Polícia rastreia chamadas telefônicas em busca de pista sobre crianças esquartejadas

ELMAR BONES
Na manhã desta quinta, 1 de março, o delegado Rogério Baggio autorizou mais uma diligência em escolas da região do Vale dos Sinos, para averiguar denúncia anônima sobre crianças desaparecidas.
É a centésima denúncia desse tipo que ele manda investigar nos últimos seis meses.
“Até agora deu em nada, mas não posso descartar qualquer pista”, diz o delegado de 39 anos. Há dez anos como delegado, Baggio está diante não só do maior desafio de sua carreira, mas de um dos casos mais intrigantes da história policial do Estado.

Policiais encontraram os corpos esquartejados no meio do lixo à beira da estrada / Divulgação PC / JÁ

É um crime hediondo que parece perfeito: duas crianças esquartejadas, sem cabeça, dentro de caixas de papelão, no meio do lixo à beira de uma estrada deserta. Nem imagens de câmeras, nem testemunhas, nem registro de crianças desaparecidas, nem impressões digitais, nem as cabeças, apesar das buscas e escavações.
Há seis meses a polícia tateia em busca de pistas que possam levar ao assassino ou assassinos.
Os testemunhos que apareceram levaram as investigações a uma farsa: as crianças teriam sido sacrificadas num Ritual Satânico.
Sete pessoas tiveram a prisão decretada, quatro foram parar no presídio, inclusive o “bruxo” que teria feito o ritual. Era uma armação até agora não esclarecida.
O delegado Baggio está no caso desde o início. Trabalhou com a hipótese de tráfico de órgãos (descartada porque a caixa toráxica dos dois corpos estava íntegra), guerra entre facções do tráfico, ritual de sacrifício, vingança, nem caso passional foi descartado.
O delegado reconhece que até 10 de dezembro, quando saiu de férias, nenhum desses caminhos havia levado a nada.
Quando ele retornou, no dia 10 de janeiro a versão do ritual satânico estava consagrada, com grande estardalhaço na imprensa.
O delegado Moacir Fermino, que o substituiu, botou fé em duas testemunhas que se apresentaram, direcionou as investigações para a hipótese de ritual satânico e chegou a construir uma história completa que aparentemente fazia sentido.
“Os testemunhos eram muito detalhados e as diligências policiais encontraram comprovação do que eles diziam em muitos pontos. Tudo fechava, tinha muitos elementos verdadeiros”.
A primeira testemunha, um pedreiro que trabalhou numa obra num sítio onde havia um templo em que se realizavam rituais. Um dia esqueceu a carteira e o casaco no local e quando voltou à noitinha para buscar viu uma cena que lhe pareceu um ritual: sete pessoas em círculo, duas crianças no centro, que pareciam sedadas.
Os policiais foram ao local indicado, chamado Morungava, e se espantaram com o que encontraram. “Era macabro”, diz o delegado Baggio.
O portão com o pentagrama / Divulgação/JÁ

Começava no portão preto de metal, ornado por um pentagrama, antigo simbolo associado à magia em diversas culturas.
A casa de alvenaria, por fora era comum, a não ser pela pintura cor de laranja. Na sala, porém, descortinava-se um altar sobre o qual dominava uma estátua de Lúcifer e por todo lado símbolos de magia negra, inclusive uma bacia com crânios (que depois se veria, eram de silicone) mergulhados num líquido vermelho (não era sangue, como os jornais chegaram a relatar).
O dono do lugar era Silvio Rodrigues, que tem na internet um site “Templo Iniciático de Lúcifer” e se apresenta como bruxo e mestre em rituais de alta magia negra: pactos para riqueza, abertura de caminhos, amarração amorosa entre outros.
Para complicar, no celular de Rodrigues a polícia encontrou uma postagem da notícia sobre o achado dos corpos no dia 4 de setembro. Quem compartilhou a notícia foi Jair da Silva, um dos suspeitos de terem encomendado o ritual. Fechava.
Delegado Fermino foi afastado do caso / Divulgação / JÁ

Nas mãos do delegado Moacir Fermino o caso adquiriu dimensões mediúnicas. Policial experiente, com 44 anos de investigações, Fermino é considerado pelos colegas um “evangélico fervoroso” que se deixou levar por preconceitos religiosos.
Na versão que se montou, Silva e um sócio, Paulo Ademir Norbert, ambos qualificados como “empresários” nas noticias dos jornais, teriam pago 25 mil reais a Rodrigues para um ritual, buscando prosperidade nos negócios.
O bruxo teria exigido sacrifício humano, duas crianças do mesmo sangue. Sete dias de preparação, sete participantes, tudo foi adquirindo um tom cabalístico.
A segunda testemunha que se apresentou, “um trabalhador que passava”, disse ter visto as caixas onde foram encontrados os corpos sendo descarregados de uma caminhonete vermelha.
Nada menos que uma caminhonete vermelha foi encontrada com um dos suspeitos.
Esse depoimento pareceu ainda mais convincente quando a polícia levou a testemunha à estrada onde foram encontrados os corpos e ele apontou o local exato onde viu a caminhoneta e o descarte das caixas: “É uma estrada extensa, tomada de lixo nas margens, um matagal, e ele foi no ponto certo”.
Ao reassumir o caso, o delegado Baggio percebeu que faltava um elo consistente que ligasse os seis suspeitos ao bruxo Rodrigues. Mandou refazer investigações e não encontrou elementos convincentes. Nesse momento se apresenta uma terceira testemunha.
O delegado desconfia e passa, então, a investigar as testemunhas. Um dossiê de cada testemunha deu base a um novo interrogatório e aí apareceram contradições que desmontaram a farsa.
Uma das testemunhas disse que lembrava a data, 4 de setembro, em que viu as caixas com os corpos serem descartadas, porque era aniversário de seu filho que morava em outra cidade e viera comemorar com ele.
A polícia checou as informações, ele realmente tinha um filho que mora em outra cidade e faz aniversário dia 4 de setembro. Mas há dois anos ele não via o filho.
A testemunha disse também que viu as caixas com os corpos sendo largadas na estrada quando passava a caminho do trabalho. Na checagem a polícia descobriu que na época ele trabalhava no outro lado da cidade.
Essa terceira testemunha contou uma história tão detalhada que o delegado achou que estava mentindo. Quando foi checar descobriu que essa “testemunha-chave” era filho do homem que as outras duas testemunhas já haviam apontado como o mentor da farsa. Ele teria prometido dinheiro e benefícios do Programa de Proteção à Testemunha e forjado a história toda.
Este homem está preso e sua identidade não é revelada. O inquérito que corre na Corregedoria da Polícia tem até o dia 16 para esclarecer o que aconteceu nesse episódio do Ritual Satânico.
Enquanto isso o caso das crianças esquartejadas continua um mistério.
A delegacia de homicídios de Novo Hamburgo destacou desde o início dois de seus 12 investigadores para cuidar exclusivamente desse caso.
Um dos investigadores nesse momento está dedicado a rastrear os telefonemas registrados na região nos três dias anteriores ao crime.
Com autorização da Justiça, a polícia está checando todas as chamadas telefônicas registradas em três estações de rádio-base de Novo Hamburgo, nos dias anteriores ao crime. Só uma delas registra 20 mil ligações nesses três dias.
“É um trabalho de formiguinha”, diz o delegado.

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