Diz uma lenda vigente no centro do Rio Grande do Sul que no verão de 1864 um peão conhecido por Chananeco tocava uma carreta carregada de cal de Caçapava do Sul para São Gabriel.
Ia tranquilo quando foi alcançado por um destacamento militar que lhe pediu informações sobre o melhor caminho para Uruguaiana.
Chananeco deu a dica e perguntou – mas por que tanto soldado cruzando o pampa? Soube então que o ditador paraguaio Solano Lopez havia atacado São Borja, dando início a uma nova guerra.
Chananeco não teve dúvida: desajojou a junta de bois e, escorando a carreta ali mesmo, incorporou-se à caravana guerreira que rumava ao rio Uruguai.
Foi talvez o primeiro e mais autêntico “voluntário da pátria”. Os bois…voltaram sozinhos para a querência, presume-se; e a carreta ficou ali mesmo, sendo devorada pelo tempo, dela só restando um vestígio no caminho: a carga de cal diluída no chão ainda era visível nas primeiras décadas do século XX, muitos anos depois do desaparecimento do carreteiro lendário.
Chananeco era o apelido de um peão chamado Vasco Antonio da Fontoura, nascido entre 1820 e 1826 na localidade de Cerrito do Ouro, hoje município de São Sepé e perto de Caçapava.
Havia participado do final da Guerra dos Farrapos como alferes da cavalaria do General Netto. Também participou da invasão do Uruguai em 1848 e da campanha contra Oribe e Rosas por volta de 1850.
Na Guerra do Paraguai (1865-1870) entrou como tenente e voltou coronel, peito cheio de medalhas por bravura. Destacou-se como chefe de uma vanguarda de cavalaria escalada para missões arriscadas.
De todas se safou com brio invulgar, recebendo elogios por escrito de todos os principais comandantes, desde Osório até Caxias e o Conde d’Eu.
Numa ocasião, a ordem do dia do comandante chegou a lamentar seu desaparecimento, mas no dia seguinte lá estava ele são e salvo de volta ao acampamento com seu grupo de guerreiros a cavalo.
Apesar de constar em livros como herói em várias batalhas no Paraguai, Chananeco foi esquecido pelos historiadores brasileiros.
Talvez por ser um peleador, sem cabeça para o comando – como Bento Gonçalves ou Davi Canabarro –, os intelectuais não lhe deram importância.
Ou contribuíram para reforçar aspectos românticos da sua biografia, enriquecida por causos passados pela voz do povo.
Segundo outra lenda, em plena campanha do Paraguai, Chananeco teria pedido ao general Osório para voltar a ser capitão, pois não estava gostando da função de major da intendência, um posto burocrático. Queria lutar.
Como um certo capitão Rodrigo, ele gostava de pelear
Tudo isso é verossímil, mas depois de 150 anos não há dúvida: ninguém chegou mais perto do verdadeiro Chananeco do que o advogado e historiador caçapavano Cesar Pires Machado em seu livro “Chananeco da Lenda para a História”.
Lançado em 2008 por Já Editores, esse livro de 226 páginas repassa os principais momentos da Guerra do Paraguai no afã de recuperar o perfil do carreteiro valente do Cerrito do Ouro.
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, Cesar Pires Machado não valida as lendas em torno de Chananeco, mas reconhece que ele foi um guerreiro de extraordinária valentia, podendo-se concluir que rivaliza na história gaúcha com comandantes como Sepé Tiaraju e Moringue, entre outros.
Entre fatos e lendas, vasculhando minúcias aparentemente sem importância, Cesar Pires Machado refaz a história da vida de um gaúcho esquecido pela História.
É evidente que Chananeco foi um tático, não um estrategista. Por isso e por não ser dado a leituras, não passou de coronel. Seria como um certo capitão Rodrigo Cambará, personagem de Erico Verissimo em O Tempo e o Vento. E chegadíssimo em corridas de cavalo, a grande diversão dos gaúchos da campanha.
Depois que voltou da guerra, Chananeco teve até um bolicho de campanha que lhe servia como ponto para amarrar carreiras e contratar carreteadas.