Laboratório referência atrai congresso internacional sobre ventos para a Capital

Cleber Dioni Tentardini
É preciso uma engenharia para decifrar a ação dos ventos sobre uma cidade, tamanho são os seus efeitos e a sua interação com o ser humano e o meio ambiente. E um congresso internacional – que pela primeira vez será realizado na América do Sul – para reunir 500 dos mais importantes especialistas mundiais para debater a tecnologia em Porto Alegre, em junho.
Por ser pouco conhecida, é comum as pessoas logo associarem a engenharia do vento à energia eólica e à meteorologia, mas essa especialização abrange um amplo leque de assuntos. Hoje ela está presente em praticamente todas as construções civis e conhecer suas especificidades é fundamental para o conforto e segurança das populações.
Por exemplo: a cobertura do Gigante da Beira-Rio teve que ser reduzida alguns centímetros após os resultados de testes sobre o efeito dos ventos no estádio.
Da mesma forma, o projeto do Parque do Pontal, a área do antigo Estaleiro Só à beira do Guaíba, foi elaborado levando-se em conta as condições climáticas e o impacto dos ventos sobre as pessoas no entorno do empreendimento.
A ampliação da CMPC Celulose Riograndense, em Guaíba, incluiu a colocação de uma grande tela circular de proteção na pilha de cavacos – ajudando a conter a poeira que poderia prejudicar comunidades próximas.
Na ponte estaiada de São Paulo foram colocados dois triângulos, chamados tecnicamente de nariz de vento, para cumprir uma função aerodinâmica no desempenho da estrutura. Diminuíram em 50% as oscilações verticais da estrutura.
Em comum, esses projetos foram submetidos a simulações no túnel do vento do Laboratório de Aerodinâmica das Construções (LAC), no Campus do Vale/Ufrgs, o mais avançado da América Latina. Esse túnel foi batizado com o nome de seu fundador, professor Joaquim Blessmann, uma referência mundial no assunto, já aposentado.
experiência de três décadas no LAC
Quem ficou com a responsabilidade de manter o laboratório com o mesmo padrão de qualidade foi o professor Acir Loredo-Souza, da Pós-Graduação em Engenharia Civil, da Universidade – ele é também presidente da Associação Brasileira de Engenharia do Vento.
Aos 49 anos, está há quase 20 anos à frente do LAC. Entrou como aluno da Ufrgs em 1983, e três anos depois começou a trabalhar como auxiliar de pesquisa, como voluntário do professor Joaquim Blessmann.
Concluiu o mestrado na UFRGS e doutorado na Universidade de Western Ontario no Canadá, trabalhando no laboratório mais avançado do mundo em engenharia do vento, que fez os estudos para as torres gêmeas no World Trade Center, nos Estados Unidos, e para muitas das maiores obras do mundo. Quando voltou, assumiu a direção do laboratório.
Ele coordena uma equipe de pesquisadores/bolsistas, estagiários e técnicos que, apesar das dificuldades, presta um trabalho reconhecido internacionalmente.
Do contrário, o LAC não seria escolhido como o organizador e Porto Alegre como a sede do Congresso Internacional da Engenharia do Vento, que reunirá no próximo mês de junho os maiores especialistas do mundo no assunto.
Porto Alegre é a primeira sede na América do Sul

Miniaturas de edificações ao lado do túnel do vento no LAC | Divulgação
Miniaturas de edificações ao lado do túnel do vento no LAC | Divulgação

O Congresso Internacional da Engenharia do Vento, que já está em sua 14ª edição, irá ocorrer pela primeira vez na América do Sul, com a expectativa de reunir aproximadamente 500 conferencistas de 33 países – entre eles Canadá, Estados Unidos, Japão, China, Austrália, Inglaterra e Alemanha.
Entre os destaques da programação, já estão confirmadas palestras dos pesquisadores John Holmes, da Austrália; Horia Hangan, do Canadá; e Jens Peter Molly, da Alemanha (veja no box abaixo a que eles se dedicam).
O evento será nos dias 21 a 26 de junho, no Centro de Eventos da PUCRS.
A maior comitiva é da China, que tem investido muito em engenharia do vento. Segundo o professor Acir Loredo-Souza, nesta ocasião eles irão apresentar a candidatura para sediar o próximo congresso, em 2019.
Realizado a cada quatro anos, o congresso aborda diversos tópicos relacionados a ação e efeitos do vento, incluindo o planejamento urbanos e a dispersão atmosférica de poluentes. “Haverá palestras desde a ciência mais básica até a parte da aplicação em obras reais que foram construídas desafiando a engenharia no limite do conhecimento”, ressalta o pesquisador.
Universidade não ajuda na manutenção
Curiosamente, o LAC é sustentado apenas com os trabalhos que presta, principalmente para empreendimentos de fora do Rio Grande do Sul, que representam 99% da demanda.
“É um desafio diário manter esta estrutura sem o apoio financeiro da própria Ufrgs, mas ainda somos uma referência e pretendemos continuar assim”, afirma Loredo-Souza.
Dezenas de prédios residenciais e comerciais de vários estados brasileiros e de países da América do Sul, como Uruguai, Argentina e Venezuela, passaram pelos estudos da engenharia do vento no LAC.
Os arranha-céus de 70, 80 andares em Balneário Camboriú, diversos estádios de futebol, incluindo as arenas da Copa, igrejas como a Basílica de Goiás, o campanário no Santuário de Aparecida, a Catedral de Belo Horizonte – um dos últimos projetos de Oscar Niemeyer -, o Templo Rei Salomão, da Igreja Universal; o Museu do Amanhã, no Rio; as pontes estaiadas Octávio Frias de Oliveira, São Paulo; de Laguna e do Rio Negro, em Manaus.
Também ali é feita a calibração dos anemômetros, os aparelhos utilizados para medir a velocidade dos ventos.
“Obviamente, precisaríamos de um apoio oficial da Universidade, ainda mais neste momento de desaquecimento da economia e a consequente queda na demanda do setor da construção civil. Mas o que nos anima é perceber que o pessoal que quer investir mais na qualidade de seu produto busca nosso trabalho pela tecnologia avançada que oferecemos”, afirma Loredo-Souza.
Túnel do vento traz segurança a projetos
Ao simular no túnel os principais impactos dos ventos em modelos reduzidos de edificações, é possível determinar as pressões que irão atuar sobre as fachadas e as estruturas, resultando em projetos mais precisos.
“Os estudos do túnel nos dão maior segurança de como a estrutura responderá aos efeitos dos ventos. O que o laboratório faz é orientar os responsáveis pelos projetos a realizarem ou não adequações em suas estruturas”, completa.
Entretanto não existe uma legislação que obrigue os empreendimentos a realizarem os estudos no túnel de vento, que é a simulação mais próxima da realidade, uma garantia maior de segurança. O que há é uma norma, a NBR 6123, de 1988 – Forças Devidas ao Vento em Edificações – e que todo engenheiro deveria seguir.
O túnel disponível no LAC é do tipo de retorno fechado, projetado especificamente para ensaios estáticos e dinâmicos de modelos de construções civis. Este túnel permite a simulação das principais características de ventos naturais.
Sua relação entre comprimento e altura da câmara principal de ensaios é superior a 10, e suas dimensões são 1,30m de largura, 0,90m de altura e 9,32m de comprimento. Na segunda câmara de ensaios, as dimensões são maiores: 2,50m, 2,10m e 15,60m, respectivamente.
A velocidade máxima do escoamento de ar nesta câmara, com vento uniforme e suave, sem modelos, é de 47m/s (170 km/h). As hélices do ventilador são acionadas por um motor elétrico de 100 HP e a velocidade do escoamento é controlada através de um inversor de frequências.
Canadense com túnel único no mundo virá para congresso
Horia Hangan é professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Western Ontario, Caanadá, e diretor fundador do Instituto de Pesquisa WindEEE, o qual possui um túnel de vento hexagonal para simular diversos tipos de ventos, sendo o único no planeta deste tipo.
Ele estará em Porto Alegre em junho para debater sobre o tema na 14ª edição do Congresso Internacional de Engenharia do Vento que será realizado na PUCRS.
Em 2009, o professor projetou e desenvolveu o WindEEE Dome. WindEEE é um instituto destinado a estudar o impacto de qualquer tipo de sistema eólico no habitat de origem humana e natural. Pela primeira vez no Brasil, ele falará sobre simuladores físicos e novas técnicas de medições desenvolvidas pelo WindEEE.
modelo alemão de energia eólica será detalhado
Já o palestrante Jens Peter Molly – diretor geral do Grupo DEWI, com filial no Brasil – vai detalhar o modelo de energia eólica alemã, país onde o crescimento das energias renováveis deve continuar.
“É um paradigma desta evolução o fato que a maior geradora de energia elétrica na Alemanha tenha decidido vender todas as plantas convencionais e se concentrar somente nas energias renováveis”, enfatiza Molly.
O diretor geral do Grupo DEWI destaca que no país europeu existe a política de “Energiewende” (mudança das energias), que significa que a Alemanha vai substituir o uso da energia nuclear até 2021.
“Por isso, nós precisamos das energias renováveis como a eólica onshore, offshore e fotovoltaica”, justifica.
O país europeu já instalou mais de 38 mil MW de energia eólica onshore e também mais de 38 mil MW de fotovoltaica. As duas fontes geram 84,2 milhões de MWh de energia ou 13,8% da geração elétrica.
No Brasil, a situação do abastecimento com a energia elétrica é grave por causa da falta de chuva. “Mesmo com chuvas adicionais, a geração de energia tem que se concentrar nas energias eólica e solar, porque o consumo da energia elétrica em decorrência do avanço da indústria e da população não pode ser mais suprido, mesmo com o crescimento da energia hidrelétrica”, acrescenta Molly.
As duas fontes renováveis de energia têm grandes vantagens, pois apresentam condições de instalação com mais rapidez em relação às hidrelétricas, além da economia de água.
Professor premiado apresentará efeitos em estruturas
O Professor John Holmes, da Austrália, recebeu o prêmio Davenport – Medalha de Prata (Award Senior) na última conferência, realizada em 2011, em Amsterdam, na Holanda.
Com foco nos efeitos do vento em estruturas, Holmes tem mais de 400 artigos e reportagens publicados. A terceira edição do seu livro “Carregamento devido ao Vento em Estruturas” (Wind Loading of Structures) foi lançado em fevereiro pela CRC Press, do Grupo Taylor & Francis.

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