A pororoca

GERALDO HASSE
Como diriam Gabeira e Mangabeira, não se pode ignorar a força de um resultado como o de 28 de outubro, algo que os narradores radiofônicos de outrora descreviam como “um placar elástico”.
No entanto, é preciso olhar os fatos com uma perspectiva histórica – um olho na frente, outro no retrovisor – e tentar compreender como e porque a maioria dos 5 a 4 caiu na cantilena dos missionários, nos slogans dos milionários e nas palavras-de-ordem dos militantes reacionários.
Dúvidas vêm e vão sem resposta. Quem está certo não precisa sair por aí gritando — a hora do grito passou.  A verdade virá ao natural, como a água que brota no alto e forma o rio a caminho do mar.
O que os governos petistas fizeram de coisas boas seria suficiente para mantê-los no poder por mais tempo, mas os famosos malfeitos pesaram na balança. Além disso, a conjuntura adversa ajudou a formar a pororoca que aí está.
Se Lula pretendia ser uma ideia (de gerar oportunidades para o lado pobre da sociedade), o que temos no bolso, agora, é uma anti-ideia ou uma não-ideia.
Seja o que for, é potencialmente perigoso. Não é o perigo em si, mas uma representação dele. Algo como um ator que adentra o palco sem a conveniente preparação, e passa a recitar falas sopradas por assessores, amigos, familiares e gurus secretos situados sabe-se lá aonde.
A pororoca capturou arrivistas, evangélicos, saudosistas da ditadura, revoltados com o PT, empresários sequiosos por oportunidades, jovens carentes, medrosos e ignorantes — enfim, uma magna malta de oportunistas de bíblia na mão e uma vontade indomável de trocar o dedo em riste por um trintão. Tudo isso turbinado por um merchandising de Primeiro Mundo, expresso no Facebook e em outros mecanismos eletrônicos.
A pregação embutida nesse arrastão desconexo procura levar o país para o Norte, onde impera Tio Sam, no momento representado por um bufão pior do que o canastrão Ronald Reagan. O que nos leva a uma conclusão pesarosa: quanto mais o mundo avança tecnologicamente, menos progride no campo da ética.
Por Trump e outros eleitos sabemos que o regime republicano, com todas suas instituições, é uma representação teatral do sistema capitalista. Ou, seja:
Um rico vale mais do que uma multidão de pobres
O patrão é mais importante do que os empregados
Se tem amigos no poder, um indivíduo possui mais direitos do que a comunidade
O voto é submisso ao dinheiro.
A curto prazo, os símbolos se sobrepõem aos fatos; e as ideias rolam subjugadas pela força da correnteza.
Nada a fazer, por enquanto. Só observar e talvez fazer prognósticos sobre quando lhes cairão os butiás do bolso.
 
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Manter-se unido traz boa fortuna”
Livro do Tao (I Ching).

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