Essa é a constatação do advogado e professor de direito Jacques Alfonsin, que há mais de 30 anos atua junto aos movimentos populares por moradia em Porto Alegre, através da ONG Acesso Cidadania e Direitos Humanos: “Burocracia é a causa principal do atraso”.
As vilas em áreas irregulares em Porto Alegre chegam a quase 500 e crescem a 10 por cento ao ano, aproximando-se já das 300 mil pessoas. Há cerca de 40 áreas ocupadas sob processo de reintegração de posse. (Os dados mais atuais disponibilizados pelo Demhab são de 2009).
“Qualquer demanda nesse campo dos direitos sociais passa por uma burocracia incompatível com as urgências sob as quais essas necessidades têm de ser atendidas, aqui residindo, talvez, a principal causa do permanente e histórico atraso com que isso acontece”.
Alfonsin fez estas considerações em resposta a um questionário com as mesmas perguntas que mandamos ao Demhab há dois meses, até hoje sem resposta.
Entre essas perguntas, uma apontava o programa Minha Casa Minha Vida, que em Salvador já construiu mais de 18 mil moradias e em Porto Alegre concluiu pouco mais de mil.
Diz Alfonsin: “Se, em Salvador, o programa Minha Casa Minha Vida foi melhor executado (do que em Porto Alegre), isso quase certamente se deveu a uma gestão administrativa baiana, exercida em defesa do direito de moradia da população pobre, mais ágil do que a do nosso Demhab”.
A seguir a integra do questionário e das respostas de Jacques Alfonsin.
MINHA CASA MINHA VIDA
As inscrições para o programa Minha Casa Minha Vida em Porto Alegre, encerraram em maio de 2009, com 54 mil famílias cadastradas.
1. O programa previa quantas unidades na capital?
2. Quantas foram contempladas até agora e onde estão localizados esses condomínios e qual o número de moradores em cada um deles?
3. Em 2010, 14 projetos, cuja construção já está contratada, estavam “em fase de licenciamento” pela Prefeitura. Quantos foram adiante, qual é a situação atual?
4. A assessoria de imprensa da Caixa Federal informa que o dinheiro está disponível, a questão são os licenciamentos nos órgãos municipais.
5. Em Salvador, a prefeitura informa que já foram entregues 18 mil unidades do Minha Casa Minha Vida. Por quê em Porto Alegre o programa está emperrado?
OCUPAÇÕES EM PORTO ALEGRE
6. Há em Porto Alegre mais de 20 ocupações, segundo a imprensa, com pedidos de reintegração em andamento. Quantas são exatamente? Onde estão localizadas?
7. Quantas pessoas estão nesses casos?
8. Quantas famílias estão sendo atendidas nos programas de reassentamento em andamento?
9. Os últimos números gerais disponíveis no site do Demhab são de 2009. Apontam 484 “ núcleos e vilas irregulares” onde vivem quase 289 mil pessoas. Desde então houve muitas remoções mas também novas ocupações. Quais são os números atuais, é possível obtê-los ano a ano?
10. Um caso especial, de grande repercussão foi a Vila Chocolatão. Há um relatório com os resultados da transferência das famílias para o Morro Santana? Qual a avaliação que se faz desse caso?.
R e s p o s t a s
1, 2. e 3. Não sei.
4 e 5. Licenciamentos públicos não são fáceis somente para a implantação de obras tendentes a executar o programa Minha Casa Minha Vida. O princípio da legalidade que preside toda a atividade da administração pública, pelo artigo 137 da Constituição Federal, insere qualquer demanda relacionada com a satisfação de necessidades humanas que são conteúdos de direitos fundamentais sociais como moradia, alimentação, saúde, educação, segurança, etc… (todos aqueles previstos no artigo 6º da mesma Constituição) passa por uma burocracia incompatível com as urgências sob as quais essas necessidades têm de ser atendidas, aqui residindo, talvez, a principal causa do permanente e histórico atraso com que isso acontece.
Quando qualquer necessidade vital como essas presentes no artigo 6º referido não é satisfeita, o dano para a/o necessitada/o é certo, refletido em toda a injustiça social estruturada pelo nosso sistema socioeconômico, político e jurídico. Esse, embora na letra da Constituição Federal deva respeitar a ordem social como fim de toda a atividade pública prefere se sujeitar, de fato, à ordem econômica que não deveria passar de meio.
Se, em Salvador, o programa Minha Casa Minha Vida foi melhor executado, isso quase certamente não se originou no respeito devido a essa espécie de hierarquia preferencial dessas ordens constitucionais, mas sim de uma gestão administrativa baiana, exercida em defesa do direito de moradia da população pobre, mais ágil do que a do nosso Demhab. A ocupação multitudinária do próprio prédio dessa autarquia, recentemente empreendida por quem necessita de casa, aqui em Porto Alegre, parece provar essa diferença.
6 e 7. Os números exatos não sei responder. A nossa pequena ONG, Acesso Cidadania e Direitos Humanos, não atende só ocupações que estejam sendo objeto de demandas judiciais. Dessas, ela presta os seus serviços atualmente, apenas, e de forma direta, para a ocupação Terra Nossa, adiante do Porto Seco, com um número aproximado de 150 famílias, e para a Morada das Pedras, na Lomba do Pinheiro, com cerca de 80 famílias.
De forma indireta, todavia, a Acesso está defendendo milhares de outras, residentes em 14 AEIS (áreas especiais de interesses social) estabelecidas em lei pela Câmara de Vereadores, mas submetidas ao Tribunal de Justiça do Estado por uma ação direta de inconstitucionalidade dessa lei pelo prefeito municipal. A Acesso trabalha também assessorando politicamente moradoras/es de áreas urbanas sujeitando terra sem titularidade alguma, de forma preventiva, particularmente quando já existe ameaça de remoção. Isso está acontecendo atualmente com mais de 1.000 famílias residentes numa área de 75 hectares, situada no Morro Santa Teresa, pertencente à Fase e que, durante a gestão da governadora Yeda Crusius, chegou a ser objeto de um projeto de lei tendente a ser alienada.
8 e 9. Também sinto não saber.
10. A Acesso atuou em defesa das famílias da Vila Chocolatão ao tempo em que essas ainda residiam no local que acabou servindo de motivo para a sua denominação, por ser vizinho do edifício da Receita Federal de cor chocolate. Nossa argumentação baseava-se no fato de que a remoção iria privar todo aquele povo da sua principal fonte de renda, o lixo das redondezas onde ela se situava, e o Estatuto da Cidade exigir que, em casos tais, a audiência das famílias afetadas é imposta por lei. Isso tudo foi contestado pelo Município de Porto Alegre, com a promessa de que no local de destino, além de casas muito melhores, haveria galpão de reciclagem para garantir a renda das/os catadoras/es removidas/os.
Choveram elogios, inclusive de entidades conhecidas internacionalmente, para uma iniciativa que se apresentava como respeitadora da dignidade humana e dos direitos das/os pobres. Visitamos o local em fins do ano passado. Já não se encontra lá muitas das famílias removidas e o tal galpão não chega a ser explorado por mais de 30 catadoras/es.
Ainda falta muito, talvez não só no Brasil, mas em todo o mundo, para se conquistar metas de atuação como as discutidas pela Conferência da ONU Habitat III, reunida em Istambul em 1996, reivindicando a eliminação de remoções forçadas e, quando essas terem de ser feitas por não haver outra saída, que o destino das famílias seja efetivamente negociado e garantido sem violência.
Jacques Alfonsin é procurador do Estado do Rio Grande do Sul (Aposentado). Mestre em Direito pela Unisinos. Professor de Direito Civil da Unisinos. Advogado e assessor jurídico de movimentos populares como o MST e ONGs ligadas aos direitos humanos: catadores e sem-teto, que defendem alimentação, moradia e ambiente saudável para o povo pobre. É coordenador da ONG “Acesso – Cidadania e Direitos Humanos”, em Porto Alegre e integrante da RENAP. Publicou vários estudos sobre função social da propriedade e da posse, reforma agrária e solo urbano, assessoria jurídica popular e direitos humanos. Autor dos livros: “Das Legalidades Injustas às (I)Legalidades Justas: Estudos Sobre Direitos Humanos, Sua Defesa por Assessoria Jurídica Popular em Favor de Vítimas do Descumprimento da Função Social da Propriedade” pela editora Armazém Digital; “O Acesso à Terra como Conteúdo de Direitos Humanos Fundamentais à Alimentação e à Moradia” (Sergio Fabris, 2003).
Moradia em Porto Alegre: “Burocracia é a causa principal do atraso”
Escrito por
em
Adquira nossas publicações
texto asjjsa akskalsa
Comentários
2 respostas para “Moradia em Porto Alegre: “Burocracia é a causa principal do atraso””
-
Esta foto não é de Porto Alegre, certo?
Até agora não consegui localizar o ponto de onde tiraram esta foto.
Com aquela mallha ferroviária e quantidade de edifícios e favelas!..-
Buenos Aires.
-

Deixe um comentário