Repetindo a dose tucana, iniciada na semana anterior com José Serra, o RodaViva da TV Cultura de São Paulo entrevistou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que paira sobre o PSDB, o partido governante de quatro estados e administrador de 700 municípios brasileiros. Foi nesta segunda feira 1/7.
Decepcionou-se quem esperava um ataque ao governo da presidenta Dilma. FHC falou pouco de política, preferindo manifestar-se como professor de sociologia, sua principal atividade na USP antes de ser cassado pelo AI-5 (1968) e de entrar para a política (pelo PMDB em 1978).
O atual momento de turbulência social e política no Brasil é um prato cheio para um cientista social que chega aos 80 anos na plenitude de sua lucidez intelectual e já (relativamente) destituído das vaidades que o levaram a disputar pra valer o poder no Brasil. FHC elogiou os jovens pelas recentes manifestações, mas não pixou ninguém.
Permitiu-se apenas algumas farpas indiretas. A maior delas foi uma alusão ao ex-presidente Lula: “Há pessoas que ficam em silêncio nesse momento rico porque talvez se sintam culpadas por alguma coisa ligada à corrupção”. Não citou nome algum, mas nas entrelinhas ficou claro a quem queria espicaçar. FHC e Lula vivem de pirraça.
No fundo, disse FHC, as pessoas estão protestando contra a desigualdade, a pobreza, a corrupção. “O Brasil vai bem mas a maioria das pessoas quer mais”, disse ele, relacionando os atuais protestos brasileiros aos de outros países – Espanha, Egito, Islândia –, todos mobilizados pelas redes sociais. Até aí, nada de novo.
À presidenta Dilma, ele recomendou humildade. “Se eu pudesse lhe dar um conselho, com todo respeito, eu lhe diria: ‘Ouça mais’ ”. Não foi um puxão de orelha, mas uma leve beliscadinha. De leve, como manda a boa educação: quando uma pessoa está caída no chão, não se deve chutá-la, mas estender-lhe a mão. “Vejam como sou gente fina…”
Recém-eleito para a Academia Brasileira de Letras, Fernando Henrique acaba de lançar um novo livro sobre os grandes pensadores brasileiros: Oliveira Viana, Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Hollanda, Celso Furtado e outros – o último deles, Antonio Candido, que continua ativo aos 95 anos em São Paulo, foi citado por FHC como o melhor professor que conheceu no Brasil, comparável somente a Raymond Aron, da Universidade de Nanterre na França.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“A democracia é o resultado de um encontro harmonioso entre o Estado, o Mercado e a Sociedade”
Fernando Henrique Cardoso
FHC sabe das coisas. Entende a gravidade do momento e do perigo de certos oportunismos eleitorais….