Impressionante a sinceridade do discurso de campanha de Ciro Gomes. Em entrevistas e palestras, ele extrapola tudo que já se viu e ouviu de um candidato à Presidência.
Ciro Gomes é uma “versão cangaceira” de Leonel Brizola.
É bem falante e articulado, talvez o único candidato presidencial capaz de usar corretamente a palavra “cujo”. Gabola mas francamente autêntico, kamikazi, quase.
Um fenômeno tal como Bolsonaro, só que pelo outro lado do espectro político, mas sem ser exatamente de esquerda.
Ciro diz que não será “alisando” que se atacará a crise. Se fizer tudo que fala, ou tira o Brasil da crise ou o enterra por mais um período.
Promete encaminhar todas as reformas necessárias nos seis meses iniciais.Diz que no dia 1 de janeiro de 2019 vai tirar o Banco do Brasil e a Caixa do cartel do sistemafinanceiro (liderado, segundo ele, por Bradesco, Itaú e Santander).
Três promessas dele:
-reforma fiscal pra aumentar a receita;
-tributação dos ricos e alivio fiscalpara os pobres;
-uso das reservas cambiais para reduzir a dívida pública.
Duas frases para resumir a situação econômica:
1 – “O mundo da produção está definhando e o mundo do trabalho está em colapso”.
2 – “Nosso inimigo comum é o rentismo, mas 80% dos credores da divida são brasileiro — porque os estrangeiros já saíram fora”.
Ciro não ataca Lula, de quem se declara amigo e admirador, mas critica a direção do PT.
“Sob Lula o salário mínimo subiu de 76 para 320 dólares, mas todas criações do PT não foram institucionalizadas”, sendo destruídas em menosde um ano pelo governo de Michel Temer, “um cadáver que fede e incomoda.”
A maior crítica de Ciro volta-se contra os dirigentes petistas por “enganar o povo” com a manutenção da candidatura Lula à Presidência, mesmo sabendo que ele está impedido pela Lei da Ficha Limpa.
Ciro esgrime com habilidade diversos números que refletem o caos social do Brasil:
13 milhões de desempregados,
32 milhões de trabalhadores na informalidade “fugindo do rapa”,
11 milhões de jovens “nem nem” (não estudam e não trabalham),
63 milhões de inadimplentes do SPC e Serasa.
“Como corolário de tudo isso, temos 63 mil homicídios/ano”.
Agora, se o governo deu R$ 175 bilhões para facilitar o Refis das empresas, por que não fazer um acordo com os bancos para recuperar o crédito das pessoas endividadas?
Na visão de Ciro, será moleza resolver esse problema pois a dívida média da população inadimplente é de R$ 1,4 mil per capita.
Os adversários estão dizendo que é demagogia. Apelação ou não, é um discurso que atende aos anseios do povo.
Resta saber se os demais poderes concordarão com tamanha consideração à bolsa popular.
De qualquer maneira, segundo Ciro, o Brasil precisará de 10 a 20 anos pra acertar o passo e chegar a um projeto nacional que sirva a todos.
Não se pode negar que ele tem razão. Mas daí até virar o salvador da pátria…
Com uma retórica igualmente maliciosa e virulenta, o criador do PDT nunca chegou lá.
Chegará lá a versão cearense de Brizola?
LEMBRETE DE OCASIÃO
“O PT é como uma galinha que cacareja para a esquerda, mas põe os ovos para a direita“
Leonel Brizola (1922-2004)
Categoria: ANÁLISE&OPINIÃO
Temer Zero
Estatísticas no campo da política são aproximações matemáticas imprecisas diante de uma realidade complexa e cambiante.
É de se presumir, então, que o zero dado pelo Ibope ao governo Temer para o conceito “ótimo” é uma licença estatística. Ou será que em duzentos e tantos milhões de brasileiros não há um que ache ótimo o governo do presidente Michel Temer?
Mesmo que seja uma licença, trata-se de uma unanimidade, enfim uma unanimidade num país tão dividido. Temer presidente nota zero em ótimo. Merece uma citação no Guiness.
Não se enganem no entanto. Os que acham o governo Temer ótimo existem, só não são alcançados pelos pesquisadores do Ibope e não dormem em serviço. Já preparam inclusive a continuidade. Têm até um candidato boi de piranha para atrair o cardume enquanto a manada vai passando.
Falta o bigode
GERALDO HASSE
O ex-presidente Lula completou quatro meses na cadeia e a única novidade nesse período foi o crescimento nas pesquisas da candidatura presidencial do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), capitão do Exército reformado por comportar-se inadequadamente como membro das Forças Armadas.
O tempo não apagou o que ele fez nos anos 1980, quando projetou explodir um trecho do centro do Rio. Seria uma ação terrorista, algo parecido com o que resultou no acidente do Rio Centro, onde morreu um dos militares envolvidos num atentado frustrado. Felizmente ele foi detido a tempo. Virou “ficha sujíssima”.
Bolsonaro devia ter sido internado para tratamento psíquico. Ao contrário, ele encontrou uma saída na política. Hoje está no quinto mandato como deputado federal, o que põe em dúvida a sanidade do seu eleitorado. Uma recente matéria de jornal informou que ele enriqueceu na política.
Na sessão em que a Câmara mandou a presidenta Dilma para casa, Bolsonaro fez a declaração de voto mais agressiva e inconveniente: deu um viva ao coronel Brilhante Ustra, torturador-mor na época em que a ditadura militar combatia dissidentes de armas na mão.
Agora, declarado candidato presidencial por um partido sem expressão, o ex-capitão atrai como vice um general aposentado que recentemente andou pregando a intervenção militar no governo federal. É uma chapa pra nenhum extremista botar defeito.
Seria cômico se não fosse trágico. Há desavisados que acham graça nele. Uma pesquisa da antropóloga Esther Moreno, da USP, constatou que jovens da periferia paulistana admiram a linguagem desbocada do deputado. Acreditam que ele destoa dos políticos bem falantes que pontificam nos parlamentos.
Focalizando apenas Bolsonaro, trata-se de uma figura assustadora. Ele é boquirroto, grosso, ignorante, machão e mal informado. Quando aparece em fotos com o cabelo puxado para o lado, lembra Adolf Hitler. Para ficar igual, só lhe falta o bigode do ditador nazista.
Acredito que Bolsonaro é um fenômeno temporário que se apagará no horizonte como um desses fogos de artifício que as pessoas soltam em datas festivas para demonstrar alegria ou simplesmente para “queimar dinheiro” — um desabafo de luxo.
Temo porém o comportamento do eleitorado, que desabafa votando em figuras bizarras, como aconteceu com a eleição do deputado Tiririca, que arrastou consigo para a Câmara cinco correligionários mal votados.
Pode-se argumentar que Tiririca representa o povo e que sua presença em Brasília “não infloi nem diminoi”, pois individualmente um deputado representa apenas 0,2% da Câmara, mas quando se somam as nulidades o total vai se afastando do zero.
Quando passou pelo parlamento brasileiro, durante a Constituinte de 88, Lula concluiu que lá havia, atuando em causa própria ou a serviço de interesses espúrios, 300 picaretas. Ou, seja, a maioria. Ninguém liga porque é o Congresso, “caixa de ressonância dos valores nacionais”. Lá a voz de Bolsonaro é abafada pelos picaretas. E na Presidência da República?
Na Presidência, um destemperado é um risco a temer.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Com mais de cinco milhões de seguidores no Facebook, Bolsonaro zoa, com sucesso, em busca de empatia. Põe uma braçada na frente de seus adversários, em redes sociais, repetindo a dianteira irreverente de uma direita que em campanhas como a do ex-prefeito de São Paulo, João Doria, e do atual do Rio, Marcelo Crivella, ambas em 2016, foi bem-sucedida”.
* Maria Cristina Fernandes, Jornalista em artigo de 13/7/2018 no jornal Valor Econômico.
A novidade é Manuela
Aos 22 anos, Manuela D’Ávila, vinda do movimento estudantil, fez quase dez mil votos e se elegeu vereadora em Porto Alegre pelo PCdoB.
Dois anos depois estava na Câmara Federal levada por 270 mil votos, da juventude principalmente. Fez 280 mil votos na eleição seguinte, a deputada mais votada no Estado. Sofreu duas derrotas quando tentou ser prefeita de Porto Alegre, mas em 2014 foi a deputada estadual mais votada no Rio Grande do Sul.
Agora, aos 36 anos, estará disputando a vice-presidência da República.
As duas derrotas, em Porto Alegre, tornam-se contribuições para o seu amadurecimento político.
Jovem, inteligente, bem humorada e bonita, ela vai chamar a atenção quando começar a aparecer na campanha eleitoral. O discurso dela é forte, articulado, sem ser radical, e sua linguagem toca as mulheres e a juventude.
Se é possível destacar uma novidade nesta “estranha eleição”, sem dúvida é Manuela.
Para começar ela é vice antes que o cabeça de chapa esteja definido: é Lula, mas pode ser Haddad.
Estranha eleição
Nunca antes neste país se viveu um processo eleitoral tão estranho.
Recapitulando, esta é a primeira eleição após o impeachment da primeira presidenta do Brasil.
Eleita em 2010 e reeleita em 2014, ela foi descartada em 2016 por meio de uma sucessão de artifícios legais que, partindo de denúncias de corrupção, geraram uma pororoca moralista no Congresso Nacional.
Hoje se vê claramente que Dilma Rousseff foi escalada pelos oportunistas de plantão e os moralistas de ocasião para pagar os pecados do PT no exercício do poder.
Sim, o PT cometeu erros, mas nos 13,5 anos em que governou o Brasil deixou um saldo positivo nos campos social, educacional e econômico. Saldo que o governo do vice Michel Temer tratou de desfazer rapidamente.
Aí estão a reforma trabalhista, o congelamento dos investimentos sociais e a alienação de ativos da Petrobras, num esforço inédito de subserviência ao imperialismo neocolonialista.
O ciclo de prosperidade sob o PT atravessou galhardamente a grave crise financeira global de 2008, cujos efeitos sobre a economia brasileira até hoje ainda não foram devidamente avaliados. Uma das maiores perdas foi provocada pela queda das cotações internacionais de commodities, que ajudaram a tirar parte do dinamismo da economia nacional.
Nesse contexto caótico, aflorou a incrível, lamentável contrariedade de setores da classe média alta com a recente ascensão dos pobres, particularmente o acesso deles às viagens aéreas e a outros itens de consumo antes restritos aos mais abonados.
Desprezo, inveja, raiva e ódio – tudo junto numa monumental mistura de preconceitos, falta de educação civil e de senso de justiça social.
As melhorias que deviam ser motivo de orgulho para todos os brasileiros passaram a alimentar uma campanha de depreciação do espírito cordial e generoso do povo que, segundo tal visão caolha, seria incapaz de se livrar de um suposto complexo de vira-lata.
Na realidade, parece que as elites beneficiárias das históricas desigualdades econômicas do Brasil preferem que o complexo de vira-lata não seja resolvido mediante políticas públicas regeneradoras, como ensaiado pelos governos petistas.
O clima de incerteza pré-eleitoral vigente traduz a perplexidade da população quanto à mixórdia criada pelos políticos em seu sórdido conluio com o Mercado (nome genérico da turma movida pelo dinheiro), com a Mídia (liderada pelos grupos Globo, Folha e Estadão) e com amplos setores do Judiciário.
Preso numa cela especial da Polícia Federal em Curitiba, condenado a 12 anos de prisão por corrupção, Lula lidera as pesquisas de intenção de votos. É portanto o protagonista central de um processo eleitoral aparentemente normal que, no entanto, está carregado de anomalias.
Começa que ninguém, fora Lula, empolga o eleitorado.
Alckmin, reencarnação de Adhemar de Barros (1901-1969), o piracicabano que pontificou na política paulista a partir dos anos 1940, tentando em vão ser o presidente do Brasil. Ficou conhecido como o “Rouba Mas Faz”.
Alvaro Dias, postiço rei do botox.
Henrique Meirelles, com o peso do governo Temer, não decola,
Bolsonaro, alma penada da ditadura militar extinta há 30 anos.
Boulos, o melhor candidato para daqui a 15 anos, se a Dialética da História ainda persistir até lá.
Ciro, o amigo da Onça.
Eymael, o que não faz mal a ninguém.
Paulo Rabello de Castro, um bom ministro do planejamento de qualquer governo.
Marina Silva, a crente inconvicente.
Manuela d’Avila, militante exemplar do PCdoB.
Pode ser que alguém desista ou outro alguém se candidate, mas a perspectiva não é segura nem tranquila. Os eleitores, as pessoas, os cidadãos se fazem indagações:
1 – Como seria a campanha eleitoral se Lula não estivesse preso?
2 – A liderança dele nas pesquisas é fruto de uma verdadeira confiança popular em seu taco ou uma resposta sentimental a uma condenação sem provas convincentes?
3 – Como serão contados os votos a Lula se ele for inelegível?
4 – Qual a legitimidade do candidato mais votado se sua votação for superada pela soma dos votos nulos + brancos?
5 – Poderá a eleição ser anulada?
Por enquanto, não há respostas. Que as tragam as urnas.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Não sei, não entendo como possa ser livre um povo ignorante e pobre. Não sei como possa deixar de ser escravo um povo pobre e ignorante”.
J.F. de Assis Brasil (1857-1938) em conferência pública realizada em 22 de setembro de 1917 no Teatro Municipal de São Paulo.
ResponderEncaminhar
Isolamento
ELMAR BONES
Informação que circula na Câmara de Vereadores: antes da primeira votação, que acabou em tumulto, até com bombas de gás dentro do legislativo, o prefeito Nelson Marchezan procurou o deputado Carlos Gomes, presidente estadual do PRB, para garantir os dois votos que o partido tem na Câmara.
Recebeu como resposta que teria que mudar o projeto. Não mudou, perdeu com os votos contra dos pastores do PRB, mas também de gente da base como Monica Leal e Cassiá Carpes (PP).
Na semana seguinte a prefeitura exonerou alguns ccs ligados aos PRB e isso foi interpretado como represália.
Esse episódio é citado como exemplo da conduta que levou o prefeito a uma situação de isolamento no parlamento municipal. Na quarta-feira, seus aliados tiveram que retirar o quorum para evitar uma nova derrota.
A pouco mais de 60 dias das eleições e com 20 vereadores em campanha, são raros, lá dentro, os que ainda acreditam que Marchezan consiga aprovar os projetos que tramitam em regime de urgência.
Inclusive o IPTU, que é a cereja do bolo. Esse parece mais distante, porque tem resistência até entre os vereadores da base.
O paradoxo
Ninguém reconhece ter cometido erros no exercício do poder.
Geraldo Hasse
A pouco mais de dois meses das eleições de 7 de outubro, nenhum membro dos partidos que estiveram no poder nos últimos anos ousou fazer a indispensável autocrítica. Algo do tipo: “Perdão, cidadãos e eleitores, erramos e queremos uma nova chance…”
Nada disso, são todos imaculados…
Ninguém tem coragem de dar o passo necessário para depurar a imagem do partido envolvido em falcatruas ou limpar o nome dos seus dirigentes e dos seus militantes.
Há centenas de processados, diversos condenados e muitos presos, mas o olhar de quase todos os eleitores se concentra numa única pessoa: Lula.
Condenado mais por indícios e evidências do que por fatos provados, o ex-presidente insiste em que foi condenado por motivações políticas vinculadas à luta de classes. Faz sentido, pois Lula é extremamente identificado com os pobres. Por isso, muitos dos seus simpatizantes o classificam como preso político.
Seria extremamente positivo se viesse à tona a verdade que os órgãos do Judiciário tangenciaram sem porém apresentar provas incontestáveis de corrupção e lavagem de dinheiro, as duas acusações que levaram Lula a ser sentenciado a 12 anos de prisão pelo juiz Sergio Moro.
Falta um clareamento do processo político hoje tumultuado por essa situação paradoxal em que o preferido dos eleitores para a Presidência da República é o prisioneiro mais falado do país.
Lula é o antípoda dos que, com escasso apoio popular, governam o país. “Lula ladrão” é o brado de guerra dos que não suportam ouvir o “Fora Temer”.
Também aqui vigora um paradoxo: nas duas campanhas eleitorais anteriores (2014 e 2010), Lula e Temer eram aliados. Agora estão em extremos opostos, sofrendo acusações pesadas dos órgãos do Judiciário.
Realmente, parece difícil provar que ambos praticaram crimes materiais, mas é notório que cometeram desvios morais como o de cortejar empresários poderosos, cumulando-os de benefícios; também fizeram festa para políticos suspeitos, fechando acordos espúrios com partidos de aluguel; e fizeram vista grossa para jogadas em estatais e ministérios.
Tenta-se justificar tudo isso alegando “necessidades de governança”, “pagamento de dívidas de campanha” e “sujeição à lógica de que os donos do dinheiro têm a palavra final”, cabendo aos pobres algumas migalhas como a liberação de financiamentos para a compra de casa própria, a concessão de bolsas de estudos, a oferta de remédios de graça, a inscrição no bolsa-família ou, seja, subsídio para não morrer de fome.
Num país rico em recursos naturais, livre de catástrofes, a desigualdade de renda é uma vergonha que Lula tentou diminuir e Temer trabalha para agravar.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Não é mais possível manter uma sociedade dividida entre o pequeno grupo do capital, que tudo tem, e a massa imensa do trabalho, a que tudo falta. Não é mais possível admitir a penúria no meio da opulência, a escassez no meio da abundância”.
(Getúlio Vargas em pronunciamento pelo rádio no dia 1-2-1954, comemorando o terceiro aniversário do seu governo).
ResponderEncaminhar
O enigma Bolsonaro
GAUDÊNCIO TORQUATO
Como se explica o enigma Bolsonaro?
Lidera as pesquisas, principalmente quando Lula não aparece como candidato, mas o PR e o PRP acabam de recusar parceria com seu partido, o PSL, que esperava o apoio de uma onda bolsonarista com 100 deputados.
Até agora este contingente não deu as caras. Qual a razão para o isolamento do capitão? A essa altura, a menos de três meses do pleito, era de esperar que uma enxurrada de adesões transferisse ao pré-candidato da extrema-direita a condição de favorito inquestionável à cadeira presidencial. Pois bem, inquestionável ele já não é.
Expliquemos as razões. A começar pela paisagem social, onde sementes se espalham fazendo brotar tanto nos roçados centrais como nos terrenos periféricos uma floresta de ressentimentos contra os protagonistas da política.
Por sua conhecida verve contra petistas, na esteira de uma linguagem centrada em plataforma recheada de posições conservadoras, o deputado Jair elevou-se à condição de inimigo número um das esquerdas e seus porta-vozes, a começar por Lula.
Dessa forma, conseguiu construir o seu “muro”, para usar uma metáfora pinçada da construção que Donald Trump prometeu ao seu eleitorado e cujo foco é o combate à migração a partir do México.
O “muro” de Trump ganhou o sistema cognitivo do eleitor conservador e nacionalista. O “muro” de Bolsonaro é a defesa da sociedade contra a bandidagem, além da promessa de combater “esquerdistas” de todos os quadrantes, principalmente aqueles que usam o verbo para lembrar a era da opressão aberta pelo golpe militar de 1964.
Trata-se de um representante que expressa as ideias do nacionalismo à moda antiga, com uma abordagem amparada na burocracia militar-desenvolvimentista. Também é acusado por adversários de ser “autoritário, truculento, racista e homofóbico”.
Chegou a defender o fuzilamento de Fernando Henrique pelas privatizações que ele fizera, o que mostra a propensão para produzir frases de efeito, porém de alta aceitação em seus eleitores: “bandido bom é bandido morto”, “ a polícia deveria matar mais”, entre outras. Promete, caso ganhe, inserir muitos militares no governo, porque são “incorruptíveis e moralmente superiores aos políticos”.
Nesse ponto, convém pontuar sobre a polêmica que seu discurso propicia.
Se as massas aplaudem a “linguagem militarista”, sob o entendimento de que um militar no governo seria mais adequado para manter a ordem e a segurança social, o meio político teme por seu futuro, enxergando em Bolsonaro o dirigente que tolheria a inserção de políticos na estrutura governativa, restringindo o balcão de trocas e fechando o circuito de interlocução entre Executivo e Legislativo.
A par da sombra autoritária que acompanha Bolsonaro, há dúvidas sobre seu desempenho até a reta final.
Seria possível a algum candidato, por mais populista que seja, suportar o massacre de atores que na campanha terão grande tempo de TV e rádio? Sem coligação, o capitão disporá de míseros 7 segundos. Poderá ter as redes sociais como artilharia. Ora, redes sociais não elegem ninguém. Mobilizam a militância.
Essa é a dúvida que persiste no meio político, razão pela qual, apesar de liderar intenções de voto, Jair Messias Bolsonaro não sai do isolamento. Partidos receiam assumir compromisso com uma figura que abre tantas interrogações.
O enigma Bolsonaro continuará até mais adiante quando a campanha pegar fogo. Caso consiga atravessar a fogueira sem se queimar, é razoável pensar em milagre. A Bíblia não diz que o Messias andou sobre as águas na direção de seus apóstolos? Jair Bolsonaro tem um Messias de sobrenome.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação
Lula (2)
Começou a cair a ficha: a situação que se criou com a prisão de Lula torna-se insustentável. Até o Elio Gaspari reconhece.
Há muito o caso escorregou do terreno jurídico para o político.
Quando se lançou com as caravanas pelo Nordeste, Lula queria puxar o embate para arena política e foi bem sucedido.
A começar pelo silêncio dos grandes noticiosos que, para não fazer propaganda de um pré-candidato já declarado, não deram cobertura às caravanas, como se o fato, ao não ser noticiado, deixasse de ser realidade.
Ausentes do noticiário, mas pulsantes nas redes sociais, as caravanas por nove estados nordestino, apesar dos insucessos, ganharam uma aura mítica: o líder do povo, perseguido pelos poderosos, voltando aos seus para dizer que é inocente.
Quando chegou ao Sul, a caravana não podia mais ser ignorada e aí foi copiosamente noticiada. Mesmo os incidentes e agressões que ocorreram contribuiram para o propósito principal, de politizar o caso.
Aí, o cerco jurídico se fechou. Colocou Lula na cadeia.
E resulta que se tem um prisioneiro numa cela em Curitiba, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que é líder em todas as pesquisas de intenção de voto, num país em que a maioria da população aponta a corrupção como o maior problema.
Como é que uma democracia lida com uma situação espinhosa dessas sem sair arranhada?