MPC confirma irregularidades no contrato do Cais Mauá

Naira Hofmeister
Um parecer do Ministério Público de Contas (MPC) sobre a revitalização no Cais Mauá, emitido na semana passada, derruba a tese de que não há irregularidades no cumprimento do contrato de concessão da área à iniciativa privada.
Segundo o procurador do MPC, Geraldo da Costa Da Camino “não há comprovação de que tenham sido aportados ou garantidos recursos suficientes para a execução das obras, o que resulta na conclusão do descumprimento de cláusula contratual”.
Foi a primeira manifestação de um órgão de controle reiterando que o consórcio Cais Mauá do Brasil S.A não cumpre o determinado pelo contrato, depois que um grupo de trabalho (GT) integrado pelo Governo do Estado e Prefeitura Municipal concluiu, em março deste ano, que o consórcio estava em dia com suas obrigações.
O relatório do GT – que levou mais de um ano para ser elaborado – era uma resposta a uma inspeção especial promovida pelo Tribunal de Contas do Estado a pedido do MPC, que concluíra que havia sim motivos para pedir o rompimento de contrato.
A intenção era colocar fim aos questionamentos, que abriam caminho para uma eventual rescisão do contrato. O MPC, entretanto, não acatou as conclusões do trabalho.
“Em que pese o referido grupo estar contribuindo para dirimir os principais entraves relativos ao contrato de arrendamento, verifica-se que decorridos mais de cinco anos da assinatura do contrato, permanecem sem resolução questões com significativo potencial para comprometer a viabilidade do empreendimento”, alerta Da Camino em seu parecer.
O procurador salienta ainda que o recente pedido de tombamento do armazém A7, protocolado na Câmara Municipal pela vereadora Sofia Cavedon (PT), pode interferir no planejamento financeiro do negócio. Segundo um estudo da Faculdade de Administração da PUC-RS, encomendado pelo consórcio, o shopping que seria construído sobre o terreno do A7 – e que iria até a lateral da Usina do Gasômetro – seria responsável pela metade das receitas do complexo, quase R$ 500 milhões ao ano, de um total de quase R$ 1 bilhão.
Cláusula visa garantir a execução da obra
Com seu parecer, o MPC voltou a polemizar a cláusula 13º do contrato de arrendamento, que trata da exigência de assinatura de um contrato de financiamento entre o consórcio e uma instituição financeira para garantir as obras no Cais Mauá. O patrimônio líquido desse agente financiador deveria somar, pelo menos, R$ 400 milhões.
Levantada por moradores da cidade organizados em coletivos – que defendem um modelo alternativo para a exploração do espaço, sem shopping, estacionamentos e espigões – e encampada por parlamentares que pedem ao Estado o rompimento contratual por irregularidades, a ideia foi rechaçada pelos representantes das administrações municipal e estadual no GT.
A interpretação dos governos era de que a cláusula tem uma redação dúbia, que pode ser interpretada não como uma obrigação, mas como algo facultativo. “Este dispositivo se mostra inócuo, vez que sua redação remete à liberalidade da arrendatária (em acordar ou não um financiamento para a obra)”, expressa o relatório do GT.
Em seu recente parecer, entretanto, Da Camino rebate essa afirmação, salientando que independente da forma como foi escrita, o que importa é a intenção da norma, que é garantir a efetiva realização das reformas prometidas.
“Nesses casos, as cláusulas devem ser interpretadas como um todo e não individualmente, colocando-as em harmonia. Isso nos remete à ideia de que a intenção do Estado do Rio Grande do Sul, quando decidido pela revitalização do Cais Mauá, considerando a complexidade da obra e sua importância econômica e social, era a de assegurar que a licitante vencedora apresentasse as garantias financeiras imprescindíveis à concretização do projeto”, sublinha Da Camino, mencionando um parecer anterior dos auditores do TCE.
Nova mudança acionária pode ser pulo do gato
O procurador solicitou ao TCE uma medida cautelar que impeça a execução de qualquer obra no terreno enquanto a dúvida sobre as garantias financeiras à obra não for dirimida. A iniciativa ainda precisa ser validada pelo conselheiro Alexandre Postal, que era líder do governo Sartori na Assembleia Legislativa até julho, quando foi nomeado para o cargo no órgão de controle.
Caso seja aceita pelo agora conselheiro do TCE, a cautelar não modifica de imediato o atual cenário envolvendo o Cais Mauá porque a prefeitura ainda não emitiu as licenças necessárias para dar início a revitalização – sem a qual, não é possível fazer qualquer intervenção no terreno.
Porém, coloca mais um entrave à concretização da obra. Às vésperas da aprovação do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), o último passo antes da emissão das licenças, a Cais Mauá do Brasil S.A já tem protocolado pedido de informação sobre como proceder para registrar uma nova mudança acionária na composição do consórcio.
A venda do controle acionário do consórcio pode ter sido a saída encontrada pelo consórcio para levar adiante a revitalização, uma vez que o grupo atual está sem recursos, como revelou em primeira mão o Jornal JÁ em maio: o consórcio acumula dívidas não pagas a prestadores de serviços terceirizados que cobram o calote na Justiça.
Na ocasião o Cais Mauá do Brasil S.A suspendeu inclusive os contratos com empresas de vigilância que guardavam a área, que é pública e tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional. Em nota, a empresa admitiu as dificuldades financeiras: “A Cais Mauá do Brasil (CMB) atravessa um momento de aperto de liquidez e restrição orçamentária”.
A situação preocupa o procurador do MPC: “Dentro do contexto geral traçado, que evidencia a inércia na execução do projeto, suscita-se a insuficiência financeira como uma de suas possíveis causas determinantes, o que eleva o apontamento em nível de criticidade e relevância”.
Procurador também questiona validade dos índices construtivos
Geraldo Da Camino também toca em outro ponto polêmico, fruto de outro embate entre os movimentos contrários ao modelo de revitalização proposto e a administração pública: os índices construtivos que permitem que o consórcio construa torres de até 100 metros de altura na área das docas (que ficam entre o edifício da Federasul e a Rodoviária) e um shopping center de até 32 metros de altura ao lado do Gasômetro – o equivalente a aproximadamente 33 e 11 andares, respectivamente.
A autorização para que a iniciativa privada densificasse a área e erguesse novas edificações foi aprovada na Câmara Municipal em 2010, mas estava condicionada à ratificação, pelo mesmo legislativo, no primeiro trimestre de 2013, o que não ocorreu.
O Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais da Prefeitura de Porto Alegre garante que há um parecer jurídico que mantém os índices válidos apesar do não cumprimento dos prazos, embora esse documento nunca tenha sido foi trazido à público.
“Esclarecer o regime urbanístico aplicável à área é aspecto fundamental para determinar a viabilidade do empreendimento”, conclui o procurador.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *