Para Lula, desoneração de impostos para empresas só com contrapartida aos trabalhadores

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, nesta semana (29), que não pode haver desoneração da folha de pagamento de empresas sem contrapartida aos trabalhadores. Lula estava em viagem ao Oriente Médio e falou com jornalistas antes de deixar Riade, capital da Arábia Saudita, a caminho de Doha, no Catar.

“Não podemos fazer apenas desoneração sem dar contrapartida aos trabalhadores, eles precisam ganhar alguma coisa. A empresa deixa de contribuir sobre a folha e o trabalhador ganha o quê? Não tem nada escrito [na lei] que ele vai ganhar R$ 1 a mais no seu salário”, disse Lula.

Alguns setores produtivos manifestaram preocupação com o veto e o consequente fim da desoneração. Mas, para o presidente Lula, a medida não garante a geração de empregos. “Eu não sei se eles estão preocupados, não sei qual a razão, pelo fato de gerar mais emprego não foi porque não tem nada na lei que diz que vai gerar mais emprego se tiver desoneração”, disse Lula.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também defendeu o veto. Para ele, a medida é inconstitucional e provoca distorções no sistema tributário, sem trazer ganhos efetivos à economia, como a geração de empregos. Haddad prometeu enviar ao Congresso uma “alternativa” ao modelo atual nos próximos dias, com medidas para substituir a desoneração da folha. E pediu a não derrubada do veto neste período: “Eu espero que nos aguardem para nos ouvir antes de qualquer decisão.”

O presidente Lula afirmou também que trabalha em nova legislação sindical para o país. “Estou, com dirigentes sindicais, com dirigentes dos empresários e governo, desde o começo do ano, negociando uma nova relação entre capital e trabalho no Brasil, uma nova legislação sindical; porque é ignorância daqueles que acham que um sindicato tem que ser enfraquecido para melhorar a vida do trabalhador. Quanto mais forte é um sindicato, mais forte será a democracia e mais forte será a empresa”, disse.

O presidente Lula vetou integralmente o projeto de lei que pretendia estender até 2027 a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia. São eles: confecção e vestuário, calçados, construção civil, call center, comunicação, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação (TI), tecnologia de comunicação (TIC), projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.  Além disso, reduz a contribuição para a Previdência Social paga por pequenos municípios (PL 334/23). O veto foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União no último dia 23.

Lula argumentou que a proposta é inconstitucional por criar renúncia de receita sem apresentar o impacto nas contas públicas, como manda a legislação. A renúncia com a desoneração no setor privado foi estimada em cerca de R$ 9,4 bilhões, segundo o Ministério da Fazenda. Até 2011, a contribuição correspondia a 20% da folha de pagamento. Esse cálculo voltará a ser aplicado em janeiro.

Implementada no governo de Dilma Rousseff (PT), em 2011, como medida temporária, a política de desoneração da folha vinha sendo prorrogada desde então. Com o veto presidencial, a medida perde a validade em dezembro deste ano.

Segundo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o veto deve ser analisado pelo Congresso Nacional ainda este ano, e os parlamentares poderão mantê-lo ou derrubá-lo. O senador defendeu que o projeto aprovado é positivo para os empregos e que a desoneração é bem-vista no Congresso Nacional. Para derrubar a decisão do presidente, vão ser necessários 257 votos de deputados e 41 votos de senadores.

Sem efeito

A desoneração da folha de pagamento não teve efeito algum sobre o volume de empregos, de acordo com um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Usando dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) para o período entre 2009 e 2015, o estudo do Ipea compara como o volume de emprego evoluiu entre empresas afetadas e não afetadas pela política e entre setores contemplados e não contemplados. No geral, os resultados obtidos apontam para ausência de efeitos da política sobre o volume de empregos.

Mesmo sem resultados palpáveis, a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) destaca que a desoneração da folha de pagamentos é uma estratégia utilizada pelos governos para reduzir os custos trabalhistas para as empresas, tornando mais atrativa a contratação de novos funcionários. E ainda ameaça, caso a desoneração seja revogada, com desemprego de cerca de 413 mil trabalhadores do setor industrial gaúcho.

A realidade é outra, mas pelas ações do governo Lula e não por isenções de impostos. Pela primeira vez, Brasil tem mais de 100 milhões de trabalhadores ocupados desde o início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O levantamento, divulgado nesta quinta-feira (30), mostra o número recorde de 100,2 milhões de pessoas, um acréscimo de 862 mil nos últimos três meses. A taxa de desocupação no trimestre de agosto a outubro ficou em 7,6%, a menor desde o trimestre encerrado em fevereiro de 2015, quando era 7,5%.

A discussão sobre a desoneração de impostos tem como pano de fundo a concentração de renda e do não pagamento de tributos. Como não houve aumento de emprego com a desoneração, o que aconteceu foi ainda mais concentração de renda, fundamento do capitalismo.

Com agências de notícias Brasil, Câmara dos Deputados e Fiergs

 

 

Construção de prédio da Melnick na rua Duque de Caxias em debate na Câmara de Vereadores

O polêmico projeto de construção de um prédio de 41 andares da incorporadora e construtora Melnick no terreno ao lado do Museu Júlio de Castilhos, entre as ruas Fernando Machado e Duque de Caxias, no Centro Histórico de Porto Alegre, foi pauta durante a reunião da Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude (Cece), nesta semana (21/11) na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. O proponente foi o vereador Jonas Reis (PT).

A construção enfrenta muitas críticas dos porto-alegrenses porque vai desfigurar um espaço histórico, com vários prédios importantes tombados, contrariando a legislação.  O Ministério Público analisa inclusive um pedido de embargo da obra que está em fase de licenciamento.

O vereador Jonas destacou a necessidade de debater o impasse da construção nos arredores do museu, já que prédios com mais de 100 metros são proibidos legalmente de serem construídos. De acordo com ele, no entorno do Museu Júlio de Castilhos, os prédios deveriam ser construídos com no máximo 45 metros. “A construção deste empreendimento burla a legislação que proíbe a construção de prédios altos”, disse. Ele questionou a falta de diálogo com os moradores da rua Duque de Caxias, que estão revoltados com o projeto da Melnick.

Para o representante do Museu Júlio de Castilhos, o tesoureiro Antônio Medeiros, a notícia da construção do prédio trouxe diversos problemas e questionamentos. “A partir daí, tivemos a ideia de abrir uma ação civil pública, para barrar o projeto”, afirmou Medeiros. Porém, segundo o tesoureiro, a prefeitura afirmou que já existia um projeto aprovado e licenciado que permitia a construção do prédio. 

“Tivemos que abrir uma nova ação civil pública, que está na entidade federal”, complementou Medeiros. Ele ressaltou que o Ministério Público foi favorável aos dois processos. E destacou que não é contra a construção de prédios e o avanço da cidade, mas que tudo deve ser feito dentro da legalidade.

A presidente da Associação de Moradores do Centro Histórico, Ana Maria, disse que é necessário um encontro com o secretário Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, para que ele esclareça pontos importantes do projeto de construção. Segundo ela, um dos problemas deste tipo de construção na Capital é a descaracterização da cidade. “Nós precisamos continuar lutando,” concluiu.

Em resposta às entidades, a representante da Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC), Debora da Costa, disse que somente são aprovados projetos que tenham vínculo com a preservação. “As áreas especiais, os bens tombados e o inventário do patrimônio cultural do municipio”. Ela também disse que houve mudanças na legislação que devem ser debatidas e entendidas, para o esclarecimento da questão.

Ficaram como encaminhamentos a possibilidade da instalação de uma Comissão Especial para debater a pauta, um pedido do processo completo do projeto da construção do prédio ao secretário Germano Bremm, além da promoção de um debate sobre as legislações referentes à construção de prédios na cidade de Porto Alegre.

Atualmente, a Melnick tem 20 canteiros de obras em andamento, totalizando 45 torres e mais de 3.600 unidades em construção, segundo a nota distribuída pela assessoria de imprensa.

Plano Diretor fatiado

Para entender o caso do projeto da Melnick na rua Duque de Caxias é preciso voltar no tempo. A Lei Complementar 43, de 21 de julho de 1979, durante a gestão do prefeito Guilherme Socias Villela, trata do desenvolvimento urbano no município de Porto Alegre, institui o primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA).  Teve como base o programa de reavaliação do plano de 1959,  recebendo mais de 200 emendas na Câmara de Vereadores. O Plano Diretor passa a ser revisado a cada 10 anos e o processo inclui elaboração do projeto pelo Executivo, envio para o Legislativo, debate em audiência pública, votação na Câmara e sanção do prefeito.

A gestão do prefeito Alceu Collares (PDT, 1986/89), é marcada pela presença do lobby da construção civil na linha de frente da discussão e redefinição do Plano Diretor. Em 1987, a prefeitura cede e permite alterações que flexibilizam as regras, resultando, por exemplo, em alterações nos índices de aproveitamento. Solo Criado é o termo pelo qual é conhecida a permissão oficial para que um empreendimento possa construir acima do coeficiente (índice construtivo privado) previsto dentro do Plano Diretor de cada região, respeitando limites específicos.

Com o Estatuto das Cidades, em 2001, o governo federal disciplinou a matéria, caracterizando Solo Criado como Outorga Onerosa do Direito de Construir.

A revisão do Plano Diretor a cada 10 anos não acontece em 2019, durante a administração do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB). No mesmo ano, a alternativa para construir “mais” no mesmo espaço, a compra de Solo Criado na capital gaúcha, se expandiu quase 19%.

Segundo dados daquele momento da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, as construtoras Melnick e Cyrela responderam por 46% do valor negociado com a prefeitura dentro das vendas de Solo Criado. A Macrozona 1, que concentra o Centro Histórico de Porto Alegre, registrou 72% da quantidade efetiva e em andamento de Solo Criado em 2019.

Marchezan não conseguiu se reeleger, mas o novo prefeito Sebastião Melo (2021/2024-MDB) manteve no cargo o secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, da administração Marchezan, Germano Bremm. Praticamente continuou com os projetos em andamento na administração de Marchezan na área de planejamento urbano. Depois anunciou que colocaria em discussão o Plano Diretor somente em 2023, o que está acontecendo agora, com os projetos na área já aprovados pela Câmara de Vereadores.

Em novembro de 2021, começou o chamado pelo prefeito Melo de fatiamento do Plano Diretor com o Projeto de Lei Complementar do Executivo (PLCE 23/21), que institui o Programa de Reabilitação do Centro Histórico, aprovado pela Câmara de Vereadores. Para atrair investimentos, o projeto prevê a adoção de novos padrões para o regime urbanístico, com flexibilização nas alturas e no potencial construtivo com a utilização do Solo Criado. Com isso a área construída poderá ser acrescida em até 1.180 mil metros quadrados.

Com agência de notícias da Câmara de Vereadores de Porto Alegre

Biden se aproxima de Xi Jinping e depois o chama de ditador

Algum resultado prático do encontro do presidente dos Estados Unidos (EUA), Joe Biden, com o presidente da China, Xi Jinping, que aconteceu esta semana, 15, à margem da reunião de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec, sigla em inglês), em São Francisco, EUA, é discutível. No entanto, esse é o caminho que a China vem trilhando desde 1978, quando Deng Xiaoping assume o poder e começa as reformas econômicas.

Enquanto isso, os Estados Unidos, com sua prepotência, não deram importância às transformações e ainda suas empresas tecnológicas invadiram a China atrás de mão de obra barata. Desde o fim da União Soviética, os EUA acharam que estava tudo dominado a ferro e fogo.   Hoje, atacar a China militarmente seria uma ação tresloucada e aceitar o comércio crescente dos chineses em todos os continentes de uma forma racional não é compatível com ações do imperialismo. Esse é o impasse do governo Biden.

A China realizou recentemente o 3º Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional (BRF), em Pequim, em comemoração ao 10º aniversário da iniciativa. Xi Jinping chamou de “década de ouro”,  com a participação de mais de 150 países e 30 organizações internacionais nos cinco continentes. Um bilhão de dólares foi gasto ou comprometido em projetos que estão transformando cada vez mais as perspectivas de desenvolvimento de dezenas de países na Ásia, África, América Latina, Médio Oriente, Caraíbas e Pacífico.

Em um discurso em 26 de fevereiro de 1999, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, fez uma declaração que geralmente é considerada um resumo do pensamento da elite dominante estadunidense, ou da Doutrina Clinton: “É fácil … dizer que realmente não temos interesse em quem vive neste ou naquele vale da Bósnia, ou quem possui uma faixa de terra no Chifre da África ou algum pedaço de terra seca perto do rio Jordão. Mas a verdadeira medida de nossos interesses não reside em quão pequenos ou distantes esses lugares são, ou se temos dificuldade em pronunciar seus nomes. A pergunta que devemos nos fazer é: quais são as consequências para nossa segurança em permitir que os conflitos se agravem e se espalhem. Não podemos, na verdade, não devemos, fazer tudo ou estar em todos os lugares. Mas onde nossos valores e interesses estão em jogo, e onde podemos fazer a diferença, devemos estar preparados para agir.”

O embaixador dos Estados Unidos na China, Nicholas Burns, nomeado pelo presidente Joe Biden, afirmou durante uma audiência no Senado dos EUA, que a China é “o maior teste geopolítico do século 21”. Do seu jeito, os chineses responderam: “O que falta aos EUA são os meios para pressionar a China a se submeter.”

Burns tem motivos para estar preocupado, pois até no chamado “quintal dos Estados Unidos” – usado em ciência política para se referir a América Latina -, os chineses estão por todos os lados. Segundo Wang Youming, diretor do Instituto de Países em Desenvolvimento do Instituto de Estudos Internacionais da China, em Pequim, o comércio da China com a América Latina e o Caribe deve crescer 26 vezes entre 2000 e 2035, chegando a atingir US$ 700 bilhões. O comércio China-América Latina passou de US$ 18 bilhões em 2002 para US$ 315 bilhões em 2020.

Por isso, é possível entender Biden, logo após a reunião com Xi Jinping, quando caminharam de mãos dadas, respondendo uma pergunta deliberadamente provocativa da agência de notícias Bloomberg, disse que ainda acredita que seu colega chinês é um ditador. “Quero dizer, ele é um ditador no sentido que ele é o cara que dirige um país comunista baseado em uma forma de governo totalmente diferente da nossa.”

Quando questionada sobre os comentários de Biden durante uma conferência de imprensa na quinta-feira, 16, Mao Ning, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, disse que a declaração era “absolutamente errada” e que Pequim se opôs a esta “manipulação política irresponsável”. Ela condenou as tentativas de “semear a discórdia entre as duas nações”.

No mesmo dia, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, renovou o compromisso de Washington de defender as Filipinas depois que a China aumentou as tensões no Mar da China Meridional ao disparar um canhão de água contra um navio de reabastecimento filipino.

Austin reuniu-se com Gilbert Teodoro, o ministro da defesa nacional das Filipinas, em Jacarta, à margem da Reunião dos Ministros da Defesa da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean).  Segundo matéria da agência Nikkei Asia, a reunião pretendeu enviar uma mensagem clara de que a administração Joe Biden apoiará o seu aliado asiático e defenderá as reivindicações marítimas das Filipinas, independentemente do resultado da reunião de cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico.

Em 2022, tomou posse na presidência da República no arquipélago, com apoio dos EUA, Ferdinand Marcos Jr., apelidado de Bongbong – filho do ditador Ferdinand Marcos, que governou de 1965 até ser deposto em 1986.

Em 2 de fevereiro de 2023, durante outra visita de Lloyd Austin às Filipinas, os dois países anunciaram a retomada do Acordo de Cooperação em Defesa ampliado. O secretário de Defesa dos EUA pressionou pelo avanço da expansão de um pacto de defesa, que permite aos EUA posicionar equipamentos militares  e rotacionar suas tropas para mais quatro bases militares no país do Sudeste Asiático.

Não devemos esquecer que um conflito no estreito de Taiwan poderia interromper o livre fluxo de mercadorias por mar e ar ao redor das Filipinas. Taiwan passa por uma fase de tensão com a China, desde a visita a Taipei da então presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, em setembro de 2022.

Nesta semana os principais partidos da oposição de Taiwan concordaram em unir forças com uma candidatura conjunta nas eleições presidenciais de janeiro próximo, consolidando o seu apoio político e aumentando as possibilidades de formar um governo mais amigo da China em Taipei. O Kuomintang (KMT) e o Partido Popular de Taiwan (TPP) concordam em escolher um único candidato presidencial em vez de dividir a votação. Eles também concordaram em formar um governo conjunto caso vençam as eleições.

O candidato apoiado pelos EUA do partido que está no poder, Lai Ching-te, atualmente vice-presidente de Taiwan, escolheu Hsiao Bi-khim como seu companheiro de chapa, de acordo com reportagens da mídia local e ocidental. Hsiao, classificado pela Reuters como “um falante fluente em inglês com profundas conexões em Washington”, é o enviado de Taipei aos EUA desde 2020.

Apesar de todas as ações agressivas dos EUA, a China está vencendo pelo comércio positivo com as nações de todos os continentes, processo chamado pelos chineses de ganha-ganha. Ao mesmo tempo, mantém uma parceria militar com a Rússia para evitar qualquer movimento belicista do Ocidente.

O presidente chinês discursou na Cúpula de CEOs da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico na quinta-feira, 16, durante a qual ele pediu o comprometimento com a “missão fundadora da APEC que enfatiza a abertura, a inclusão, o desenvolvimento para todos e buscando pontos comuns enquanto arquivamos as diferenças.”

O modelo econômico da China atrai a atenção generalizada dos empresários participantes da APEC. Xi Jinping participou de um jantar, onde compareceram representantes do Conselho Empresarial EUA-China e o Comitê Nacional de Relações EUA-China, com a presença de altos executivos dos EUA, como Elon Musk, da Tesla, e Tim Cook, da Apple. Xi Jinping comentou: “a China está disposta a ser um parceiro e um amigo dos EUA.”

Atualmente, a APEC engloba quase metade da população mundial, ou seja, cerca de três bilhões de pessoas; seu PIB é de aproximadamente US$19 trilhões, 60% do PIB mundial. A China é o motor desse crescimento e a reunião de Xi Jinping com os empresários estadunidenses mostrou que eles estão ávidos em aumentar a participação nesse mercado, apesar de todas as ações do governo Biden para frear os negócios com a China. As tarifas retaliatórias impostas pelo governo dos EUA contra as importações chinesas não foram levantadas, além de esforços adicionais para exercer pressão sobre as empresas chinesas de alta tecnologia, como as de semicondutores, citando as chamadas razões de segurança nacional.

“Espero que a China e os EUA possam trabalhar juntos para uma prosperidade mais rica no mundo”, disse Elon Musk, que fez uma viagem à China há poucos meses, após o jantar, de acordo com um relatório da Agência de Notícias Xinhua.

A lista de convidados também incluía o presidente executivo da Nike, CEO da Pfizer, CEO da Qualcomm, presidente da Mastercard, entre outros.

Com Global Times, Nikkei Asia, Russian Today, Valor Econômico e Xinhua

Críticas a retomada do Ceitec têm razões históricas

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou nesta semana decreto que autoriza a reversão do processo de dissolução societária do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), localizado em Porto Alegre. A empresa pública atua em projetos e fabricação de circuitos integrados, chips, módulos e tags de identificação por radiofrequência, para aplicação em diversos segmentos.

A empresa representa o caminho natural para a aquisição, pelo Brasil, do conhecimento científico, tecnológico e produtivo detido por poucos países do mundo, em um setor no qual tem ocorrido nos últimos anos uma expressiva transformação tecnológica, impulsionada principalmente pelo amplo uso de chips semicondutores em componentes eletrônicos, presentes em praticamente todas as atividades da sociedade moderna.

Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a retomada operacional da Ceitec estabelece a indicação de novos dirigentes e dos Conselhos de Administração e Fiscal, a recomposição dos quadros técnicos e a elaboração de um plano de recuperação das atividades para atender às demandas dos setores público e privado. Um plano de negócios deve ser elaborado com novas rotas tecnológicas e industriais definidas para que a empresa possa atuar no mercado nacional e internacional. Para a retomada, a fábrica estatal de chips receberá um investimento de R$ 110 milhões em 2024.

As críticas e editoriais da mídia corporativa brasileira contra o decreto firmado pelo presidente Lula não surpreendem porque sempre defenderam interesses de fora, um Brasil colonial, exportador de commodities agrícolas.

O editorial do jornal O Globo, de 8/11, deixa claro que as razões dos ataques ao Ceitec são históricas, em defesa dos interesses do imperialismo. Diz o editorial: “A sobrevida do Ceitec é um exemplo da obsessão nacional-desenvolvimentista do PT”. O nacional-desenvolvimentismo começa com o trabalhismo, governo de Getúlio Vargas, que foi sendo minado pelo mesmo jornal O Globo, até seu suicídio.

Poucos lembram que após Vargas, Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil de 1956 a 1960, abandona o nacional e fica com o desenvolvimentismo das montadoras de caminhões e automóveis internacionais, como a Mercedes Benz, Volkswagen, General Motors e Ford. Depois, o presidente João Goulart, (1961 a 1964) retoma o projeto de um Brasil soberano e teve seu mandato abreviado por conta do golpe militar.

E o editorial continua: “Não difere da retomada da indústria naval — projeto que naufragou….” No Rio Grande do Sul, o polo naval naufragou após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, quando foi abandonado pelo governo Temer (2016/2018), deixando centenas de desempregados, que vieram de todo o Brasil, e a cidade de Rio Grande literalmente a ver navios.

O complexo que seria instalado pela Construtora Queiroz Galvão, por exemplo, na extremidade sul do Porto Novo, tinha investimento previsto de mais de R$ 20 milhões, com uma unidade para construção de estruturas navais, conversão de navios, industrialização de módulos e construção de plataformas de petróleo e gás natural.

O consórcio formado pelas empresas WTorre, Estaleiro Rio Grande, Rio Bravo Investimentos, Quip e Petrobras, previa que o dique seco de Rio Grande seria o maior do país e representaria dois mil empregos. Nele seriam construídas plataformas oceânicas de exploração de petróleo e gás, com investimento de R$ 222,8 milhões.

A plataforma P-53, da Petrobras, foi a primeira montada integralmente no Porto de Rio Grande, em 2008, com a utilização de 75% de conteúdo nacional. Na construção foram gerados 4.500 empregos diretos e 15 mil indiretos. Em 2013, ficou pronta a maior plataforma semissubmersível construída no Brasil, a P-55, que estava atracada no cais do Estaleiro Rio Grande 1 (ERG1). A P-55 tem capacidade de processamento de 180 mil barris de petróleo por dia, e de tratamento de quatro milhões de metros cúbicos de gás por dia, uma das maiores semissubmersíveis do mundo.

Já no governo Bolsonaro (2019/2022), a Petrobras assinou contrato com a empresa Keppel Shipyard Limited, grupo de Singapura, para a construção naquela cidade da plataforma P-83, com custo de US$ 2,8 bilhões.

E o editorial finaliza: “o Ceitec não difere do incentivo a refinarias de petróleo deficitárias. Insistindo no Ceitec o governo abre um novo capítulo nessa história de equívocos.”

O governo Bolsonaro, além de privatizar de forma extremamente controversa as refinarias Isaac Sabbá, Amazonas, e Landulpho Alves, Bahia, passou a diminuir a capacidade de realização as refinarias da Petrobras para 77% da capacidade, sendo que o ideal é a capacidade plena, entre 93% e 94%.  O resultado foi um aumento da importação da Petrobras de gasolina e óleo diesel no segundo trimestre de 2021. A importação da gasolina disparou 950% em relação a igual período do ano anterior e a do diesel, 548,1%. Isso afetou os preços nas bombas e, consequentemente, a inflação.

É no mínimo estranho o silêncio da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) em relação ao Ceitec, após apoiar sua criação. Em 31 de julho de 2008, quando o presidente Lula sancionou a lei que criou o Ceitec como empresa pública, o então presidente da Fiergs, Paulo Tigre, comemorou: “Este empreendimento faz parte da Nova Economia que o Estado vê nascer. A inovação e a tecnologia são as marcas da nossa futura história econômica.” Em junho de 2021, quando o governo Bolsonaro determinou a extinção do Ceitec, a Fiergs também ficou em silêncio.

Os críticos do Ceitec esquecem como nasceu a indústria petroquímica no Brasil. No livro “A petroquímica faz história”, que escrevi em parceria com Elmar Bones, tem o depoimento de Gilberto Freitas de Sá, na época (2007) conselheiro da Odebrecht, anteriormente vice-presidente da Odebrecht Química.

Em 1971, nasce o polo de Camaçari, Bahia, por insistência do governo militar. O grupo Odebrecht, que depois passou a liderar o setor através da Braskem, entrou de forma não programada. Na diretoria ninguém tinha familiaridade com o tema. Um dos vice-presidentes do Grupo, Nilo Simões Pedreira, foi destacado para ser o “petroquímico da diretoria”. Ele conhecia pouco o assunto e começou a ler para saber o que era. Foi o representante da empresa nesta fase inicial heroica nos anos 1970, quando a Odebrecht entrou na petroquímica. 

 

A falsa discussão sobre déficit fiscal

O resultado primário do governo federal, que representa a diferença entre as receitas e os gastos, gerou durante a semana uma discussão praticamente política sobre o déficit fiscal, alimentada pela mídia corporativa. O mote foram as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que afirmou num café com jornalistas que o déficit “não precisa ser zero”.

E realmente não precisa. No final de 2022, por exemplo, a dívida pública japonesa atingiu US$ 9,2 trilhões (cerca de R$ 47,7 trilhões). O valor corresponde a 266% do PIB do país.  Comparativamente, a dívida dos Estados Unidos, no mesmo período, ficou em US$ 31 trilhões (cerca de R$ 160,9 trilhões). O que leva a esses déficits são os mais diversos motivos, mas o principal é manter o crescimento de suas economias.

A partir daí, foi dito que o presidente contraria o ministro da Fazenda Fernando Haddad e o que está previsto no arcabouço fiscal e na  Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Ora, são essas travas que impedem que o governo Lula comece a gastar desenfreadamente.

Haddad voltou a repetir nesta sexta-feira, 3, que conversará com a imprensa quando “tiver novidades”, ao ser questionado sobre mudança na meta fiscal. “Assim que tiver novidade eu reporto”, respondeu. Além disso, Lula nada falou sobre alterar oficialmente a meta fiscal via mensagem ao Congresso ou simplesmente deixar de cumpri-la.

O editorial do jornal O Globo desta sexta-feira, é um exemplo da utilização da discussão do déficit público para fustigar o governo Lula: “…Todos confiaram que, depois do descontrole orçamentário promovido pela PEC da Transição, haveria, ao menos, grande esforço para reequilibrar as contas públicas. Intenções contam. Até que o presidente Lula torpedeou a meta do ano que vem no final de um café da manhã com jornalistas…”

Em meio ao debate sobre a alteração ou não da meta fiscal de déficit zero, o presidente  Lula defendeu que o governo libere recursos para investimento. A fala aconteceu nesta sexta-feira, durante a abertura da reunião ministerial sobre Infraestrutura, em Brasília. “Para quem está na Fazenda, dinheiro bom é dinheiro no Tesouro, mas, para quem está na Presidência, dinheiro bom é dinheiro transformado em obras. Se o dinheiro estiver circulando e gerando emprego, é tudo que um político deseja. Queremos que vocês sejam os melhores gastadores de dinheiro deste país. A gente não pode deixar sobrar dinheiro que está previsto ser investido.”

A Secretaria do Orçamento Federal do Ministério do Planejamento divulgou uma leve melhora na projeção para o déficit nas contas públicas de 2023. Segundo o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 4º bimestre, a estimativa de rombo caiu de R$ 145,4 bilhões (1,4% do PIB) para 141,4 bilhões (1,3% do PIB).

Já que a discussão é política, o resultado primário do governo federal desconsidera o pagamento dos juros da dívida pública. A previsão do mercado para 2023 é que o valor dos juros da dívida chegue próximo de R$ 800 bilhões. Por que um valor dessa magnitude só de juros ao ano da dívida pública não pode ser questionado na defesa de investimentos para o País? A previsão do Tesouro Nacional é que a dívida pública encerre o ano de 2023 entre R$ 6,4 trilhões e R$ 6,8 trilhões. 

O que aconteceu com o Brasil durante os governos Temer e Bolsonaro foi um ataque a máquina pública, redução dos direitos trabalhistas e previdenciários, privatizações com a entrega do controle de nossa energia e o fatiamento da Petrobras, contrabando do ouro das terras indígenas e defesa dos ganhos dos bancos e grandes fortunas através de altas taxas de juros, provocando recessão. Essa foi a situação do País recebida pelo governo Lula.

Mesmo assim, em 10 meses de governo, o desemprego no Brasil ficou em 7,7% no terceiro trimestre, menor nível desde fevereiro de 2015, quando recrudesceu o ataque das forças contrárias ao governo de Dilma Rousseff. O Brasil tinha em setembro passado 8,3 milhões de desempregados, quase metade do registrado no pior momento da pandemia, quando a desocupação chegou perto de 15%. 

O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, cortou a Selic pela 3ª vez seguida. A taxa básica de juros cai de 12,75% para 12,25% ao ano. Bolsonaro entregou o governo com a taxa em 13,75%. Com a redução, a Selic atingiu seu menor nível desde maio de 2022, quando estava em 11,75% ao ano. A Selic desempenha um papel fundamental na política monetária, influenciando todas as taxas de juros no país.

A economia brasileira precisa ainda de mais estímulos para decolar, distribuir renda, mas é exatamente isso que a oposição não quer. Por isso,  esses números não interessam. 

Nesse momento, vale lembrar o movimento de um país citado sempre como exemplo pelos conservadores brasileiros. O presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt tomou posse a 4 de março de 1933, no auge da Grande Depressão, com 25% da massa trabalhadora estadunidense desempregada – recorde ainda hoje mantido.

Um mês depois da posse, Roosevelt anunciou ousadas inovações contidas em uma série de programas denominados New Deal, que incluíam medidas expansionistas, rompendo definitivamente com o liberalismo e inaugurando a fase de práticas keynesianas, com aumento da intervenção do Estado na economia, ativismo monetário e fiscal. Isto permitiu a superação da Grande Depressão.

Quem salvou os EUA, além da Segunda Guerra Mundial, foi o New Deal, com um gasto público jamais visto em tempos de paz. Os juros foram derrubados no início daquela década e só ficaram acima dos 4%, patamar dos anos de 1920, em 1953. Não é um bom exemplo?

 

Quais são os fundos de investimentos envolvidos na compra da Corsan

A 1ª Câmara do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) realizou esta semana a conclusão do julgamento do processo de venda Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que teve início em julho passado, e decidiu pela anulação da privatização da estatal, por lance único do Consórcio Aegea de R$ 4,151 bilhões, com ágio de 1,15% em relação ao valor mínimo estipulado no edital.

A conselheira substituta, Ana Cristina Moraes, manteve a posição do voto da sessão realizada em 18 de julho, que foi favorável à suspensão do leilão. O Conselheiro e presidente da Sessão, Estilac Xavier acompanhou o voto da relatora, já o conselheiro Renato Azeredo manteve o voto contrário.

O principal ponto de questionamento apontado pelo relatório da conselheira Ana Cristina é em relação à valuation da companhia – isto é, a base de cálculo para definir o valor mínimo de venda da Corsan. O relatório destaca dúvidas em relação ao cálculo da real extensão da rede de esgoto no Estado, que impacta diretamente na quantidade de recursos necessários a serem investidos para o cumprimento das metas do novo marco legal de saneamento e, consequentemente, no valor final da Corsan.

Além de apontar erros na precificação da Companhia, Ana Cristina também questionou a legalidade do processo em decorrência da não observância de prazos editalícios e ainda citou a ausência da ata da assembleia geral dos acionistas que autorizaria o preço inicial de venda da Companhia. A relatora manteve também as irregularidades apontadas nos termos aditivos assinados pelos municípios.

No entanto, a análise do mérito ainda passará pelo Tribunal Pleno, que poderá ocorrer na próxima quarta-feira, 01 de novembro. A assessoria Jurídica do Sindiágua, a partir da proclamação do voto no TCE desta terça-feira, 24/10, está analisando os novos elementos para uma definição sobre os encaminhamentos que deverão ser tomados.

Nota da assessoria de Comunicação da Bancada do PT na Assembleia Legislativa, diz “que diante da postura conselheiro Renato Azeredo, que relativiza os erros apontados pelos conselheiros Estilac Xavier e Ana Moraes, o deputado estadual Miguel Rossetto, membro da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa e que acompanha o processo, resolveu se dirigir diretamente ao conselheiro com algumas ponderações.”

Continua a nota: “Rossetto encaminhou uma correspondência ao conselheiro Azeredo cobrando a postura ambígua registrada no voto, que acompanhou os questionamentos feitos pela conselheira Ana Moraes, que pediu anulação do leilão, diante de erros cometidos pelo Banco Genial, contratado sem licitação, que subestimou as projeções de lucro líquido da Corsan para o ano de 2022. “O senhor reconhece o erro de avaliação, mas sugere que a ‘discrepância’ entre o lucro projetado pelo Banco Genial e o de fato realizado é de ‘apenas 35%’, e não 59% como mencionado pela conselheira. Ou seja, uma discrepância de ‘tão somente’, nas suas palavras, de R$ 283 milhões, apenas para o ano de 2022, primeiro ano da avaliação,” apontou o parlamentar no texto da correspondência.

O deputado afirma que a diferença entre o valor projetado e o realizado, entre o 2° e o 4° trimestres de 2022, era de pleno conhecimento dos dirigentes da Corsan, que optaram por não corrigir o valuation projetado, mantendo o preço mínimo de R$ 4,1 bilhões no edital do leilão.

Para Rossetto, o voto do conselheiro Renato ratificou o erro do Banco Genial mais uma vez, quando se tratou das projeções para 2023, que poderiam ter um lucro líquido de R$ 1,2 bilhão, conforme cálculo da conselheira Ana Moraes e ficaram em apenas R$ 234 milhões de lucro. “O senhor não faz qualquer menção à diferença de R$ 1 bilhão apontada no voto da conselheira Ana. Aliás, o senhor, também não consultou a gestão da Corsan para questionar como se encerrou o 2º trimestre, assim, já teríamos 50% do ano e talvez pudéssemos ter mais clareza se a projeção da conselheira estaria ou não ajustada à realidade. Se tivesse esta preocupação, teria constatado que o erro do Banco Genial é ainda maior. A soma do lucro dos dois primeiros trimestres de 2023 é R$ 543 milhões, conforme a própria Corsan divulgou,” afirmou o deputado em outro trecho da carta.

No final da correspondência, Rossetto solicita ao conselheiro que reveja seu voto com base nos votos da Primeira Câmara, que foram unânimes em afirmar que a Corsan foi subavaliada e que, portanto, o leilão deve ser anulado, para impedir um enorme prejuízo às contas do Estado e um ganho ilegal para o grupo Aegea.

Private equity

A água e o saneamento são direitos fundamentais da população que paga seus impostos e não deveriam ser tratados como commodities financeiras, possibilitando a entrada do setor privado. No entanto, governos estaduais controlados pelos partidos neoliberais, que defendem os interesses corporativos, proporcionaram os movimentos do mercado financeiro, incluindo a participação de gestoras de private equity, que desempenham um papel crucial na busca pelo controle das empresas estatais de saneamento.

Essas gestoras de grandes fortunas, que envolvem os interesses de fundos de investimentos de todo o mundo através da participação societária nos negócios, visam obter altos retornos financeiros no setor de saneamento, aproveitando a crescente demanda por serviços de água e esgoto. Quem são os grupos envolvidos na compra da Corsan?

A composição acionária da Aegea: 70,72% do grupo Equipav; 19,08% do fundo soberano de Singapura, GIC, e 10,20% da Itaúsa. Criada em 2010 pelo grupo Equipav, a Aegea administra concessões públicas em 13 Estados, atendendo a 26 milhões de pessoas. É mais da metade da população atendida por operadoras privadas hoje. A empresa arrematou dois dos quatro blocos em que o governo  de Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, dividiu a área da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) em 2021 e venceu, no ano passado, o leilão de privatização da Corsan.

Desde que o novo marco legal do saneamento básico foi aprovado, há três anos, a Aegea saiu vencedora em sete dos 13 leilões regionais realizados pelo país. Ao todo, foram ao menos R$ 45,7 bilhões de investimentos contratados para os próximos anos, fora os R$ 19,55 bilhões em outorgas e pagamentos já desembolsados.

Os dois grupos financeiros acionistas da Aegea – GIC, fundo soberano de Singapura e Itaúsa – são poderosos. Em abril de 2023, a Neoenergia fechou a venda de 50% de oito ativos de transmissão para a Warrington Investment, um veículo de investimento do fundo soberano de Singapura. A transação avaliou os ativos que somam 1,9 mil km de linhas em R$ 2,4 bilhões, exatamente o preço estimado pelo mercado para as ações. A Neoenergia integra o grupo espanhol Iberdrola, presente em 18 estados e no Distrito Federal, atuando nas áreas de geração, transmissão, distribuição e comercialização.

O outro acionista da Aegea,  o Itaúsa, do Grupo Itaú, investiu R$ 1,3 bilhão, ficando com 10% do negócio. Segundo Alfredo Setubal, presidente da Itaúsa, um dos compromissos é a busca de resultados consistentes aos acionistas, fator decisivo desta parceria.

Na privatização da Corsan, a Aegea, controlada pela Equipav, uniu-se a outras duas gestoras de investimentos, a Perfin e a Kinea, para formar o consórcio vencedor do leilão. A melhor definição da Equipav é dada por ela mesma: uma plataforma de investimento.

A EPR, operadora de rodovias formada por Equipav e Perfin, surgiu no mercado há pouco mais de um ano, mas vive uma expansão acelerada. A parceria entre Equipav e Perfin veio à tona em agosto de 2022, quando as empresas conquistaram duas concessões rodoviárias em Minas Gerais, do governador Romeu Zema (Partido Novo). A Perfin já tinha recursos alocados no setor de infraestrutura, em especial energia, mas estreou em rodovias junto da Equipav. A Perfin constituiu fundos específicos para atuar em rodovias, saneamento e energia, que somam ao todo mais de R$ 5,6 bilhões.

A Kinea, segundo seu portfólio, nasceu há 15 anos em sociedade com o Banco Itaú com os principais executivos vindos do Bank Boston. Em 2020, torna-se uma das maiores gestoras independentes do mercado brasileiro e da América Latina de gestão de recursos. Os fundos de gestão ativa já somam R$ 30 bilhões, incluindo os de previdência.

Histórico

O presidente do TCE-RS, conselheiro Alexandre Postal, proferiu decisão em cinco de julho de 2023 suspendendo a medida cautelar, vigente desde dezembro de 2022, que impedia a finalização do processo de venda da Corsan. A determinação, que seria submetida ao pleno do TCE, possibilita a continuidade dos procedimentos pendentes que objetivam a conclusão da privatização da Corsan e a consequente assinatura do contrato de venda à vencedora do leilão.

Um dia depois, em 6 de julho, a conselheira Ana Cristina Moraes, emitiu uma liminar determinando a intimação, com urgência, do governador Eduardo Leite (PSDB) e da presidente da companhia Samanta Takimi para se absterem de assinar o contrato de venda da Corsan até uma nova decisão do órgão.

Após a cautelar da conselheira do TCE, que impedia a assinatura do contrato de venda da Corsan, prevista para ocorrer no dia 7 de julho, o governo do Rio Grande do Sul protocolou um recurso no tribunal contra a decisão da Conselheira.

Na sexta, sete de julho, o presidente do Tribunal de Contas do Estado, Alexandre Postal, volta a derrubar, a partir de decisão monocrática, a medida cautelar e autoriza a concretização do negócio. Rapidamente, o governador Eduardo Leite assinou, na noite de 7 de julho, no Palácio Piratini, o contrato de venda e a transferência da Corsan para o grupo Aegea, que agora a 1ª Câmara do TCE-RS decidiu pela anulação da privatização da estatal.

Atualmente, a Corsan atua em 317 municípios, atendendo cerca de 6,5 milhões de gaúchos, pouco mais da metade da população do Estado.

 

Com Assessoria da Bancada do PT na Assembleia Legislativa, Corsan, Sindiágua e Valor Econômico

Fórum Cinturão e Rota projeta outra década de ouro

Dilma Rousseff, presidente do Banco do Brics, ao lado do presidente XI e esposa – Foto Xinhua, Pang Xinglei

A China realizou esta semana o 3º Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional (BRF), em Pequim. O evento marcou o 10º aniversário da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) e inaugurou o que o presidente da China Xi Jinping chamou de outra “década de ouro”.  Desde que foi anunciada, há uma década, a BRI já se tornou a maior plataforma mundial de cooperação internacional, com a participação de mais de 150 países e 30 organizações internacionais nos cinco continentes. Um bilhão de dólares foi gasto ou comprometido em projetos que estão transformando cada vez mais as perspectivas de desenvolvimento de dezenas de países na Ásia, África, América Latina, Oriente Médio, Caraíbas e Pacífico. 

Além das iniciativas e acordos concretos, a reunião na capital chinesa também foi uma exibição da abordagem da China de desenvolvimento pacífico e cooperação vantajosa para todos – que os chineses definem como cooperação ganha-ganha -, representando as aspirações da grande maioria da comunidade internacional, enquanto a abordagem dos Estados Unidos (EUA) é de confronto, exclusão e dissociação dos aliados.

Muitos especialistas também fizeram uma comparação nítida entre a mensagem de paz, desenvolvimento e cooperação da BRF na capital chinesa e o apoio dos EUA aos conflitos mortais na Europa e no Oriente Médio. É impressionante que enquanto os líderes chineses e globais falavam sobre desenvolvimento e cooperação, o presidente dos EUA, Joe Biden, visitou Israel para “mostrar solidariedade” na guerra de Israel em Gaza, apesar do agravamento da crise humanitária. 

Xi Jinping anunciou oito medidas importantes que a China tomará para apoiar a cooperação qualificada no Cinturão e Rota. Primeiro, construirá uma rede multidimensional de conectividade do BRI, disse Xi em um discurso na cerimônia de abertura do terceiro Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional.

O país irá acelerar o desenvolvimento  do Expresso Ferroviário China-Europa. A China, juntamente com outras partes envolvidas, construirá um novo corredor logístico em todo o continente euroasiático, ligado por transporte ferroviário e rodoviário direto.

Em segundo lugar, a China apoiará uma economia mundial aberta, com o seu comércio total de bens e serviços que deverá exceder 32 bilhões de dólares e 5 bilhões de dólares, respectivamente, no período 2024-2028, disse Xi.

Terceiro, a China realizará 1.000 projetos de assistência aos meios de subsistência em pequena escala e irá melhorar a cooperação na educação profissional, prometeu o presidente. Ele assegura mais apoio financeiro aos projetos da BRI com base na operação de mercado e de negócios, observando que o Banco de Desenvolvimento da China e o Banco de Exportação e Importação da China criarão, cada um, uma janela de financiamento de 350 bilhões de yuans (48,75 bilhões de dólares americanos), e que um adicional de 80 bilhões de yuans será injetado no Fundo da Rota da Seda.

Em quarto lugar, a China continuará a promover o desenvolvimento verde. O país aprofundará ainda mais a cooperação em áreas como infraestruturas verdes, energia verde e transportes verdes, e intensificará o apoio à Coligação Internacional para o Desenvolvimento Verde da BRI.

Quinto, a China continuará a promover a inovação científica e tecnológica e implementar o Plano de Ação de Cooperação em Ciência, Tecnologia e Inovação do Cinturão e Rota.  Realizará a primeira Conferência do Cinturão e Rota sobre Intercâmbio de Ciência e Tecnologia.

A China apresentou a Iniciativa Global para Governança de Inteligência Artificial (IA) no fórum deste ano. “Estamos prontos para aumentar os intercâmbios e o diálogo com outros países e promover conjuntamente o desenvolvimento sólido, ordenado e seguro da IA ​​no mundo”, disse Xi.

Sexto, a China apoiará o intercâmbio entre pessoas. Para melhorar o diálogo com os países parceiros do BRI, sediará o Fórum Liangzhu. Além da Liga Internacional de Teatros da Rota da Seda, do Festival Internacional de Artes da Rota da Seda, da Aliança Internacional de Museus da Rota da Seda, da Aliança Internacional de Museus de Arte da Rota da Seda e da Aliança Internacional de Bibliotecas da Rota da Seda que foram criadas, a China também lançou a Aliança Internacional de Turismo das Cidades da Rota da Seda.

Sétimo, a China promoverá a cooperação do Cinturão e Rota baseada na integridade, conforme Xi. Juntamente com os seus parceiros de cooperação, divulgará as Conquistas e Perspectivas da Construção da Integridade do Cinturão e Rota e os Princípios de Alto Nível sobre a Construção da Integridade do Cinturão e Rota, e estabelecerá o Sistema de Avaliação de Integridade e Conformidade para Empresas Envolvidas na Cooperação do Cinturão e Rota.

Oitavo, a China fortalecerá o institucional para a cooperação internacional do Cinturão e Rota. Por isso, a construção de plataformas de cooperação multilateral com abrangência em energia, tributação, finanças, desenvolvimento verde, redução de desastres, anticorrupção, grupos de reflexão, mídia, cultura e outros campos.

Corredor econômico Rússia, Mongólia e China

A China pretende desenvolver um corredor econômico ligando a Rússia através da Mongólia, anunciou o presidente Xi Xinping numa reunião com o seu homólogo mongol, Ukhnaagiin Khurelsukh. 

O projeto do Corredor Econômico China-Rússia-Mongólia foi lançado pela primeira vez em 2016.  Uma agência da ONU, que apoia os países em desenvolvimento, já elogiou o projeto, observando num relatório “que a localização estratégica da Mongólia entre a Rússia e a China oferece uma oportunidade única para fortalecer as ligações comerciais entre a Ásia e a Europa, expandindo ao mesmo tempo o seu alcance a novos mercados”.  

O projeto, apelidado de Power of Siberia 2, trará gás natural da península russa de Yamal para a China. Anteriormente, esses campos de gás serviam o mercado da UE através de vários gasodutos, incluindo o Nord Stream, que foi sabotado em setembro de 2022. Agora, a Rússia busca reorientar as suas exportações de gás para a Ásia no meio de sanções que os EUA e os seus aliados impuseram contra Moscou devido ao conflito na Ucrânia.

Com as agências de notícias Xinhua, Global Times e Russian Today

Até FMI reconhece que Brasil vai crescer acima da média mundial em 2023

O relatório do Panorama Econômico Mundial divulgado nesta semana pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) diz que o Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos) brasileiro crescerá 3,1% em 2023, alta de 1 ponto percentual em relação à estimativa anterior, apresentada em julho passado. Em contrapartida, a estimativa de expansão para a economia global caiu de 3,5% para 3% neste ano.

Para 2024, o FMI melhorou a previsão de crescimento para o Brasil, de 1,2% para 1,5%, e reduziu levemente a projeção de crescimento global de 3% para 2,9%. O documento foi apresentado em Marrakech, no Marrocos, onde o Banco Mundial realizou sua reunião anual em parceria com o FMI.

O FMI citou três fatores principais para a melhoria das estimativas econômicas para o Brasil. Segundo o relatório, a “agricultura dinâmica” e os “serviços resilientes” no primeiro semestre, acompanhado da manutenção do consumo forte por causa de estímulos fiscais, contribuíram para melhorar o desempenho da economia brasileira em relação às estimativas iniciais.

Apesar de melhorar as projeções para o Brasil, o FMI citou riscos para o país. Segundo o órgão, a inflação persistente e o endividamento das famílias continuam a preocupar. Certamente não foi incluído nesta análise o programa Desenrola Brasil que começou em outubro e vai beneficiar pessoas que ganham até dois salários mínimos ou que estejam inscritas no CadÚnico. São R$ 126 bilhões em descontos para cerca de 32 milhões de brasileiros.

O relatório também mencionou a falta de espaço fiscal para gastos prioritários e riscos decorrentes das mudanças climáticas. As previsões do FMI estão mais em linha com as estimativas do governo brasileiro. A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda prevê expansão de 3,2% da economia brasileira em 2023 e de 2,3% em 2024.

Já a mídia corporativa especializada preferiu focar na dívida pública brasileira. O economista-chefe do Banco Mundial, Indermit Gill, ressaltou que o Brasil não está no grupo de países pressionados pelo crescente peso da dívida pública. Ainda assim, segundo ele, o Brasil sofre do chamado “crowding out”, um termo usado por economistas quando se avalia que o efeito da elevação dos gastos públicos para estimular a economia é anulado pela redução dos investimentos privados.

No documento, a instituição prevê que a dívida pública bruta do Brasil vai subir para 88,1% do PIB em 2023. A previsão é que o indicador siga em alta nos cinco anos seguintes, até atingir 98% do PIB em 2028. O caminho para minimizar o impacto do “crowding out” sobre o crescimento é, na avaliação do presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, a adoção de uma postura cautelosa em termos de estabilidade macroeconômica e fiscal, uma estratégia que o Brasil estaria seguindo com as reformas já aprovadas ou em discussão no Congresso.

É a velha fórmula do FMI de sempre sugerir a redução os investimentos do governo para alavancar a economia. Um dos caminhos da “estabilidade macroeconômica” citada é conter o excesso de inflação com a restrição à oferta de dinheiro. Isso o Banco Central “independente” brasileiro já faz com a taxa básica de juros, a Selic, nas alturas. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que em setembro foi de 0,26%, nos últimos 12 meses ficou em 5,19%. Como a taxa Selic está em 12,75% ao ano, a rentabilidade dos aplicadores em títulos públicos está em 7,56% pontos percentuais ao ano acima da inflação.

O arcabouço fiscal do governo Lula já é suficiente para controlar os investimentos federais. Agora, o Brasil poderia reduzir sua dívida se acabasse com as operações compromissadas, que em outras palavras, significam remuneração da sobra de caixa dos bancos. O gasto com tais operações, que correspondem à remuneração de um depósito voluntário feito por bancos junto ao Banco Central, custou cerca de R$ 1 trilhão de reais em 10 anos (2009 a 2018), conforme números oficiais. O problema dessa operação é que ela é incluída no cômputo da dívida pública. Quanto mais essas operações o BC realiza, mais a dívida pública é afetada.

Outro assunto proibido pela mídia corporativa sobre a dívida pública é a denúncia que consta no livro “O Complô – como o sistema financeiro e seus agentes políticos sequestraram a economia brasileira” (2017), do deputado federal constituinte, eleito em 1986 pelo MDB do Rio Grande do Sul, Hermes Zaneti. Ele vai nos detalhes de um dos episódios mais surpreendentes em relação aos dispositivos constitucionais.

Zaneti fez uma aprofundada pesquisa unindo seu material como constituinte, matérias publicadas em jornais e outras investigações sobre as origens de determinados itens que teriam sido enxertados misteriosamente na Constituição de 1988. Um deles é a alínea “b” do inciso II do parágrafo 3 do artigo 166. O parágrafo 3º ressalva que as emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:

II – Indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidem sobre:

  1. a) Dotações para pessoal e seus encargos
  2. b) Serviço da dívida
  3. c) Transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal

A alínea b significa que tem que pagar os juros da dívida e não pode bufar. Não interessa se tem brasileiro passando fome, se nossas escolas públicas estão um lixo, não tem como dar um salário digno aos professores ou se falta dinheiro para infraestrutura. Nesse dinheiro não pode mexer. 

A previsão do Tesouro Nacional é que a dívida pública encerre o ano de 2023 entre R$ 6,4 trilhões e R$ 6,8 trilhões. O dado consta no Plano Anual de Financiamento (PAF), divulgado em janeiro deste ano. As instituições financeiras seguem como principais detentoras da Dívida Pública Federal interna, com cerca de 30% de participação no estoque.

Segundo a Associação dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), entre 2018 e 2020, os juros nominais da dívida – que não levam em conta a inflação do período – ficaram em média em R$ 353 bilhões, ao ano, números do BC. Em 2021, quando a Selic começou a subir no governo Bolsonaro, a conta de juros passou para R$ 448 bilhões. Já em 2022, com os juros em 13,75%, foi R$ 586 bilhões. A previsão do mercado para 2023 é que o valor dos juros da dívida chegue próximo de R$ 800 bilhões. 

Com Agência Brasil e Valor Econômico

 

RS está em segundo lugar entre estados com maiores áreas de desmatamento para agricultura

No período de 1985 a 2022, os cinco estados com maiores áreas de desmatamento para conversão direta para agricultura foram Mato Grosso (3 milhões de hectares), Rio Grande do Sul (2,6 milhões de hectares), Bahia (1,8 milhão de hectares), Maranhão (790 mil hectares) e Goiás (550 mil hectares). A análise é da rede colaborativa de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas) e foi divulgada nesta sexta-feira (6).

O MapBiomas destaca que a conversão direta de vegetação nativa para a agricultura permaneceu relativamente constante ao longo dos anos que acompanhou. Além disso, o que se nota é uma tendência de declínio entre 2018 e 2022.

Outro aspecto que a equipe de especialistas destaca é que, embora tenha havido constância, houve mudanças na distribuição geográfica dessas conversões. As novas fronteiras agrícolas se concentram na região conhecida como Matopiba (acrônimo que se refere aos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), Amacro (território de fronteira entre os estados do Amazonas, Acre e Rondônia e um dos eixos do agronegócio) e no bioma Pampa.

O Pampa Sul-americano sofreu transformações significativas na paisagem ao longo das últimas duas décadas. A maior perda proporcional de vegetação nativa foi no Rio Grande do Sul, com 21.356 km² (20% da área existente em 2000), sobretudo devido à expansão das áreas agrícolas para o plantio de soja. Esses dados do bioma Pampa foram calculados por pesquisadores do MapBiomas do Brasil, em parceria com profissionais da Argentina e Uruguai, que produziram a série de mapas anuais de cobertura e uso da terra mais completa já elaborada para o bioma.

Grãos e cana

Dois tipos de lavoura respondem por praticamente todo o movimento de expansão (96%), sendo que triplicaram no período de análise: a de grãos e a de cana. Em 1985, os dois tipos de cultivo ocupavam 18,3 milhões de hectares e, em 2022, sua área equivalia a 7% do território nacional, ou 58,7 milhões de hectares.

Dessa parcela, 35 milhões de hectares são oriundos do aumento no protagonismo da soja que, sozinha, aumentou a área cultivada quatro vezes, e do milho cultivado após a colheita da soja, conforme lembram os pesquisadores do MapBiomas.

“A soja, o milho, a cana-de-açúcar são as três culturas com maior área, no Brasil. Existe também uma demanda muito importante para o arroz. A área dessas culturas reflete a demanda em relação as condições de produção no país. No caso da soja, o principal destino é a alimentação animal e, no caso da cana, o setor de energia”, observou o coordenador do MapBiomas, Tasso Azevedo.

Agropecuária

Entre 1985 e 2022, a área reservada à agropecuária no Brasil cresceu 50%, ocupando 95,1 milhões de hectares (ha), que equivale a 10,6% do território nacional, maior que a do estado de Mato Grosso, por exemplo.  O levantamento aponta que quase dois terços (64%) da expansão da agropecuária no país – ou 64,5 milhões de hectares – deriva do desmatamento para pastagem. Já o desmatamento feito na etapa de preparo da terra para a agricultura corresponde a 10% da expansão e equivale a 10 milhões de hectares. Pouco mais de um quarto (26%) da ampliação da atividade agrícola – ou 26,7 milhões de hectares – abrange terras que já passaram por um processo de transformação devido à ação do ser humano.

Em 1985, a agropecuária ocupava um quinto (22%) do território do Brasil, ou 187,3 milhões de hectares. Quase quatro décadas depois, constata-se que a proporção cresceu para 282,5 milhões de hectares, ou um terço do território brasileiro. Desse total, 58% são de pastagens, que tiveram um crescimento de mais de 60% entre 1985 (103 milhões de hectares) e 2022 (164,3 milhões de hectares).

O aumento da área que serve ao cultivo agrícola foi de 41,9 milhões de hectares, no intervalo analisado pela equipe do MapBiomas. Nesse caso, o espaço utilizado passou de 19,1 milhões de hectares para 61 milhões de hectares. Em termos comparativos, pode-se dizer que o aumento foi de duas vezes a extensão do Paraná.

Pastagens

O levantamento também fornece informações sobre o desenvolvimento de áreas de pastagem ao longo das décadas. Entre 1985 e 2022, os cinco estados com maiores áreas de desmatamento para conversão à pastagem foram Pará (18,5 milhões de hectares), Mato Grosso (15,5 milhões de hectares), Rondônia (7,4 milhões de hectares), Maranhão (5,4 milhões de hectares) e Tocantins (4,5 milhões de hectares).

No caso do desmatamento para pastagens que posteriormente foram convertidas em áreas agrícolas, os destaques são os estados de São Paulo (2 milhões de hectares), Mato Grosso do Sul (1,2 milhão de hectares), Rio Grande do Sul e Mato Grosso (1,1 milhão de hectares cada) e Paraná (1 milhão de hectares).

Com Agência Brasil

A nova distribuição do poder global

Na famosa reunião secreta em Camp David, no estado de Maryland, 15 agosto de 1971, o então presidente dos Estados Unidos (EUA), Richard Nixon, acabou com o padrão ouro-dólar do regime de Bretton Woods e decretou o fim do regime monetário do pós-guerra. Surgia uma nova moeda totalmente fiduciária, sem lastros no ouro e com a possibilidade de emissão via decreto. A moeda fiduciária só possui valor porque o governo, empresas e pessoas em geral atribuem algum valor a ela. Portanto, seu valor é baseado na autoridade e confiança do emissor. 

A partir daí, a dívida pública dos EUA passa de US$ 70,2 bilhões (valor da época) em cinco anos do governo de Richard Nixon (1970-1974) para US$ 126,9 bilhões em dois anos do governo Gerald Ford (1975-1976), pulando para US$ 226,6 bilhões no governo de Jimmy Carter (1977-1980). Nos dois governos de Ronald Reagan (1981-1988) a dívida explode para US$ 1.338,7 bilhões, que representou algo em torno de 80% da circulação monetária total no mercado interbancário internacional.

E a dívida pública dos EUA continuou aumentando. Hoje, ultrapassou US$ 33 trilhões (cerca de R$ 160 trilhões) – pela primeira vez na história, conforme dados divulgados pelo Departamento do Tesouro. O recorde vem em meio a uma possível paralisação do governo norte-americano, que enfrenta um embate sobre gastos federais.

O Congresso norte-americano tem até este final de semana – 30 de setembro -, encerramento do atual ano fiscal, para chegar a um acordo para financiar o governo federal. Caso contrário, as agências federais terão que fazer uma paralisação, o que não acontece desde 2019.

Em 2023, a dívida dos EUA disparou ainda mais depois que o presidente dos EUA, Joe Biden, aprovou um projeto de lei no início de junho passado que removeu o teto da dívida de US$ 31,4 trilhões por dois anos, permitindo efetivamente ao governo continuar a contrair empréstimos sem limites até 2024. O teto foi suspenso após repetidas advertências do Tesouro de que, a menos que a medida fosse tomada, o país não cumpriria as suas obrigações.

No artigo “A retomada da hegemonia norte-americana” (1997), a economista Maria da Conceição Tavares explica que o componente do déficit dos EUA é crescente graças à mera rolagem da dívida pública. “Esta dívida é o único instrumento que os EUA têm para realizar uma captação forçada da liquidez internacional e para canalizar o movimento do capital bancário japonês e europeu para o mercado monetário americano…O preço desta ‘estabilidade’ tem sido a submissão dos demais países à diplomacia do dólar e ajuste progressivo de suas políticas econômicas, aspirando o ‘equilíbrio global do sistema’… O resultado deste movimento é que o espectro das taxas de crescimento, das taxas de câmbio e de juros passou a ser concêntrico ao desempenho destas variáveis no âmbito da economia americana.”    

O domínio do dólar nas transações cambiais no mundo foi definido no final da 2ª Guerra e tornou-se efetivo a partir da década de 1970. Já o tema da desdolarização entrou na pauta de forma mais consistente durante a crise financeira mundial de 2008 e se fortaleceu com as sanções econômicas impostas à Rússia pelo conflito com a Ucrânia, em 2022, com o bloqueio de US$ 643,2 bilhões. A rapidez com que os EUA impuseram sanções à Rússia, acompanhada dos reajustes da taxa básica de juros definida pelo banco central dos EUA (o Federal Reserve), levaram a um movimento de venda de dólares e investimento em outros ativos.

Outra medida dos EUA foi a exclusão de bancos russos da plataforma Swift, que viabiliza transferências e pagamentos internacionais. Segundo a agência Tass, a criação de uma alternativa ao Swift será uma das questões na agenda da reunião dos países do Brics no próximo ano, informou o ministro das Finanças russo, Anton Siluanov, num fórum, acrescentando que alguns membros do Brics já possuem os seus próprios sistemas.

Movimentos recentes mostram o aumento da utilização da moeda chinesa, o renminbi (RMB), entre Rússia e China; Arábia Saudita e Índia disseram que vão trabalhar usando a rúpia indiana. Um dos focos dos chineses na cruzada contra o dólar é o petróleo. Desde o ano passado, a China, maior importadora global da commodity, vem discutindo com a Arábia Saudita e com outros países do Golfo Pérsico que o comércio de barris também seja feito em moedas locais.

Segundo a BBC News, os bancos centrais de todo o mundo estão usando os dólares de suas reservas para comprar ouro com o objetivo de reduzir sua dependência dos EUA. O Conselho Mundial do Ouro, organização dedicada ao desenvolvimento de mercado para o setor, informou que as autoridades monetárias adicionaram em 2022 a maior quantidade de ouro às suas reservas desde 1950 (início da série histórica). E os dados deste ano indicam que essa tendência vai continuar.

Só que os países devem ser prudentes e manter o ouro em seus cofres. Em 2022, o Supremo Tribunal de Londres rejeitou a solicitação do presidente Nicolás Maduro para obter o controle de mais de US$ 1 bilhão das reservas de ouro da Venezuela armazenadas nos cofres subterrâneos do Banco da Inglaterra devido às sanções.

O conflito está instalado. A hegemonia do dólar é imprescindível para os Estados Unidos preservarem o poder global. Ao mesmo tempo, usar o dólar como arma de disputa geopolítica torna-se incompatível com o mundo multipolar que está em formação, principalmente pelas ações dos países integrantes do Brics.