Zeca Baleiro toca sua música de muitos ritmos em Porto Alegre

Zeca Baleiro volta a Porto Alegre depois de 13 anos | Foto: divulgação do show

Eduardo Maretti

Compositor já consagrado como uma das principais vozes da MPB pós-geração dos anos 1960, o maranhense Zeca Baleiro se apresenta em Porto Alegre nesta sexta-feira (28), no Auditório Araújo Vianna, na companhia do músico Adriano Magoo. O show é intitulado Piano.

Apesar de sua figura, que, mesmo depois de quase 30 anos de carreira, remete a um guri irreverente com o quase indefectível boné, Baleiro fará 60 anos em 2026. Nasceu exatamente em 1966, ano em que A Banda, de Chico Buarque, ganhou o Festival de Música Popular Brasileira, dividindo o prêmio com Disparada, de Geraldo Vandré, com Jair Rodrigues.

Ganhador do Grammy Latino 2021 na categoria “melhor álbum de Música Popular Brasileira”, por Canções d’Além Mar, Zeca Baleiro tem uma obra multifacetada. Compositor, poeta e (no bom sentido) cínico provocador, sua música combina gêneros e estéticas de tal maneira que o resultado soa como se o rock, o samba, o pop, a música regional maranhense, o forró, o ponto da Umbanda etc. tivessem o destino de se unir em um novo gênero musical sedutor, dançante e poético.

Em seus shows, Baleiro encanta plateias com canções já históricas, como a belíssima Babylon, que expressa um hedonismo melancólico, com seus acordes que lembram música cigana. Não será por acaso que a composição remete à Pasárgada de Manuel Bandeira, mas já sob a veste espiritual do pós-modernismo:

“Baby
I’m so alone
Vamos pra Babylon
Vamos pra Babylon

Viver a pão de ló e möet chandon
Vamos pra Babylon
Baby, baby Babylon, baby
(…)
Não tenho dinheiro pra pagar a minha yoga
Não tenho dinheiro pra bancar a minha droga
Eu não tenho renda pra descolar a merenda
Cansei de ser duro vou botar minh’alma à venda”

Na Quitanda é inspirada ou evoca a cantora da África do Sul Miriam Makeba (1932-2008), amplificando a influência africana no contexto da enorme variedade cultural da megalópole de São Paulo, onde mora Baleiro – cujo apelido se refere a seu hábito de sempre carregar balas doces em seus bolsos, na faculdade de agronomia, motivo pelo qual era procurado pelos colegas. Por isso a menção, em um verso, a “uma canção antiga”. A composição mescla o reggae com o chamado “afro-pop”.

É de Baleiro também a magnética adaptação da letra de Mamãe Oxum, música de domínio público, interpretada em parceria com Chico César: “Eu vi mamãe Oxum na cachoeira/ Sentada na beira do rio/ Colhendo lírio lirulê/ Colhendo lírio lirulá/ Colhendo lírio/ Pra enfeitar o seu Congá”, diz a letra, também cantada em terreiros de Umbanda.

Em Telegrama, uma das canções mais famosas do artista, o arranjo simples de violão, com batidas secas do início, parece a introdução de uma música nordestina, mas evolui para um rock sofisticado. Em primeira pessoa, a letra conta da solidão de um rapaz em São Paulo “Mais solitário que um paulistano”.

Mas, de repente, ele recebe um telegrama de amor (algo inesperado em 2002, quando telegramas já eram anacrônicos) e tem uma súbita epifania: “Por isso hoje eu acordei com uma vontade danada/ De mandar flores ao delegado/ De bater na porta do vizinho e desejar bom dia/ De beijar o português da padaria”.

Embora em 1997 Baleiro já estivesse na estrada há pelo menos dez anos, foi ali que lançou seu primeiro álbum: “Por Onde Andará Stephen Fry?” Entre as músicas do CD, aquela que o lançaria definitivamente ao estrelato: Flor da Pele / Vapor Barato.

Tratava-se da junção de uma letra do próprio Baleiro (Flor da Pele) com a lendária composição de Jards Macalé e Waly Salomão para o show Fatal, de Gal Costa, em 1971. “Eu quero chamar um cara agora, um cara que tá começando, que fez uma canção em homenagem a Vapor Barato, que me emocionou muitíssimo, e o convidei pra participar desse meu especial. Se chama Zeca Baleiro”, anunciou Gal em julho de 1997.

O guri, então com 31 anos, entrou no palco com roupa colorida, visivelmente tímido diante do monstro sagrado com quem faria então um dueto, meio sem saber se abraçava ou beijava a lenda viva à sua frente. A timidez se revelou em sua própria voz, normalmente mais potente do que então, mas Baleiro levou a cabo o desafio colossal, e nunca mais saiu dos palcos.

Parceria com Lô Borges

Com o perdão do clichê, por ironia do destino, 28 anos depois Zeca Baleiro foi o último parceiro do grande Lô Borges, que morreu no último 2 de novembro. Um dos artífices do Clube da Esquina com Milton Nascimento e outros gigantes da MPB, o músico mineiro convidou o maranhense para uma parceria. Enviou-lhe as composições, em que Zeca colocou as letras. O álbum Céu de Giz foi lançado em agosto passado, pela gravadora Deck.

Para Baleiro, a parceria gerou um “disco primoroso”.  “Fosse há 25 anos atrás, o álbum seria um acontecimento. Hoje, é mais um lançamento entre os 100 mil lançamentos diários nas plataformas, uma desova truculenta neste tempo de hiperconsumo desenfreado e disperso”, escreveu ele em seu perfil no Facebook, sob a comoção que  o impactou, como a milhões brasileiros.

Serviço: Zeca Baleiro – Piano
28 de novembro de 2025 | 21:00h

Local: Auditório Araújo Vianna
Avenida Osvaldo Aranha, 685, Bom Fim
Porto Alegre | RS
Ingressos pelo Sympla