Estradas de ninguém: seis meses sem solução

Uma imprensa mais atenta ao interesse público não deixaria passar em branco: chega a seis meses o desentendimento entre o governo do Estado e o governo federal, que jogou no abandono 1,6 mil quilômetros de estradas pedagiadas no Rio Grande do Sul.
Na verdade, para uma imprensa mais atenta ao interesse público, esse assunto deveria render manchetes diárias, até que se resolvesse.
Afinal, os seis pólos de pedágio envolvidos no impasse situam-se em rotas vitais para toda a população gaúcha e por onde transita o grosso da produção do Estado.
Mas aqui é assim. Como todas as partes envolvidas – governo do Estado, governo federal e concessionárias – são grandes anunciantes e não tem interesse em tocar no assunto, o jornalismo passivo não vê a gravidade do problema.
Fora algumas notas esporádicas, parece que ninguém está sendo prejudicado com a situação. Mesmo a decisão do Tribunal de Contas do Estado que, no início de janeiro, mandou a governadora Yeda Crusius retomar a fiscalização dos trechos pedagiados não mereceu mais que registros burocráticos, a partir de press release da assessoria do TCE.
A omissão da imprensa, aliás, é coerente com todo o comportamento que ela tem mantido ao longo dos onze anos, desde que se implantaram os pedágios no Estado, o único em que as concessionárias se comprometem apenas com a manutenção – embora as tarifas sejam as mais altas do país.
EM TEMPO: Matéria da repórter Marciele Brum, na Zero Hora deste domingo, 7/2, confirma a “cautela” do jornal em relação ao tema, a começar pelo título: “TCE aponta falhas em pedágios”. A fonte da matéria é o mesmo relatório, de 2009, que deu base à decisão do conselheiro Cezar Miola, de intimar o governo estadual a retomar a fiscalização das rodovias pedagiadas. Diz que o tribunal deu “foco técnico a uma polêmica no campo político”, quando a avaliação dos técnicos, feita entre maio e agosto do ano passado, antecedeu a devolução das estradas, que gerou a polêmica. Não esclarece que a origem da dita “polêmica” foi a tentativa de Yeda de prorrogar por mais dez anos os atuais contratos, fonte de todos os problemas. Não foi ouvida a Agergs, nem o Daer e o secretário Daniel Andrade se limita a dizer que “o assunto está em estudo”. Em destaque, o advogado das concessionárias tenta desqualificar o relatório, dizendo que o TCE não tem “competência legal” para avaliar as estradas, como se isso invalidasse a constatação objetiva dos problemas apontados.

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  1. Sobre o assunto Pedágios escrevi recentemente coluna publicada no site http://www.seculodiario.com.br
    Misteriosos pactos do destino
    Nesta virada de ano percorri mais de quatro mil quilômetros por estradas estaduais e federais de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
    O mais grato suvenir dessas viagens foram os tíquetes de pedágio da BR-101 entre Curitiba e Palhoça (SC), trecho em que, por um misterioso pacto do destino, os automóveis pagam apenas R$ 1,10 para atravessar uma cancela eletrônica.
    Bem diferente da BR-290, que corta o Rio Grande do Sul de leste a oeste: ali há porteiras que só se abrem por R$ 6,00. São talvez as mais caras do Brasil, depois dos pedágios da Rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo.
    Como se explica uma diferença de seis vezes na tarifa de um mesmo serviço? Não devia ser assim, afinal, estamos no mesmo país e usando principalmente rodovias federais cuja qualidade se nivela por cima.
    Dizem que os pedágios gaúchos são os mais caros porque foram os primeiros, estabelecidos nos anos 1990, durante o governo privatizador de Antonio Britto, ex-ministro da Previdência Social, que se consagrou como portavoz do presidente Tancredo Neves.
    No Rio Grande do Sul ouve-se que alguns membros da administração Britto tornaram-se sócios das concessionárias (de estradas) vitoriosas em licitações. Pode ser, mas uma CPI criada para investigar irregularidades nos contratos não chegou a lugar nenhum. Aos usuários resta pagar-e-bufar.
    Como chefona do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a ministra Dilma Rousseff não esconde que tem bronca dos administradores das estradas brasileiras. Até aí nenhuma novidade. Todo mundo sabe que entre nós os administradores públicos são relaxados e os privados gananciosos. O problema é que o governo não encontra um caminho que torne possível a oferta de bons serviços sem explorar os contribuintes com impostos elevados e tarifas escorchantes.
    A não ser em período recente, para atravessar a crise financeira mundial, os dois partidos políticos que se revezam no poder federal nos últimos 15 anos – PSDB e PT – não se esforçaram para reduzir a carga de impostos e, ainda por cima, aderiram facilmente à tese neoliberal de que é melhor estabelecer tarifas específicas para determinados serviços, como as estradas. O resultado é um governo federal que arrecada bilhões mas é incapaz de desmanchar a armadilha das dívidas externa e interna, que consomem recursos extraordinários, sempre em favor de banqueiros e rentistas.
    Sem dúvida, essa conta haverá de ser cobrada do próximo presidente, seja ele Serra, Dilma ou qualquer outro: o Estado precisa tornar-se tão eficiente no gastar quanto no arrecadar, e ainda lhe cabe pagar uma dívida atrasada – definir um modelo econômico sustentável em todos os campos: ambiental, agrícola, energético, viário, político, tributário etc.
    Sem preservação ambiental, vamos comprometer os nossos recursos naturais. Se não produzirmos alimentos a baixo custo, sacrificaremos o abastecimento brasileiro e podemos não ter excedentes exportáveis. Sem energia barata, oneramos a população pobre e reduzimos a competitividade de todos os setores produtivos. Sem infraestrutura eficiente, comprometemos o desempenho geral da economia.
    E aqui voltamos ao início desta viagem. O pedágio é um imposto justo, pois incide diretamente em cima de quem usa a estrada. Mas até quando vamos continuar pagando impostos anuais para a manutenção das estradas? Enquanto proliferam as porteiras de pedágio, não se alivia o IPVA nem os impostos destinados a manter e construir estradas.
    Está chegando a hora de cobrar definições claras de quem pretende ser eleito para os próximos quatro anos.

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