Matheus Chaparini
Fui a Gramado com dois objetivos. Cobrir o festival para o JÁ e assistir pela primeira vez o documentário Secundas, a convite do diretor Cacá Nazário.
O filme mostra o movimento de ocupações escolares, desencadeado no Rio grande do Sul – e diversos outros estados – ao longo de 2016.
Secundas traz o contexto das lutas dos estudantes, suas pautas, preocupações, relações. O movimento era sério, mas trazia a leveza e a graça da juventude. Nos atos, os estudantes gritam palavras de ordem, mas também cantam, dançam, riem, se abraçam. O documentário cria esta atmosfera, situa o espectador e culmina com a tensão e a violência do episódio da desocupação da Secretaria da Fazenda, em Porto Alegre.
Contribui com o trabalho com um depoimento e algumas das imagens que registrei dentro do prédio da secretaria, quando cobria a manifestação dos jovens. Estava no mezanino, anotando à pouca luz as informações que estão nesta matéria, quando os apresentadores Roger Lerina e Marla Martins anunciaram o grande vencedor na noite.
Cacá Nazário recebeu o prêmio das mãos do presidente da Assembleia Legislativa, deputado Edegar Pretto. Subiu ao palco acompanhado do montador do filme, Matheus Piccoli e de um discurso forte. Disse que os estudantes “foram reprimidos pelo governo Sartori que está demitindo sem motivo servidores das fundações. Essa corja toda que está aí em nível estadual e federal e que derrubou uma presidenta eleita para botar uma quadrilha.”
O próximo projeto é um longa metragem de ficção, baseado na personagem de uma das estudantes retratadas no documentário.
O diretor defendeu a coragem dos estudantes em se manifestarem em defesa de seus direitos e concluiu: “Fazer manifesto em Facebook é bacana. Mas o que me interessa é quem está indo pro pau.”
“Este prêmio não deveria existir”
O primeiro prêmio da noite foi o de produção executiva, vencido pelo filme Sob Águas Calmas e Inocentes. “Na nossa opinião, este prêmio nem deveria existir, porque ele não faz sentido”, definiu Pedro Guindani, um dos produtores e presidente da Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos do RS (APTC). Ele afirmou não ser possível avaliar a produção executiva do filme. Guindani sugeriu que a premiação seja eliminada ou substituída por outra.
A equipe prometeu reinvestir o prêmio de R$ 4 mil reais no cinema gaúcho, através de inscrições de filmes em festivais e se pôs à disposição para receber projetos.
Quatro troféus e um filme que não está pago
Emiliano Cunha foi um dos grandes vencedores da noite. Seu filme Sob Águas Claras e Inocentes ganhou três prêmios – melhor direção, melhor produtor e júri da crítica. Levou ainda uma menção honrosa à equipe. O protagonista do filme é vivido por diversos atores e atrizes. O júri entendeu que não haveria como premiar individualmente e reconheceu o trabalho de composição do personagem de vários rostos e vozes.
No sábado, quando o filme foi exibido na Mostra de Curtas Gaúchos, Emiliano aproveitou o discurso para cobrar: “Prefeitura, pague a cultura”. Seu filme foi contemplado pelo Fumproarte, em 2014. Porém, até agora, não recebeu todo o dinheiro. Segundo o diretor, ficou faltando a última parcela, correspondente a cerca de 40% do valor total da produção.
Emiliano dedicou o prêmio da crítica a Cid Nader, crítico de cinema e curador de festivais falecido no dia 16 de agosto. “Foi ele quem escreveu minha primeira crítica. No dia seguinte pude sentar e conversar pessoalmente com ele. Ali eu quebrei meus tabus de críticos de cinema.”
Temporal ganhou três prêmios – roteiro, fotografia e edição de som. Carine Wallauer, que recebeu o troféu pela fotografia do filme, defendeu a importância do protagonismo das mulheres no cinema, espaço de onde há predominância masculina.
Divergência democrática: dois discursos sobre a TVE
Gestos foi o vencedor do prêmio Aquisição TVE. O filme recebe um prêmio em dinheiro no valor de R$ 3 mil. A premiação foi criada em 2014 e retomada pela atual gestão em parceria com a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR). O filme foi escolhido por uma comissão formada por representantes da Fundacine, Tecna, TVE, FM Cultura e críticos de cinema.
O prêmio foi entregue pelo presidente da Fundação Piratini, Orestes de Andrade Júnior. “A extinção da fundação não representa o fim da TVE”, garantiu Orestes, defendendo que o futuro da emissora passa pela parceria com o setor audiovisual gaúcho. O presidente afirmou que a indústria audiovisual gaúcha já esteve entre as três do país, mas que está ficando para trás e precisa retomar força.
Na sequência, com Orestes ainda no palco, veio a entrega da menção honrosa ao filme Sena, os fios em prosa, pela importância histórica. O documentário Marcelo da Rosa Costa e Cacá Sena, que conta a história do artista Antonio Carlos Sena. Como já haviam combinado previamente, em caso de premiação, dedicaram a menção honrosa “à Fundação Piratini, à Zoobotânica e a todas instituições que estão sendo agredidas pelo governo.” Após os discursos, todos posaram para as fotos.
Onde anda Yomared?
Mariana Yomared é artista de rua. Aos domingos, pode ser vista na Avenida Paulista, onde se apresenta com seu espetáculo de bambolês. Na noite de domingo, quando completava 25 anos, recebeu dois prêmios: música e melhor atriz. Mas não estava em Gramado para recebê-los.
Mariana e Lufe Bolini se conheceram no vale do Anhangabaú, em São Paulo. Da intimidade da relação, saíram imagens, produzidas sem roteiro prévio, que tomaram forma de filme na etapa de montagem – que rendeu prêmio a Lufe. No filme, Yomared conta sua história e a de sua família. O curioso é que Yomared não é musicista ou atriz profissional.
Foi Lufe Bolini quem subiu ao palco para receber os três prêmios.Ele demonstrou surpresa com os prêmios. Segundo Lufe, Mariana estava aprendendo os instrumentos na época da produção do filme, há cerca de um ano. Além disso, Banda da Convenção de Malabares de Florianópolis, que divide o prêmio pela música, foi um grupo criado para um evento específico.
Troféu Assembleia Legislativa
Melhor filme: “Secundas”, de Cacá Nazario
Melhor direção: Emiliano Cunha por “Sob Águas Claras e Inocentes”
Melhor ator: João Pedro Prates em “1947”
Melhor atriz: Mariana Yomared em “Yomared”
Melhor roteiro: Gabriel Honzik por “Temporal”
Melhor fotografia: Carine Wallauer por “Temporal”
Melhor direção de arte: Eduardo Reis por “Solito”
Melhor música: Mariana Yomared e Banda da Convenção de Malabares de Florianópolis em “Yomared”
Melhor montagem: Lufe Bollini em “Yomared”
Melhor edição de som: Ivan Lemos e Thiago Gautério por “Temporal”
Melhor produtor: Ausang, Davi De Oliveira Pinheiro, Emiliano Cunha e Pedro Guindani por “Sob Águas Claras e Inocentes”
Menção honrosa: ao elenco do filme “Sob Águas Claras e Inocentes”, de Emiliano Cunha
Prêmio Aquisição TVE
Vencedor: “Gestos”, de Alberto Goldim e Júlia Cazarré
Menção honrosa: “Sena, o fio em prosa” de Marcelo da Rosa Costa e Cacá Sena
Prêmio do Júri da Crítica
“Sob Águas Claras e Inocentes”, de Emiliano Cunha