Documento diz que corrupção foi uma das causas da queda da ditadura

Um telegrama com carimbo “confidencial” chegou ao Departamento de Estado em Washington no dia 1º de março de 1984.
O envio de relatórios reservados era uma rotina da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil mas aquele tinha um assunto incomum: a corrupção no regime militar, sob o qual o país vivia desde 1964.
O telegrama, obtido pelo jornal O Globo, faz parte de um lote de 694 documentos enviados pelo governo norteamericano, em três remessas, entre 2014 e 2015, para a Comissão da Verdade.
Para situar os burocratas de Washington, o telegrama explica o que é o “jeitinho”, um fenômeno social brasileiro, raiz da corrupção que seria parte indissociável da política e da economia no país.
A partir daí, o texto traça um quadro da decadência do governo Figueiredo, ao mencionar uma série de acusações de corrupção. “No nível nacional existem muitos escândalos que lançam nuvens sobre o governo Figueiredo”, diz o informe.
Certamente o homem mais poderoso na economia durante o regime militar, o então ministro do Planejamento, o economista Delfim Netto, é citado como um exemplo de alvo de acusações do alto escalão de Brasília.
São dois os casos. Num deles, o das polonetas, havia suspeitas em torno de empréstimo de US$ 2 bilhões à Polônia a taxas de juros consideradas baixas.
Em outro, um documento conhecido como “relatório Saraiva” — que nunca veio a público na íntegra — acusava Delfim de, quando embaixador em Paris, receber propina para intermediar negócios entre bancos estrangeiros e estatais brasileiras.
Delfim nega qualquer relação ou irregularidade nos dois casos — como negou na ocasião:
— As polonetas o governo da Polônia pagou, em um momento de grande dificuldade para o Brasil, US$ 3 bilhões. O relatório Saraiva foi arquivado pelo SNI porque não havia nada de concreto — diz Delfim, que minimiza o papel dos informantes americanos. — Esses funcionários vinham para o Brasil e fingiam trabalhar enviando a Washington informações que já estavam em todos os jornais.
Como diz Delfim, o informe de 1984 não cita casos desconhecidos do público. Tampouco há informações secretas. Estão lá menções ao escândalo da mandioca (desvio de verbas para produtores) e as suspeitas contra os dois pré-candidatos do PDS — hoje PP, na ocasião o partido do governo — à Presidência, o ex-governador Paulo Maluf e o então ministro Mário Andreazza. .
O valor do documento está no fato de mostrar a avaliação que os americanos faziam do último ano do regime militar. O diagnóstico da embaixada é que a roubalheira corroía a legitimidade do governo.
O texto contraria o discurso de que a corrupção não existia durante o regime militar. Ao contrário: era um problema tão grande e presente no Brasil governado pelos militares quanto é hoje.
Em 1984, não estava mais na pauta a repressão aos inimigos do regime, como no documento revelado há duas semanas pelo professor Matias Spektor, que era de 1974 e relata uma reunião do então presidente Ernesto Geisel e três generais em que era autorizada a eliminação de subversivos.
O texto de 1984 se preocupava com outro aspecto. Afirma que a corrupção corroera tanto a imagem dos militares entre a população, que era um fator decisivo para sua saída do poder. “Entre muitos oficiais, dos mais baixos aos mais altos, há uma forte crença que os últimos 20 anos no poder corromperam os militares, especialmente o alto comando e que agora é hora de deixar a política e suas intempéries e voltar a ser soldado”, diz.
Contudo, o alerta dos informantes é que os militares iriam embora, mas os efeitos negativos da roubalheira ficariam e poderiam desestabilizar a política nos anos seguintes. “O que está claro é que a corrupção, real ou imaginária, está erodindo a confiança dos brasileiros em seu governo”, diz o texto.
 

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