Relho e Palmatória

O idioma nacional, que herdamos de Portugal compulsoriamente, sem direito de escolha, é um milagre de sobrevivência em razão dos assassinatos diários de que é vítima. E a origem dos assassinos não está apenas nas camadas populares, que mal tiveram tempo para adentrar as salas de aula. Muita gente boa, que freqüentou a universidade e ostenta o diploma no lugar mais visível do escritório, deve ser processada e julgada por assassinar diariamente o idioma nacional. Incluem-se no grupo de celerados até mesmo jornalistas de razoável prestígio, que escrevem mal, numa incompatibilidade visceral com a grafia e a gramática. Nem perco meu tempo referindo um grande número de políticos, eleitos com expressiva votação, que jamais se arriscaram na travessia das páginas de um livro, com medo de cair de quatro e não levantar mais. A verdade é que o idioma pátrio vive numa situação da mais absoluta orfandade, sem que se note qualquer mobilização da sociedade para defendê-lo. A anarquia tomou conta do pedaço. Só para que os amigos tenham uma idéia. Há poucos dias, faixa colocada na frente de uma loja na Azenha anunciava uma “enchurrada de bons preços”, assim mesmo como o amigo está lendo. E, ao que consta, ninguém foi preso. Nem o celerado que pintou a faixa, nem o proprietário da loja que consentiu na exposição daquela barbaridade. Uma enxurrada de injúrias é o que esses caras merecem. Explico porque o assunto está me cutucando com vara curta. É que a Associação dos Magistrados Brasileiros acaba de organizar um comitê, objetivando desencadear uma cruzada simplificadora da linguagem usada no cotidiano por juízes, promotores e advogados. Nada contra. A linguagem rebuscada e o latinório que alguns profissionais da área do direito usam no trato com pessoas simples resulta da mais antipática ostentação erudita, com a finalidade de humilhar nossos semelhantes iletrados. Mas eu gostaria de ver em ação grupos que se dispusessem a defender o idioma nacional da sanha dos seus agressores. E que esses grupos não ficassem confinados aos salões das academias e universidades. Que saíssem às ruas, com relhos e palmatórias, para castigar severamente a enxurrada de inimigos declarados do idioma nacional que, na fala cotidiana ou na escrita, praticam horrores pérfidos, com o objetivo consciente ou inconsciente de fazer com que o finado Camões se revolva na tumba. Só não me candidato para integrar ao menos um desses grupos porque minhas mãos não têm experiência no uso do relho e da palmatória.

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