A III Corte di Assise di Roma ouve, nesta quinta-feira, 16, o brasileiro Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, como testemunha em julgamento que envolve três coronéis e um delegado de polícia, todos gaúchos.
Eles estão denunciados no processo aberto na Italia pelo procurador Giancarlo Capaldo, para apurar crimes da chamada Operação Condor, montada para perseguir e eliminar dissidentes políticos das ditaduras do Cone Sul (Brasil, Uruguai, Paraguai e Chile).
Dos quatro acusados, os três coronéis ainda estão vivos: Leivas Job(secretário de Segurança do governo Amaral de Souza), Carlos Alberto Ponzi (chefe da Agência de Porto Alegre do SNI durante o sequestro dos uruguaios) e Attila Rohrsetzer (chefe da extinta DCI, Divisão Central de Informações), que fazia o link entre o DOPS e a repressão do CIE e do III Éxército.
O delegado Marco Aurélio Reis, morreu há 15 dias, no dia 2 de junho. Ele era diretor do DOPS, em 1978, quando ocorreu o sequestro dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Dias.
Se condenados, os militares brasileiros podem pegar prisão perpétua. Ao todo são 33 os réus no processo que julga crimes cometidos no âmbito da Operação Condor.
Montoneros
Os brasileiros serão processados na Itália pelo assassinato do cidadão ítalo-argentino Lorenzo Vinãs Gigli, cometido durante o período de atuação da Operação Condor.
O juiz Alessandro Arturi, do Tribunal de Roma, aceitou a denúncia do procurador Giancarlo. Os citados não reconhecem a denúncia.
Lorenzo Viñas era militante da organização Montoneros, que lutou contra a ditadura na Argentina. Desapareceu em Uruguaiana, na Fronteira Oeste, em 26 de junho de 1980.
Segundo a denúncia do Ministério Público italiano, na data em que Viñas foi sequestrado, Leivas Job era secretário de Segurança do Rio Grande do Sul; Ponzi chefiava a agência do SNI (Serviço Nacional de Informações) em Porto Alegre; Rohrsetzer era diretor da Divisão Central de Informações do Rio Grande do Sul; e Silva Reis, delegado de polícia, exercia o cargo de diretor do Dops (Departamentos de Ordem Política e Social) do Rio Grande do Sul.
Rohrsetzer mora em Florianópolis, Leivas Job e Ponzi vivem em Porto Alegre.
Capaldo reafirmou que é clara a participação brasileira na rede repressiva sul-americana. “O Brasil foi parte operativa do Plano Condor, tendo exercido papel importante na atuação repressiva e punitiva contra os movimentos que se opunham aos regimes militares da América do Sul. Não é possível que as autoridades brasileiras não fossem cúmplice do que estava acontecendo”, afirma o procurador italiano.
Quando o processo principal foi aceito pela Justiça Italiana em dezembro de 2007, a juíza responsável pelo caso emitiu ordens de prisão preventiva contra 146 pessoas, incluindo os quatro brasileiros.
Por meio de carta rogatória enviada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) em 2011 os quatro denunciados defendiam-se da notificação judicial: Leivas Job, além de “insurgir-se contra o fato” de o documento italiano não ter sido traduzido por profissional juramentado, afirmou ser “inepta” a denúncia, alegando “ilegitimidade passiva” e invocando a Lei de Anistia brasileira.
Ponzi afirmou que não era o chefe da agência do SNI em Porto Alegre na data indicada; Rohrsetzer declarou que “não se submete à jurisdição italiana, por entender absurdas as acusações”; e, sobre Silva Reis, não consta manifestação no documento.
A justiça italiana vai julgar, ainda este ano, dezenas de sul-americanos envolvidos com a Operação Condor. Eles são acusados de sequestro, massacre e homicídio qualificado de 25 ítalo-argentinos e ítalo-uruguaios, durante as ditaduras militares, nas décadas de 1970 e 1980. Entre os investigados estavam treze brasileiros, mas a maioria deles já falecidos — entre eles até o ex-presidente João Baptista Figueiredo.
O caso ganhou certa evidência na imprensa brasileira em 2007, quando a Justiça italiana expediu ordem de captura internacional aos investigados. Depois, foi esquecido.
Na ocasião, a Itália pediu a extradição dos réus e ficou aguardando informações dos países sul-americanos. Ao todo, entraram na lista de procurados da Interpol 146 pessoas: 61 argentinos, 32 uruguaios, 22 chilenos, sete bolivianos, sete paraguaios, quatro peruanos, além dos treze brasileiros.
O número de pessoas que serão julgadas será bem menor, porque boa parte destes 146 já faleceu. O procurador italiano Giancarlo Capaldo, responsável pelo inquérito, cansou de esperar pelas poucas informações que têm recebido de países como Brasil e Argentina, e vai concluir a investigação para que os réus sejam julgados.
A previsão é ter a sentença ainda neste ano, afirma.
A investigação da Itália começou após denúncia de familiares de vítimas das ditaduras que tinham cidadania italiana, em 1998, já que em solo sul-americano as leis de anistia dificultavam a punição dos culpados.
Giancarlo Capaldo recolheu documentos e ouviu testemunhas em todos os países da América do Sul envolvidos com a Operação Condor. Capaldo procurou entender como funcionavam os aparelhos de repressão de cada país para indiciar os responsáveis pelas mortes.
No Brasil, ocorreram dois desaparecimentos de ítalo-argentinos. Horacio Domingo Campiglia foi visto pela última vez no dia 12 de março de 1980, no aeroporto Galeão, Rio de Janeiro (atual aeroporto Tom Jobim).
Lorenzo Ismael Viñas foi capturado quando atravessava a ponte que liga Uruguaiana à cidade argentina de Paso de los Libres, no dia 26 de junho de 1980. Os dois teriam sido entregues por órgãos repressores brasileiros à repressão argentina, e desapareceram.
O procurador buscou os responsáveis diretos pelos atos e também a cadeia de comando.
No Brasil, só foi possível mapear os comandantes dos aparelhos repressores, já que o país nunca investigou profundamente os crimes da ditadura militar.
Assim, no caso de Horácio Domingo Campiglia, que ocorreu no Galeão, foram consideradas responsáveis autoridades nacionais, como o então presidente João Baptista Figueiredo e o então ministro do Exército, Walter Pires de Carvalho e Albuquerque, ambos já falecidos, além de autoridades dos órgãos das polícias e do Exército no Rio de Janeiro.
Já o caso de Lorenzo, ocorrido em Uruguaiana, envolve as mesmas autoridades nacionais e inclui autoridades gaúchas.
A Itália deve julgar tanto aqueles que foram capturados, quanto os que estarão ausentes, caso dos brasileiros ainda vivos. “A Itália julga na ausência. Os que estão presos serão ouvidos”, afirma Jair Krischke.
Crimes da ditadura: quatro brasileiros em julgamento na Itália
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