Aquecimento global, desmatamento da Amazônia, aprovação da hidrelétrica de Barra Grande, fim do Pró-Guaíba, parques estaduais em mau estado de conservação, ocupação desordenada dos morros de Porto Alegre, legislação ambiental tratada como empecilho ao progresso.
Por esses e outros motivos, cerca de 200 pessoas entre ambientalistas, estudantes universitários, artistas e simpatizantes à defesa da natureza se reuniram na manhã do sábado, 4 de junho, véspera do Dia do Meio Ambiente. “Nada a comemorar” foi o tema da passeata, que saiu do Monumento ao Expedicionário, na Redenção, percorreu o Caminho dos Parques e chegou até o Parcão.
Pode-se dizer que foi um momento marcante para o movimento ecologista gaúcho, pois trouxe de volta a manifestação de rua, coisa que não acontecia desde o final da década de 80, pelo menos nessas proporções.
Outro destaque. A apresentação de uma militância renovada – 90% dos integrantes da marcha eram jovens. Com tambores, apitos, intervenções teatrais, palavras de ordem e cartazes, o grupo parecia um bloco da marcha de abertura do Fórum Social Mundial.
E era saudado pela população nas ruas do Bom Fim, Rio Branco e Moinhos de Vento. Alguns poucos motoristas chiaram pela breve interrupção no trânsito das avenidas José Bonifácio e Osvaldo Aranha, mas não houve incidentes.
O evento foi organizado pelo Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGa), coordenado pelo biólogo Rodrigo Cambará Printes, 33. Ele é remanescente da fase áurea do movimento ambientalista, quando as ONGs estavam sempre nos jornais com protestos e propostas.
“Já estava na hora de resgatar isso. Os ecologistas não podem restringir o trabalho à participação nos conselhos de meio ambiente que não decidem nada!”, radicalizou. Depois emendou. “Claro, tem que estar presente, até porque a legislação é feita nesses fóruns”.
Organizações ecológicas tradicionais, como Agapan e Núcleo Amigos da Terra apoiaram a iniciativa. Militantes mais experientes ficaram satisfeitos. Caso de Arno Kayser, 44. “A última grande manifestação que eu me lembro foi o abraço ao Guaíba, no final da década de 80. É ótimo que estes bons tempos estejam de volta. Fico feliz porque vi filhos de colegas ambientalistas que conheci crianças e agora estão aqui”, comemorou.
A presidente da Agapan, Edi Fonseca, concordou que há muito tempo não acontecia uma ação como esta. “Essa renovação do movimento é muito positiva. E o protesto demonstra, ao mesmo tempo, que muita coisa vai mal na questão do meio ambiente”, apontou.
A jornalista Lillian Dreyer, autora da biografia de José Lutzenberger, caminhava e usava seu apito. Considera que demorou tempo demais para esta retomada de manifestação. O engenheiro José Vilhena, 50, ex-militante do PV, também se encantou com o protesto. “É um movimento ético, que busca a melhoria da sociedade, carente de uma política ambiental”.
“O esgoto venceu, Pró-Guaíba morreu”
Lara Ely
O descaso com o Lago Guaíba foi tema do queixume generalizado na marcha do movimento ambientalista. A estudante de Biologia da UFRGS, Luisa Lokchain, 23, levava o primeiro cartaz, que dizia “Nada a Comemorar”. — Mas o que quer dizer isso?
“É uma lamentação a todo o contexto ambiental. Em Porto Alegre, além da ocupação dos morros, destaco a poluição do Guaíba como problema principal”, explica. Cartazes tratavam do assunto. No burburinho constante, reclamações sobre o fim do Pró-Guaíba. Até que, no meio da avenida José Bonifácio, o grito explodiu e logo ganhou força: “O esgoto venceu! / Pró-Guaíba morreu!”, cantavam os participantes.
Mais faixas de protesto: “Abaixo pinus e eucaliptus”; “Hidrelétricas com processos fraudulentos”. Mais palavras de ordem: “Fraude! / Crime! / Descaso Social! / Não vamos deixar afogar o pinheiral!”. Outros cartazes: “Ocupação imoral dos morros em Porto Alegre”. Mais grita: “No Brasil! / Corrupção! / A natureza em extinção!”.
Servidores da Sema reforçam protesto
Depois do protesto na posse de Mauro Sparta, executivo da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), no final de 2004, os funcionários do órgão voltaram a se manifestar. Desta vez, os técnicos-científicos estão respaldados por trabalhadores da Fepam e da Fundação ZooBotânica, que também assinam o manifesto “Atual gestão ambiental faz mal à saúde do meio ambiente”. Panfletos foram distribuídos para chamar sobre a falta de importância dada aos órgãos ambientais, transformados em “escada política” (JÁ Porto Alegre, junho 2005). O grupo também denuncia o sucateamento da infra-estrutura, salários atrasados, falta de continuidade e de transparência dos órgãos ambientais.
“A Sema está reduzida ao papel de viabilizar o crescimento econômico. A realização de um concurso público é urgente. A falta de pessoal concursado foi preenchida com indicações políticas – cargos de confiança, estagiários ou pessoal terceirizado”, diz o texto. O projeto de desenvolvimento do Governo Rigotto também foi atacado, o que inclui a questão dos transgênicos e os plantios florestais previstos para a Metade Sul. A universitária Anna Milanes explicava, durante o protesto, como as plantações de pinus vão acabar com a biodiversidade local.
Sobrou até para Lula, atacado quando o assunto era Amazônia e energia nuclear. “Quem destrói nosso futuro por aqui / Governo Lula avançando e o FMI”, puxava Olinto Ramos Filho, um dos integrantes mais experientes da marcha.
Artistas fizeram performances ao longo da passeata
Ao som de flauta e tambores, rodeado de pessoas vestidas em verde e preto, envolto em faixas de protesto. Assim morreu Ulisses, personagem simbólico criado pelos ambientalistas, que foi enterrado no Parcão. Ele é o protótipo do cidadão moderno que vive na Capital e sofre as conseqüências dos danos causados ao meio ambiente. Morava no Centro, fumava cigarro, comia alimentos transgênicos e com agrotóxicos, tomava café em copo de plástico, respirava a fumaça da Borregard e morreu cansado de esperar uma política pública eficiente para o meio ambiente. Essas foram as razões dadas pelo público para a morte de Ulisses.
Julinho também participou
Outra novidade na passeata. O movimento ecológico do tradicional Colégio Júlio de Castilhos, criado na década de 70, foi reaberto em 2005 por alunos do 3º ano do Ensino Médio. Depois de anos inativo, o grupo Kaa-Eté voltou com força – já reúne dezenas de estudantes engajados.
Dois deles carregaram uma das faixas na Passeata “Nada a Comemorar”, na véspera do Dia do Meio Ambiente. Leandro Silva, 20, e Carolina Bulhões, 16, protestaram contra o descaso com a natureza.
Zé da Terreira animou a passeata
Logo no início da marcha, o artista Zé da Terreira, 59, empunhou o microfone no meio da avenida José Bonifácio e literalmente parou o trânsito. “Abaixo os automóveis! Abaixo os atumóveis que poluem a cidade. A cidade tem que ser planejada também para o pedestre!”, dizia. E justificou: “Temos que mudar nossa rota para que eles passem diariamente. Hoje eles que esperem nossa passagem”, sugeriu, em meio a aplausos entusiasmados.
José Carlos Peixoto – vulgo Zé – animou a passeata. Lia o que diziam os cartazes e fazia pregações, no seu discurso antropoecológico, isto é, humanista e em defesa da natureza. “Estou puto com a cidade cheia de grades, com os rotweilers nas ruas, com o Guaíba poluído”, desabafa. “Tenho que viajar para tomar banho em uma lagoa. Enquanto isso, nosso lago está aí, entregue ao esgoto”, protestou.