ELMAR BONES / Rosvita Saueressig, anotações para um perfil

Em 1967, quando entrei como estagiário na Folha da Tarde, o “vespertino da cidade”, tinha uma única mulher na redação: Laila Pinheiro, se não me engano.

Sessenta homens ou mais, entre repórteres, editores, fotógrafos, estagiários, contínuos. Uma mulher.

No vetusto Correio do Povo, que tinha uma redação maior, também trabalhava uma única mulher cujo nome lembrarei daqui a pouco…Ligia, creio.

Quando fui para a Veja em São Paulo, dois anos depois, vi que não era muito diferente. Numa equipe de mais de cem, formada para “revolucionar o jornalismo brasileiro” não chegava a meia dúzia o número de mulheres. Dorrit Harazim, ainda em atividade, era uma delas.

Me acorrem estas memórias no momento em que fico sabendo da morte da jornalista Rosvita Saueressig, a Fita. Ela foi uma das líderes dessa geração de mulheres que invadiu e revitalizou as principais redações brasileiras, num momento em que o jornalismo pátrio estava no chão.

Conheci-a em 1972, quando o José Antônio Severo me levou para a Folha da Manhã em Porto Alegre. As mulheres já estavam se impondo na Universidade e isso se refletiu no chamamento que fizemos nas faculdades para renovar a redação. Metade dos candidatos eram mulheres, Rosvita era uma delas e logo se destacou como repórter e editora e, também, como líder do grupo das seis “meninas” contratadas, metade do corpo de novos repórteres. Ruy Carlos Ostermann confiou a ela a editoria de “Esporte Amador”, recém-criada, para resgatar uma tradição de Porto Alegre, de diversidade esportiva, sufocada pelo futebol.

Em pouco tempo era uma liderança na redação inteira, acatada inclusive pelos veteranos mais renitentes. Era “pé de boi” no trabalho mas fazia tudo com leveza, sempre sorridente, otimista e sempre disposta a ajudar. Maternal, não sonegava seus sábios conselhos.

Era o tempo da ditadura, acenava-se com abertura, os militares indicariam mais um general para a Presidência da  República. Os jornais especulavam, vários nomes eram cogitados, grande a expectativa, escassas informações. Às nove horas da manhã chegou à redação um informe colhido (sim, tinha um repórter que passava lá) no QG do então III Exército: o novo presidente seria o  Ernesto Geisel, ninguém sabia quem era. Era gaúcho, de Estrela, só o que se sabia. Rosvita saiu da reunião de pauta, ligou para parentes em Novo Hamburgo e descobriu que a família Geisel eram numerosa em Estrela, cidade de colonização alemã, a cento e poucos quilômetros de Porto Alegre. Ao meio dia estava na casa dos parentes, que já tinham confirmação. Dona Lucy, a mulher do general, tinha telefonado, a família estava em alvoroço. No dia seguinte, quando todos os jornais ainda especulavam, a manchete da Folha da Manhã era a seguinte: “Geisel é o homem” e quatro páginas com o material recolhido na família.

Quando houve a “debandada da Folha da Manhã”, Rosvita foi  para a Coojornal, a cooperativa, ainda incipiente, desorganizada. Assumiu as tarefas essenciais e contraditórias de agregar e disciplinar um grupo de jornalistas jovens e voluntariosos. Criar rotinas, cumprir prazos e estabelecer metas, numa empresa que era de todos. “Sargento Saueressig!”, brincavam os irreverentes, batendo continência. Ela ria, mas não cedia. Em pouco tempo a Coojornal produzia mais de 30 publicações para terceiros e um jornal próprio que tinha leitores no país inteiro.  Ela era uma figura central na cooperativa, coordenando meia centena de jornalistas, e se fosse preciso ia ela mesma ao aeroporto encontrar um certo passageiro que traria os originais de uma reportagem especial, enviada de São Paulo.

Quando a repressão se abateu sobre a Coojornal e fomos presos, o caso dela era o mais absurdo: Osmar Trindade e eu assinávamos o texto que resultou na condenação pela Lei de Segurança Nacional. O Rafael Guimarães participara de toda a operação para a entrega dos documentos militares.  Mas a Rosvita… ela, na sua diligência, simplesmente pegara os papéis e levara a uma gráfica para fazer cópias.

Ela não invocou nada disso, assumiu solidária toda a bronca. Na prisão, só fui vê-la no dia em que íamos sair. Ela estava sorridente, com um vaso de flor na mão.

Depois disso acompanhei de longe sua carreira, principalmente na Gazeta Mercantil e no Valor Econômico, sempre com a mesma performance. Não por acaso, ela foi uma das primeiras pessoas que o Celso Pinto convidou, quando foi montar a equipe para fazer o Valor.

As mulheres conquistaram as redações e todas as atividades atinentes ao jornalismo, grande avanço. Mas a profissão está mais uma vez no chão, esgoelada por um modelo superado. Terá que se reconstruir a partir da base e, nessa busca, referências inspiradoras como Rosvita serão fundamentais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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