Exclusivo: a última entrevista do velho João

Guilherme Kolling
Quando o Bar João completou um ano e seis meses fechado, em 31 de novembro de 2004, o Jornal JÁ foi ouvir o fundador, João Brum. A reportagem passou uma tarde no acanhado apartamento do senhor de 89 anos, no Parque dos Mais. Lúcido e animado, ele ainda falava com energia quando lembrava histórias da Osvaldo Aranha.
O estabelecimento para o qual ele deu seu nome continua fechado. Foi atingido por uma retroescavadeira que demolia o Baltimore em 2003. Júlio Leite, dono do bar, entrou com uma ação na Justiça para embargar a obra vizinha, que prevê um centro comercial e residencial. Também pediu indenização pelos prejuízos. A decisão ainda corre no Judiciário.
Enquanto isso, o Bom Fim perdeu um de seus personagens históricos, o velho João, que morreu no dia 23 de maio, de doença pulmonar e parada A seguir, republicamos matéria veiculada em dezembro de 2004, a última entrevista de João Brum.
“Os melhores anos da minha vida”
Aos 89 anos, João da Silva Brum está bem lúcido, e lembra detalhes do bar que criou e batizou com seu nome. Ele vive no bairro Parque dos Maias, de onde sai raramente. Recebe notícias do Bom Fim através dos filhos, que também trabalham no comércio, um deles na Osvaldo Aranha.
A avenida traz ótimas recordações para o velho João. “Foram os melhores anos da minha vida”, lembra. Trabalhou no local por mais de quatro décadas, “os 365 dias do ano”. Nesse período, presenciou a transformação da área, com a construção do Hospital de Pronto Socorro e do Mercado Bom Fim.
Passou por diversos estabelecimentos até iniciar seu negócio. Veio como empregado do lendário Bar do Serafim, mais conhecido como “Fedor”. O irmão de Serafim tinha o bar Dalila, na Azenha, e um certo dia disse para João: “Olha, tu és muito trabalhador e não merece ficar aqui. Vou arranjar trabalho melhor para ti”.
E assim João começou no Fedor, em 1937. Logo foi promovido a gerente. “Eu era muito atencioso com a freguesia”, explica. Até hoje ele arregala os olhos quando lembra do movimento. “Aquilo fervia. Tinha até cancha de jogo do osso”, conta.
Depois de 11 anos no Bar do Fedor, João montou o Bar Imperial com um sócio, na Osvaldo Aranha, 1344. “Levei toda a clientela comigo. O Serafim ficou louco de raiva”. A sociedade durou quatro anos. Foi quando ele comprou o Bar Azul, também na Osvaldo Aranha, número 1008. Ali nasceu o Café-Bar João.
Ficava num sobrado comprido e espaçoso. No andar de cima morava o senhor Lewgoy, que saiu depois de uns meses por causa do barulho. João, que morava nos fundos, reformou o espaço, colocou umas mesas de snooker e foi morar no segundo pavimento. “Era imenso, tinha 13 peças. O problema é que eu quase não podia dormir, passava um barulhão pelo forro de madeira”. Mesmo assim, morou lá 27 anos.
O velho João conta que o salão do bar era muito familiar, com toalha e flores nas mesas. O movimento começava às 5h da madrugada: eram leiteiros, açougueiros, fiscais da saúde – gente que trabalhava cedo e que ia tomar café lá. Seguia aberto até a meia-noite ou o último cliente. Tinha dias que ficava 24 horas sem fechar.
Era freqüentado pelos mais variados tipos – funcionários do HPS, professores, médicos, marginais, advogados, jornalistas, estudantes. “A freguesia era muito boa”, resume João. “E o ambiente agradável. Os velhos judeus ficavam horas lá, jogando pauzinho. Também se falava muito em futebol. O Carangate, um judeu “gremista doente”, era famoso também porque falava muito alto. A maioria no bar era gremista. Eu fui até sócio”, conta.
Café e snooker
O café era uma atração a parte. Cheiroso e moído na hora, vendia 4kg por dia. “Não tinha quem não parasse para tomar um”, garante João. Para dar conta do movimento, duas copeiras e dois garçons, um deles cuidando do snooker.
Bilhar – “Mesa de bilhar dá um lucro extraordinário, mas é um desastre”. O jogo causou algumas confusões no Bar João que, segundo o antigo proprietário, quase nunca tinha briga. “O problema é o jogo, que sempre atrai malandro”, explica o pioneiro. Com seu 1,68m de altura, João Brum deu fim a desentendimentos sérios, quase sempre na base da conversa.
“Uma vez me meti num conflito e fiquei sob a mira de um revólver. Tudo por causa de um cruzeiro que o cara não queria pagar. Consegui levar o sujeito armado lá para fora e conversei com ele: ‘Ô, rapaz, tu é casado, tem filho, vai se meter com malandro e deixar um tiro e estragar tua vida?!’. Ele respondeu ‘o senhor tem razão’, e me disse: ‘Vou continuar vindo armado, mas o revólver fica no balcão’, prometeu”. E assim foi feito.
Em 1979, João Brum vendeu seu bar. “Foi um dinheiro bom”. Mas garante que não enriqueceu com o estabelecimento. “Fui muito roubado. Não tinha como ter controle do dinheiro que entrava”. Ao invés de se aposentar, abriu um bar no Centro, que durou quatro anos, e encerrou a carreira no Colégio Vera Cruz, onde comandou a cantina por 11 anos.
Com o novo proprietário, Júlio Leite, o Bar João ficou no número 1008 da Osvaldo Aranha até 1992 – o sobrado foi demolido para a construção de uma garagem. Daí, se mudou para o número 1026, onde está a fachada até hoje.

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  1. Por gentileza, terias o contato do Júlio Leite ou do proprietário do prédio na Osvaldo Aranha, 1026 para me fornecer? Gostaria de entrar em contato para expor um projeto na área.
    Atenciosamente,
    Kátia Schaffer

  2. Comecei a frequentar o Bar João em 1978, ainda com o Seu João, fui ver o filme do Led Zepellin no Bristol, depois caiu um super chuva, me abriguei ali para tomar um copo de vinho, quando me dei conta estava no meio da malucada, Depois sempre ia nos fins de semana, nos dois endereços, fiquei amigo do Julio até hoje, a pouco tempo encontrei ele na redenção, batemos um longo papo. O Seu João também era um senhor muito agradável, quando o conheci ele tinha cerca 50 anos e era muito atencioso e brincalhão. Como não tinha onibus para eu voltar para Guaiba, e eu ia sempre sozinho, ficava conversando com ele até o amanhecer. Uma noite ele deixou que eu e a Angélica, uma namorada ficássemos em um sofá que tinha no andar de cima do sobrado.

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