitoral, desdenhando dos direitos humanos e ignorando o conceito elementar de cidadania.
Há quem diga que o Brasil está voltando a 1964, mas não precisamos ir tão longe: basta que fiquemos em 1979, quando imperava o arbítrio ditatorial, e o casuísmo político era moeda de troca na vida nacional.
A maioria do eleitorado, com os 55% dados à Direita, colocou o país à mercê de uma avalanche conservadora que, a pretexto de combater a corrupção, encaminha-se para a destruição de programas sociais criados nos governos petistas.
Seja lá que nome se dê a isso — harakiri ou tiro-no-pé –, o eleitorado deu carta branca para a privatização de estatais, todas estigmatizadas como antros de empreguismo e focos de corrupção, tendo como referência o que se descobriu na Petrobras.
Assim, também por “culpa do PT”, empresas tradicionais como Banco do Brasil, BNDES, Caixa, Correios, Eletrobrás e outras foram colocadas no mesmo patamar da ineficiência e vulnerabilidade.
A esta altura do desenvolvimento brasileiro,  privatizar estatais eficientes é rasgar páginas da história nacional. Retrocesso!
Custa crer que compactuem com isso as Forças Armadas, que estão passando a exercer a tutela do governo do seu ex-pupilo desgarrado.
Se por um lado ele foi treinado para respeitar a hierarquia militar e seguir os regulamentos – dos quais se afastou, sendo por isso “reformado” para não ser banido –, por outro passou tanto tempo na Câmara a desfrutar da imunidade parlamentar que pode se achar no direito de ultrapassar os limites, como fez ao enaltecer a tortura e o estupro.
Quem vai com muita sede ao pote, corre o risco de quebrá-lo. Por enquanto, o eleito desfruta da leniência que protege os neófitos, mas em algum momento alguém precisará lhe ensinar bons modos. Quanto tempo levará para descobrir que o mundo não é binário e que o Brasil tem uma bem-sucedida tradição de altivez e pluralidade no concerto das nações?
A pressa em agradar os donos do Mercado alimenta a desesperança e a frustração da maioria sem recursos.
Quando diz que os médicos cubanos eram agentes secretos infiltrados, ele está admitindo implicitamente que o novo governo renunciou a qualquer veleidade de soberania diante da potência hegemônica.
Esse primarismo político, ideológico e diplomático é do tempo da Guerra Fria.
Voltamos, portanto, à doutrina de segurança nacional formulada em 1949 pelos intelectuais da Escola Superior de Guerra liderados por Golbery do Couto e Silva.
Essa doutrina de alinhamento automático aos EUA foi reformulada no governo Geisel (1974-1979), que ousou dar uma guinada para a Europa, a Africa e a Asia por meio de uma série de acordos técnicos e econômicos.
Acordo nuclear com a Alemanha; acordo tecnológico e comercial com o Japão para colonização do cerrado e exportação de soja; abertura com a Africa para obras de empreiteiras que abriram caminho para a exportação de serviços e equipamentos.
Pragmatismo responsável, esse o nome do jogo.
Pelo que tem deixado escapar em declarações e desabafos, o futuro presidente não conhece esses detalhes da História ou, com a cabeça feita não se sabe por quem, nutre por isso tudo um profundo desprezo.
O que o Brasil tem de melhor, do ponto de vista econômico, será mesmo concedido aos investidores internacionais? A parca experiência adquirida na gestão das riquezas nacionais vai para a cucuia? Qual o papel das Forças Armadas na atual conjuntura: serão agora pilares da nacionalidade ou correias da globalização financeira?
Quem poderá resistir a essa avalanche conservadora?
A Câmara dos Deputados, o Senado Federal, o Supremo Tribunal Federal, as instituições nacionais: universidades, sindicatos, os movimentos sociais, a sociedade civil representada pela OAB, ABI e, no fundo, a população.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Às favas os escrúpulos de consciência, senhor Presidente!”
Coronel Jarbas Passarinho ao apoiar a edição do Ato Institucional Nº 5 em 13/12/1968

A pororoca

GERALDO HASSE
Como diriam Gabeira e Mangabeira, não se pode ignorar a força de um resultado como o de 28 de outubro, algo que os narradores radiofônicos de outrora descreviam como “um placar elástico”.
No entanto, é preciso olhar os fatos com uma perspectiva histórica – um olho na frente, outro no retrovisor – e tentar compreender como e porque a maioria dos 5 a 4 caiu na cantilena dos missionários, nos slogans dos milionários e nas palavras-de-ordem dos militantes reacionários.
Dúvidas vêm e vão sem resposta. Quem está certo não precisa sair por aí gritando — a hora do grito passou.  A verdade virá ao natural, como a água que brota no alto e forma o rio a caminho do mar.
O que os governos petistas fizeram de coisas boas seria suficiente para mantê-los no poder por mais tempo, mas os famosos malfeitos pesaram na balança. Além disso, a conjuntura adversa ajudou a formar a pororoca que aí está.
Se Lula pretendia ser uma ideia (de gerar oportunidades para o lado pobre da sociedade), o que temos no bolso, agora, é uma anti-ideia ou uma não-ideia.
Seja o que for, é potencialmente perigoso. Não é o perigo em si, mas uma representação dele. Algo como um ator que adentra o palco sem a conveniente preparação, e passa a recitar falas sopradas por assessores, amigos, familiares e gurus secretos situados sabe-se lá aonde.
A pororoca capturou arrivistas, evangélicos, saudosistas da ditadura, revoltados com o PT, empresários sequiosos por oportunidades, jovens carentes, medrosos e ignorantes — enfim, uma magna malta de oportunistas de bíblia na mão e uma vontade indomável de trocar o dedo em riste por um trintão. Tudo isso turbinado por um merchandising de Primeiro Mundo, expresso no Facebook e em outros mecanismos eletrônicos.
A pregação embutida nesse arrastão desconexo procura levar o país para o Norte, onde impera Tio Sam, no momento representado por um bufão pior do que o canastrão Ronald Reagan. O que nos leva a uma conclusão pesarosa: quanto mais o mundo avança tecnologicamente, menos progride no campo da ética.
Por Trump e outros eleitos sabemos que o regime republicano, com todas suas instituições, é uma representação teatral do sistema capitalista. Ou, seja:
Um rico vale mais do que uma multidão de pobres
O patrão é mais importante do que os empregados
Se tem amigos no poder, um indivíduo possui mais direitos do que a comunidade
O voto é submisso ao dinheiro.
A curto prazo, os símbolos se sobrepõem aos fatos; e as ideias rolam subjugadas pela força da correnteza.
Nada a fazer, por enquanto. Só observar e talvez fazer prognósticos sobre quando lhes cairão os butiás do bolso.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Manter-se unido traz boa fortuna”
Livro do Tao (I Ching).

Temer x Moro

Sem o foro privilegiado, os processos contra Michel Temer terão outro andamento.
À luz dos fatos publicados e documentados, dificilmente ele escapará de uma condenação.
Como vai ser? Vai para a cadeia, como Lula?
Num governo que tem o combate à corrupção como bandeira, que papel terá o Ministro da Justiça nesse caso?
Ou vão arranjar um álibi para Temer? E Jucá? E Eunício?
O Ministro Moro não morrerá de tédio.

Birutas: Atem os cintos, o piloto não é confiável

GERALDO HASSE 
A História não registra quem inventou a biruta, o prosaico saco de pano hasteado nos aeroportos para orientar os pilotos de avião sobre o sentido do vento.
Talvez tenha sido ideia do Alberto dos Santos Dumont, um dos brasileiros mais criativos da História.
Pra quem inventou um veículo capaz de voar, criar a biruta foi fichinha: certamente Beto a bolou na mesma hora em que teve a ideia de atar o relógio no pulso, porque não tinha uma terceira mão pra tirar o patek philipe do bolsinho da calça enquanto fazia suas experiências aéreas nos arredores de Paris.
Por que falo de biruta? É a metáfora da hora.
Estamos sob nova direção pela vontade de 55% dos eleitores que decidiram: o Brasil deve caminhar pela direita após andar por alguns anos pela via da centro-esquerda.
Cabe perguntar se os brasileiros votaram baseados na biruta ou inspiraram-se em alguma sugestão do vento (“Blowing in the Wind”, como diz a canção) ou, ainda, no desejo secreto de cantar “Marcha, Soldado”?
É simplesmente absurdo que o exercício do voto, pilastra da democracia, tenha se tornado um espasmo quadrienal praticado a partir de sinais de fumaça emitidos por alguns aprendizes de feiticeiro que assopram dicas para os candidatos: “Diga que vai fazer isso porque é isso que as pessoas querem ouvir…”
Aí, depois de algumas semanas de bate-boca no rádio e na TV, os eleitores vão lá e apertam algumas teclas com a convicção de que estão fazendo a coisa certa.
Agora praticado em urnas eletrônicas que não emitem comprovante, o voto se tornou um exercício mais simbólico do que efetivo porque as campanhas eleitorais caíram nas mãos dos falastrões da marquetagem, que aplicam aos candidatos as técnicas de venda de produtos de consumo.
Encerradas as votações, os eleitos passam a responder à orientação de equipes que obedecem a planos macro de dominação político-ideológica.
A partir daí, os eleitores são arquivados por quatro anos e passam a ser considerados apenas consumidores.
Pergunnta-se por que não se usam os recursos da eletrônica, celulares, internet etc. para aprimorar de fato a democracia mediante consultas periódicas — mensais, bimestrais ou trimestrais, por exemplo — sobre questões fundamentais da vida das pessoas, famílias, comunidades?
Se as pessoas se acostumaram a digitar coisas  nos teclados em geral, por que não poderiam teclar SIM ou NÃO em relação a temas como PREVIDÊNCIA?
Por que as decisões fundamentais têm de ficar exclusivamente na mão de parlamentares que trocam seus votos por favores oferecidos por intermediários poderosos?
No fundo, birutas somos nós, os cidadãos.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“É preciso que o fruto apodreça antes que a semente nova possa se desenvolver”.
(Do I Ching)

O plano (2)

O Programa de Recuperação Fiscal defendido pelos dois candidatos ao governo do Estado como caminho certo para tirar o Rio Grande do Sul da crise revela uma visão de curto prazo dos dois concorrentes, que tanto falam em futuro.
Há 20 anos um plano muito semelhante e com as mesmas motivações deste foi apresentado como a solução para a grave crise financeira que o Estado então vivia, subjugado por uma dívida de R$ 9 bilhões.
Não só o governador da época, Antonio Britto, e os partidos aliados celebravam o acordo da dívida como a solução. Foi decisivo o apoio da mídia escrita falada e televisionada que era tudo naqueles tempos sem interntet, mas já com fake news. .
O jornal Zero Hora chegou a manchetear sobre a foto em quatro colunas de um sorridente Britto ao lado do ministro Malan, no dia em que foi assinado o acordo de renegociação da dívida com a União: “Rio Grande Liquida a Dívida” .
Não mereceu uma linha num canto de página o discurso naquele dia do líder da oposição, deputado Flávio Koutzii, denunciando que o acordo “atendia a interesses políticos imediatos, mas era lesivo aos interesses do Estado”.
Nestes 20 anos, o Estado já pagou R$ 25 bilhões e ainda deve R$ 53 bilhões.
O atual acordo, contido no Programa de Recuperação Fiscal, suspende a dívida com a União por três anos, deixando o Estado de pagar R$ 11,3 bilhões.
Segundo cálculo do CEAPE, quando retomar os pagamentos em 2022 estará devendo R$ 65 bilhões. E o desembolso anual pulará para mais de R$ 4 bilhões por ano.
Dizem que não há outro caminho, como se dizia há 20 anos.
 
 
 

Catadores, cuidado

GERALDO HASSE
“Ei, Tio, tem um real aí?”
Para atender a pedidos como esse, há pessoas que carregam algumas moedas. A doação não é solução, mas ameniza a situação do infeliz e alivia a culpa do doador por viver alguns degraus acima do subemprego.
No entanto, como as coisas estão piorando, cabe perguntar quando chegará o dia em que não bastarão moedinhas ou notas de baixo valor para contentar os subtrabalhadores esfarrapados que nos estendem as mãos, sem esperança em promessas do Mercado de Trabalho ou de algum governo. É impossível não reconhecer o aumento do número de catadores que vão passando com seus carrinhos de compras.
Com base nos dados do Censo de 2010, havia então 398,3 mil catadores de lixo no país. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), eles obtinham um ganho médio mensal 10% acima do salário mínimo – hoje seria um pouquinho acima de 1 mil reais. O problema é que hoje há mais catadores do que antes e, com a crise econômica, o volume do lixo diminuiu.
Em 1988, um catador precisava de 40 latinhas para reunir um quilo de metal. Hoje, vinte anos depois, para fazer o mesmo quilo do metal reciclável, é preciso juntar 70 latinhas, pois elas ficaram mais levianas, menos espessas.
Quanto ao valor recebido, as latinhas deixaram de ser o top de linha da reciclagem. Papelão está na frente, seguido pelos plásticos. Garrafa de vidro, junto com o papel jornal, não vale quase nada. Enfim, também no valor dos materiais recicláveis, quem manda é o Mercado.
Desanimado, o catador apela:
“Ei, Tio, tem um real aí?”
E aí desponta nítido o outro lado da moeda: o R$ que começou numa incrível paridade com  o dólar (R$ 1,00 para US$ 0,86) nos idos de 1994, marco zero do Plano Real, está valendo menos de um terço do que valia há 24 anos.
Ou, seja, comparado com a moeda internacional mais cotada no mundo, o real perdeu mais de 200% do seu poder de compra original, coisa que se reflete nas trocas internacionais do Brasil, inclusive na cotação dos títulos que o governo brasileiro coloca no mercado de capitais para financiar a dívida pública, cujo montante se aproxima do total do Produto Interno Brasileiro.
O ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT) bateu nessa tecla durante a campanha eleitoral do primeiro turno: metade do Orçamento federal está comprometido com o pagamento de juros e amortizações da dívida. Não é por acaso que investidores estrangeiros estão comprando empresas brasileiras ou ocupando espaços econômicos que poderiam ser preenchidos por capitais nativos.
O interesse público é um clichê jogado no lixo.
O resultado de toda essa brutal desigualdade é visível nas ruas, onde se amontoam os pobres diabos que tentam tirar o sustento do lixo descartado pela sociedade estabelecida.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Existe um povo que a bandeira empresta  
P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…  
E deixa-a transformar-se nessa festa  
Em manto impuro de bacante fria!…  
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,  
Que impudente na gávea tripudia?  
Silêncio.  Musa… chora, e chora tanto  
Que o pavilhão se lave no teu pranto!
Auriverde pendão de minha terra,  
Que a brisa do Brasil beija e balança,  
Estandarte que a luz do sol encerra  
E as promessas divinas da esperança…  
Tu que, da liberdade após a guerra,  
Foste hasteado dos heróis na lança  
Antes te houvessem roto na batalha,  
Que servires a um povo de mortalha!”
Trecho do poema Navio Negreiro, de Castro Alves (1847-1871).

O plano

Os dois candidatos que disputam o segundo turno na eleição para o governo do Rio Grande do Sul no dia 28 de outubro tem a mesma âncora para estabilizar as finanças do Estado: o Programa de Recuperação Fiscal.
Os dois fazem propaganda enganosa a respeito deste assunto.
Sartori dá a entender que o plano é seu (“Nós temos um plano”) e que já está aprovado.
Eduardo Leite diz que é favorável ao plano, “que é do governo Temer”, e que vai “sentar com o próximo presidente” e negociar condições mais favoráveis.
O Programa de Recuperação Fiscal resulta de um projeto do governo Temer, aprovado e transformado em lei pelo Congresso Nacional.
Na lei estão as regras e as condições para a adesão dos Estados, que pleiteiam a suspensão do pagamento das dívidas com a União por três anos, renováveis por mais três.
O Estado negocia há dois anos e meio e ainda não conseguiu cumprir as principais exigências do Programa, que é a privatização de estatais e o grau de comprometimento da receita líquida com pessoal.
Tanto Sartori quanto Leite apostam que, uma vez eleito, qualquer um deles terá respaldo para remover rapidamente os entraves e obter condições para assinar a adesão do programa.
Não levam em conta que a partir do dia 28 haverá um novo presidente eleito e que esse fato há de condicionar todos os atos do governo até o fim do ano.
A partir de janeiro haverá um novo governo se instalando e numa situação crítica. E há 16 estados querendo aderir ao Programa de Recuperação Fiscal.
Se for Haddad, uma de suas propostas é revogar as medidas de ajuste fiscal adotadas por Temer. Nada leva a crer que levaria adiante esse programa.
Se for Bolsonaro, as chances são melhores, mas nada garante que o socorro aos estados será uma prioridade. Sem falar que o governo vai começar com o presidente no hospital, passando por duas cirurgias…
Quanto à “sentar com o novo presidente para negociar melhores condições” é mero jogo de palavras. As regras estão na lei, não é o presidente que decide.
 

É preciso esvaziar os bolsões ignaros onde prosperam os ''sem noção''

Geraldo Hasse
Embora o eleitorado tenha se inclinado para o lado direito no primeiro turno das eleições de 2018, o Brasil possui um arcabouço democrático que, mesmo manipulado pelo poder econômico em conjunto com setores dos poderes judiciário e legislativo, deverá proteger os direitos elementares dos cidadãos até que passe o surto autoritário de tendência fascista, esse sim preocupante, porque resulta de uma combinação da ignorância política com diversas carências (afetivas, econômicas, sociais) exploradas por muitos detentores de mandatos eleitorais, por pregadores religiosos e, economicamente, pelos empreendedores privados e seus operadores no Mercado, tudo isso embalado maliciosamente pelos veículos de comunicação de massa, com honrosas exceções.
Brigar com a onda cansa, mas também não é recomendável ficar parado.
É preciso desarmar os gatilhos teóricos e automáticos que tangem as pessoas para um confronto em que a civilização tende a ser vítima de barbaridades encaminhadas pela intolerância.
Sem delongas, dado o adiantado da hora, eis alguns lembretes tão óbvios que não cabe sequer discuti-los:

  1. A reforma da Previdência é necessária mas não pode ser feita de afogadilho, como pretendeu fazer o atual governo presidido por Michel Temer, que superou Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso em submissão às demandas do poder econômico.
  2. A reforma trabalhista, fruto do imediatismo empresarial, precisa ser revista porque está lesando os direitos de milhões de pessoas, enquanto o aumento da informalidade no mercado de trabalho mina os alicerces da Previdência Social.
  3. Feita com cautela e grandeza federativa, uma reforma tributária faria bem a todos, mas precisa favorecer a base da pirâmide social.
  4. Uma reforma político-eleitoral deve necessariamente incorporar os instrumentos eletrônicos (internet) como mecanismo de consulta popular, pois não basta votar apenas de dois em dois anos.
  5. A economia não vai crescer com achatamento salarial e redução do poder de compra dos trabalhadores.
  6. Se os trabalhadores ganharem menos do que ganhavam, as consequências serão evidentemente cumulativas: queda geral do consumo, estagnação da economia, menos lazer, mais doenças e sobrecarga dos serviços públicos de saúde, onerando quem mais precisa de amparo do Estado.
  7. Não tem futuro uma economia em que as pessoas são obrigadas a trabalhar por salário vil, sem garantias e sem esperança de progredir na vida.
  8. Não haverá paz e harmonia numa sociedade rachada pela desigualdade social, cultural e econômica.
  9. O estado democrático de direito é o pressuposto básico do exercício da liberdade pessoal em busca da justiça social.
  10. Ultimamente disfarçado como neoliberalismo, o fascismo é uma doutrina excludente que se nutre do egocentrismo, da frustração, da inveja e da intolerância.

A comparação imposta pelo primeiro turno entre os dois candidatos presidenciais é absolutamente desigual. Pode-se argumentar que ambos são seres humanos sujeitos a equívocos, disparates e hesitações, mas o Brasil não merece ser governado por um destemperado que acredita no castigo, na violência e na ordem unida como método de gestão de pessoas, algo só admissível em comunidades sujeitas a regulamentos rígidos, como acontece em instituições militares ou religiosas, nas quais preponderam a disciplina e a hierarquia.
Por isso crescem as manifestações de medo de um retrocesso político partindo do lado direito do espectro político.
Em termos nacionais, se vencer, o temperamental de Bolsonaro tende a precipitar um governo militarizado em que os “sem noção” se sentirão no direito de praticar a violência contra os adversários políticos e até, gratuitamente, contra alvos habituais como os gays, os índios, as mulheres, os negros e os quilombolas. A eleição do radical de direita poderá ser bom para minorias privilegiadas, não para a maioria.
Em contrapartida, se ele perder, seu inconformismo, “revolta” ou o que seja podem desencadear uma onda de atos de “vingança” para “descarregar” a frustração pela derrota. Por isso é preciso atentar para o ditado segundo o qual “cautela e caldo de galinha não fazem mal pra ninguém”.
Já o estilo Haddad, para se impor, precisa passar um mataborrão sobre os erros praticados por seu partido no exercício do poder. De forma sutil, alguma autocrítica já está rolando. Até que ponto irá, não se sabe.
Tampouco é possível imaginar o resultado desse jogo sutil em que se defrontam, grosso modo, um membro da caserna e um representante da academia. Infelizmente, as duas campanhas se tornaram um tiroteio municiado por marqueteiros.
Olhando para cada um dos candidatos, porém, não resta dúvida de que o centramento do professor Haddad inspira mais confiança do que os rompantes do capitão Bolsonaro.
O resultado final só veremos na prática, tal é o risco da democracia.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O renascimento militar, inequivocamente inspirador da candidatura (do marechal) Hermes da Fonseca, adquiriu maior consciência com a campanha civilista, que negava ao homem de farda a presença na política, em manifesta contradição com o quadro republicano”.
Raymundo Faoro em Os Donos do Poder, vol 2, pag 600 (Editora Globo, 3ª edição, 1976), referindo-se aos confrontos políticos de 110 anos atrás, em plena República Velha.
 

Facadas

O assassinato do mestre de capoeira Moa do Katendê  pode ter, no segundo turno, efeito semelhante, mas inverso, ao da facada que feriu Bolsonaro no início da campanha.
O atentado ao candidato foi um fator decisivo para a escalada final que quase o elegeu no primeiro turno. Inclusive por lhe dar uma justificativa plausível para sua ausência nos debates, onde seria difícil esconder o seu despreparo.
As 12 facadas que abateram mestre Moa foram dadas  pelas costas, depois de uma discussão banal com um eleitor de Bolsonaro, quando o resultado do primeiro turno já era conhecido.
O candidato diz que não pode ser culpado por um ato, que ele considera “um excesso”, praticado por um eleitor seu no calor de uma rixa política.
Não há, porém, como dissociar os dois crimes do discurso de intolerância, da violência dos gestos e da linguagem do candidato que fala em “metralhar a petralhada” ou armar a população para enfrentar a bandidagem.
A médica Tereza Dantas, de Natal, que rasgou a receita de um paciente quando descobriu que ele havia votado em Haddad expressa o mesmo comportamento, que não reconhece o outro e só sabe lidar com ele quando o transforma em inimigo.
Quando rechaça a proposta de Haddad para um acordo contra as fake news na campanha, numa reação grosseira, chamando-o de “pau mandado” e de “canalha”, Jair Bolsonaro não está fazendo outra coisa senão semear a violência como tática de campanha.
É daí que vem o que ele considera apenas “excessos”, embora sejam práticas fascistas, intoleráveis.
A morte de Mestre Moa, figura querida e respeitada na Bahia, com discípulos em todo o país, chocou  e provocou pronunciamentos candentes de figuras notáveis como Caetano Velos e Gilberto Gil.
O fato brutal ainda está repercutindo  e terá novos desdobramentos, podendo ter efeitos nesta campanha, contribuindo para que os brasileiros  acordem e percebam aonde leva esse caminho da militarização da política.