Camila Benvegnú
Terça-feira, 31 de março de 2015. A festa na rua tem entrada livre, música, quitutes veganos e bebidas artesanais. Centenas de convivas circulam ao redor da Ponte de Pedra, um dos mais antigos monumentos de Porto Alegre, para celebrar outro símbolo – este mais recente – da Capital: o Tutti voltou!
Mas que ninguém se engane: quem está de volta é o movimento de ocupação do espaço público, e não o bar que alimentou seus criadores com cerveja barata e ideias malucas por anos.
Tanto que o encontro, convocado pelo facebook por duas intercambistas francesas que estão na cidade há pouco mais de meio ano não levava sobrenome – o Giorni, no original do botequim. Na verdade Justine Serol e Suzette Obsolète chamaram virtualmente o evento de A volta do Tutty’s – como ficou carinhosamente conhecido por esta geração de frequentadores.
“Ficamos com saudade; Porto Alegre também!”, justifica Justine.
O bar
O Tutti Giorni era um bar tradicional nos altos da escadaria da Borges de Medeiros. Tinha o pé direito baixo e as paredes forradas de desenhos oferecidos pelos frequentadores mais irreverentes da casa: os cartunistas da Grafar.
Por motivos burocráticos o estabelecimento fechou em 2012. Reabriu meses depois, na alça direita do Largo dos Açorianos, a que dá acesso aos carros que vem da Borges de Medeiros (sentido bairro-centro) para a Loureiro da Silva.
Desde então, foi catapultado a reduto de uma juventude que deseja uma cidade mais livre, aberta e barata.
Curioso é que na primeira “festa independente” realizada pelos frequentadores sem o seu bar, o lado do Largo escolhido não foi aquele tradicionalmente ocupado pelos clientes do Tutti, mas sim o oposto, ao redor da Ponte de Pedra.
O movimento
No novo endereço, o público cresceu e tornou-se mais heterogêneo.
Aceitava-se qualquer pessoa: rico e pobre, ciclista, pedestre, usuário de transporte coletivo – até de carro chegavam alguns, eventualmente. A orientação sexual era o que menos importava.
Era tanta gente que não cabia mais nas mesas. A turma tomou a calçada e depois a praça que fica do outro lado da rua.
“Faltam espaços com um propósito, que reúnam esse pessoal da paz”, acredita o antigo proprietário, Ernani Glorio Marchioretto, o Nani, 51 anos de idade.
Ali, os bolinhos de batata recheados com carne do Tutti Giorni e o litrão de Skol eram consumidos em meio a pasteis veganos caseiros e cachaça artesanal que os próprios frequentadores traziam para vender.
Também chegavam ambulantes com churrasquinho de gato, isopor com refri-cerveja-e-água e o perfume de erva queimada rolava solto.
O fim
A Lei Kiss apertou o cerco da prevenção e proteção contra incêndios depois da tragédia na boate santamariense. A fiscalização de bares se intensificou.
No final de outubro de 2014, o Tutti novamente fechou as portas. Estava irregular, com alvará vencido e sem plano contra incêndios. O excesso de barulho gerou reclamações da vizinhança, o que também agravou a situação.
“Nós fechávamos determinada hora, mas o pessoal ficava até de manhã”, justifica o proprietário.
Recomeço?
Agora o empresário está à procura de um espaço para reabrir o seu Tutti – o Giorni. Mas o preço dos aluguéis o impede de reabrir as portas por enquanto.
Já o movimento Tutty’s mostra que tem consistência e promete seguir ocupando ruas e espaços públicos – o que, segundo seus integrantes, reduz a criminalidade.
Mas para o antigo frequentador Fabrício Paris, 35 anos, uma coisa não existe sem a outra. “É legal o pessoal querer o espaço de volta. O bar dava segurança para o evento acontecer na rua”, acredita.
Enquanto o frequentadores seguem se reunindo com independência, Nani faz um apelo: “que o pessoal se conscientize e respeite os moradores quanto ao barulho”.
Na noite do retorno dos encontros na rua, não houve problemas. A chuva chegou antes da madrugada e garantiu o sono dos vizinhos.
Bem vinda Camila às páginas do JA
Obrigada! (: