Câmara aprova “PL da devastação” na calada da noite

 O projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados na madrugada de 17 de julho, por 267 votos a 116, apesar da oposição de mais de 350 organizações e movimentos sociais, estabelece o novo marco do licenciamento ambiental. As críticas são generalizadas de ambientalistas, especialistas e organizações da sociedade civil por conter dispositivos que podem fragilizar a proteção ambiental no Brasil.

Conhecido como o “PL da devastação”, o substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados incorpora 29 emendas do Senado ao Projeto de Lei 2159/21, com parecer favorável do relator, deputado Zé Vitor (PL-MG). O texto será enviado à sanção presidencial, com prazo de 15 dias úteis para indicação de vetos ao projeto, que podem ser parciais ou na totalidade, como pedem entidades ambientalistas.

O projeto, embora prometa desburocratizar o licenciamento e aumentar a segurança jurídica para empreendedores, reduz significativamente os mecanismos de controle e proteção ambiental. Diversas entidades, como a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), ONGs e acadêmicos apontam que o texto representa um dos maiores retrocessos ambientais das últimas décadas.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou à imprensa que a legislação ambiental do licenciamento foi decepada. E cita prejuízos jurídicos, ambientais, econômicos e sociais com a aprovação “desse desmonte da legislação ambiental”.

Marina Silva vislumbra dificuldades com a União Europeia, no acordo comercial UE-Mercosul, e ressalta o quanto o projeto é inadequado em ano em que o Brasil hospeda a COP30 e em um momento em que vive momentos turbulentos no comércio com os EUA.

Licença Especial

Uma das emendas aprovadas cria um tipo de licenciamento ambiental, chamado de Licença Ambiental Especial (LAE), que poderá ser concedida mesmo se o empreendimento for efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente. Esse tipo de licença poderá ser usado para atividades ou empreendimentos considerados estratégicos pelo Conselho de Governo, órgão de assessoramento do presidente da República quanto à política ambiental.

Baixo impacto ambiental

A dispensa de licenciamento para atividades de baixo impacto ambiental também é muito criticada. O projeto autoriza estados e municípios a dispensarem o licenciamento de atividades consideradas de “baixo impacto ambiental”. O problema é que o texto não define claramente o que é “baixo impacto”, o que abre margem para interpretações amplas e subjetivas, permitindo que atividades potencialmente danosas escapem da fiscalização ambiental.

Licença por adesão

Um licenciamento ambiental simplificado por adesão e compromisso (LAC) poderá ser pedido pelo interessado sem necessidade de estudos de impacto. Cada ente federativo, conforme a competência concorrente de licenciamento ambiental, definirá quais atividades de pequeno ou médio porte e baixo ou médio potencial poluidor poderão usar a LAC, cuja vigência será de 5 a 10 anos. Fragiliza o controle e a fiscalização, pois os estudos de impacto podem não ser verificados com o rigor necessário. Aumenta os riscos de fraudes e danos irreversíveis a ecossistemas frágeis.

Dispensa de licenciamento

O texto permite isenção ou flexibilização do licenciamento para obras em áreas de segurança nacional, mobilidade urbana ou de utilidade pública. Essa regra pode ser usada como brecha para aprovar grandes obras sem a devida análise ambiental, inclusive em áreas sensíveis como terras indígenas ou unidades de conservação. Essa licença provocará risco de destruição de habitats e conflitos com comunidades tradicionais.

Redução do poder de entidades

Uma das emendas aprovadas retira de outras autoridades envolvidas no licenciamento ambiental o poder de definir os tipos de atividades ou empreendimentos de cujos licenciamentos deverão participar. Isso envolve órgãos que devem se manifestar sobre impactos em terras indígenas (Funai) ou quilombolas (Ministério da Igualdade Racial), sobre o patrimônio cultural acautelado (Iphan) ou sobre as unidades de conservação da natureza (ICMBio). Sobre terras indígenas, por exemplo, o projeto permite a manifestação da Funai apenas sobre aquelas com demarcação já homologada.

Nota técnica da organização não governamental Instituto Socioambiental (ISA) indica que há pelo menos 259 terras indígenas em processo de demarcação (equivalente a 32% da área total desse tipo de terra) que ficariam de fora da análise por ainda não estarem homologadas.

Mineração

Quanto à mineração de grande porte e/ou alto risco, com aprovação de emenda dos senadores, não serão mais observadas normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) até lei específica para tratar do tema.

Redução do papel do IBAMA e ICMBio

O projeto descentraliza o processo de licenciamento, transferindo competências do IBAMA (federal) para órgãos estaduais e municipais. Muitos estados e municípios não têm estrutura técnica ou independência política suficientes para conduzir licenciamentos com isenção e rigor técnico. Isso pode resultar em licenciamentos mais permissivos e com menos fiscalização.

Agropecuária extensiva

Atividades agropecuárias de médio e grande porte podem ser total ou parcialmente dispensadas de licenciamento. O setor agropecuário é um dos maiores vetores de desmatamento no Brasil, especialmente na Amazônia e no Cerrado. Provocará aumento do desmatamento legal e ilegal, redução da cobertura vegetal e aceleração das mudanças climáticas.

Mata Atlântica

Na lei de preservação da Mata Atlântica (Lei 11.428/06), emenda dos senadores aprovada exclui a necessidade de autorização do órgão ambiental estadual para o desmatamento de vegetação desse bioma se ela for primária ou secundária em estágio avançado de regeneração.

Com Agência Câmara de Notícias