Indústria avança no processo de recuperação

A produção industrial brasileira cresceu 0,9% na passagem de fevereiro para março. O ganho de ritmo acontece após a variação de 0,1% verificada no mês anterior. No ano, acumula alta de 1,9% e, em 12 meses, variação positiva de 0,7%. Com esses resultados, a indústria se encontra 0,4% acima do nível pré-pandemia (fevereiro de 2020) e 16,3% aquém do ponto mais alto da série histórica, obtido em maio de 2011. Os dados são da Pesquisa Industrial Mensal (PIM – Brasil), divulgada hoje (3) pelo IBGE.

“O desempenho positivo da indústria nos dois últimos meses não elimina a queda observada em janeiro, mas é uma melhora de comportamento. Em março, o crescimento ficou concentrado em poucas atividades, com apenas cinco delas mostrando expansão. Houve, portanto, uma mudança em relação à dinâmica vista em janeiro e fevereiro, quando ocorreu predomínio de taxas positivas entre as atividades pesquisadas”, analisa o gerente da Pesquisa Industrial Mensal (PIM), André Macedo. Ele também destaca o ganho de ritmo verificado ao fim do primeiro trimestre de 2024, uma vez que o último trimestre de 2023 registrou crescimento de 1,1%.

Essa pequena melhora pode ser atribuída, pelo menos, a expectativa otimista do setor a nova política industrial com metas e ações ambiciosas para o desenvolvimento até 2033, lançada em janeiro passado. São R$ 300 bilhões, do Plano Mais Produção, para financiamento de ações da neoindustrialização até 2026; projetos de inovação terão linhas de crédito com taxas TR+2% ao ano; e, em relação às compras públicas, decretos trazem definições sobre exigência de aquisição ou margem de preferência para produtos nacionais.

No entanto, o que está segurando uma retomada mais intensa da economia é o controle da política monetária, que ainda está nas mãos do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, no cargo desde 2018, ainda no governo Bolsonaro. E só sairá no final de 2024. Além das altas taxas de crédito para produção e consumo, a taxa básica de juros foi reduzida até agora no governo Lula a conta gotas para 10,75% pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC.

Enquanto isso, o índice IPCA-15 de abril desacelerou e ficou em 0,21% e a inflação acumulada de 12 meses caiu para 3,77%. Então, os bancos, as grandes fortunas, ganham líquido com os títulos públicos, mesmo com as últimas reduções, 6,98 pontos percentuais ao ano sem produzir nada. E os economistas de plantão da mídia corporativa culpam a inflação, o que não tem a menor lógica.

De fevereiro para março, duas das quatro grandes categorias econômicas e somente cinco dos 25 ramos industriais pesquisados mostraram avanço na produção. As principais influências positivas vieram de produtos alimentícios (1,0%), produtos têxteis (4,5%), impressão e reprodução de gravações (8,2%) e indústrias extrativas (0,2%).

Responsável pelo maior impacto positivo no resultado deste mês, o setor de produtos alimentícios registrou o segundo mês seguido de expansão na produção, período no qual acumulou um ganho de 1,1%. “O comportamento do ramo de produtos alimentícios foi semelhante ao da indústria em geral, com queda no mês de janeiro, seguida de crescimento nos dois meses seguintes. É um segmento que está 7,3% acima do patamar pré-pandemia. Em março, o resultado pode ser explicado principalmente pela parte de complexo de carnes e do item açúcar”, explica André.

O segmento de produtos têxteis (4,5%), por sua vez, também teve o segundo resultado positivo seguido, com crescimento acumulado de 8,9%. No entanto, o setor ainda está 11,0% distante do patamar pré-pandemia. A atividade vinha de três resultados negativos em sequência (janeiro/2024, dezembro/2023 e novembro/2023).

Em relação às grandes categorias econômicas, ainda na comparação com fevereiro, os setores de bens intermediários (1,2%) e bens de consumo semi e não duráveis (0,9%) mostraram taxas positivas. Já bens de consumo duráveis (-4,2%) e bens de capital (-2,8%) registraram reduções em março. Enquanto o primeiro interrompeu três meses seguidos de expansão, período em que acumulou ganho de 11,3%, o segundo eliminou parte do crescimento de 14,7% acumulado em dois meses consecutivos de avanço na produção.

 

Programa Acredita pretende ampliar acesso ao crédito à micro e pequenas empresas

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou, nesta semana, a Medida Provisória que cria o Programa Acredita, um pacote de ações de acesso a crédito e renegociação de dívidas de microempreendedores individuais (MEI) e micro e pequenas empresas. Com o objetivo de estimular a geração de emprego e renda e o desenvolvimento econômico, o programa também prevê ampliação de crédito para mulheres empreendedoras e incentivos a investimentos estrangeiros em projetos sustentáveis. 

O texto já está em vigor, mas para virar lei precisa ser analisado em uma comissão mista, e depois votado na Câmara dos Deputados e no Senado. As MPs valem por até 120 dias. Se não forem aprovadas pela Câmara e pelo Senado nesse período, ou se forem rejeitadas, perdem a validade.

Lula tenta avançar no que é possível, já que não controla a política monetária e não poderá mexer em questões fundamentais como taxa básica de juros, a Selic, e ampliar o crédito de forma consistente até o final de 2024. A aprovação da Lei Complementar 179/2021, de fevereiro de 2021, estabeleceu a “autonomia” do Banco Central (BC), sancionada pelo governo Bolsonaro.

 A taxa básica de juros, que estava em 2% ao ano em março de 2021, foi sendo reajustada até chegar a 13,75%. Ao manter a taxa Selic em 13,75% durante um ano, desde o início de agosto de 2022, o governo Bolsonaro promoveu um dos maiores planos de concentração de renda dos últimos tempos.

A política monetária é um instrumento de estabilização econômica e utiliza como instrumento principal a taxa básica de juros de curto prazo e atua na quantidade de moeda em circulação, no crédito e na liquidez global do sistema econômico. O controle dessa política fundamental para destravar a economia do país está nas mãos do presidente do BC, Roberto Campos Neto, no cargo desde 2018, ainda no governo Bolsonaro. E só sairá no final de 2024, conforme definiu a Lei Complementar 179/2021.

A taxa básica de juros, que estava em 13,75% ao ano no governo Bolsonaro, foi reduzida até agora para 10,75% pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, que é composto por oito membros da Diretoria Colegiada,  quatro já indicados pelo governo Lula.

Enquanto isso, o índice IPCA-15 de abril desacelerou e ficou em 0,21% e a inflação acumulada de 12 meses caiu para 3,77%. Então, os bancos, as grandes fortunas, ganham líquido com os títulos públicos, mesmo com as últimas reduções, 6,98 pontos percentuais ao ano sem produzir nada.  Praticamente nenhum Banco Central no mundo paga uma taxa dessas por seus títulos públicos.  

Mesmo assim, os velhos economistas de plantão da mídia corporativa dizem que nível de emprego elevado favorece atividade econômica, pode impulsionar crescimento, mas pressiona inflação e pode interferir na intensidade do corte de juros.

A desculpa esfarrapada para manter a concentração de renda foi sempre o combate à inflação, que no Brasil não é de consumo, mas de custos de produção. Neste caso, o aumento da taxa de juros sufoca a economia. Mas a canalhice continua.

Uma análise aos clientes feita pelo Citi Bank diz que o ritmo de aumento dos salários não está compatível com a produtividade. “Se o salário sobe em linha com a produtividade, não gera pressões inflacionárias. Mas, se essa alta não vem ancorada, há potenciais riscos de surgirem pressões inflacionárias à frente”.

O economista do Citi vive em outro mundo. O que o Brasil precisa é aumento de salário, consumo, e assim aumentar a produção. A produtividade está ligada à qualidade do trabalho e sempre será necessária em qualquer tempo.

A indústria química brasileira, por exemplo, atingiu o menor nível de capacidade instalada da história no ano de 2023, de 64%. O valor é seis pontos porcentuais abaixo do registrado no ano anterior, segundo os dados consolidados do Relatório de Acompanhamento Conjuntural (RAC) feito pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), entidade que representa o setor.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), em 2023 o nível de capacidade instalada no setor permaneceu em 75,5%, marcando uma variação negativa de 4,6% em relação a 2022, quando atingiu 79,2%.

Sufoco do pequeno empresário

“Não tem nada mais imprescindível para uma sociedade, qualquer que seja ela, se desenvolver, se ela não tiver condições de ter oportunidade e se ela não tiver crédito. O banco não foi preparado para receber pobre, para receber as pessoas que não chegam de terno e gravata e não chegam bem-vestidos. O que nós estamos fazendo é criando as condições para que, independentemente da quantidade, da origem social, do tamanho dos negócios, as pessoas tenham o direito de ter acesso ao sistema financeiro e pegar um crédito”, disse o presidente Lula durante a cerimônia no Palácio do Planalto. De acordo com dados do Serasa Experian, cerca de 6,3 milhões de micro e pequenas empresas estavam inadimplentes em janeiro de 2024, maior número da série iniciada em 2016.

O Programa Acredita cria o programa de crédito ProCred 360 destinado a MEI e microempresas com faturamento anual limitado a R$ 360 mil. A iniciativa estabelece condições especiais de taxas e garantias por meio do Fundo Garantidor de Operações (FGO), administrado pelo Banco do Brasil.

Para esse público, o programa oferece juros fixados em Taxa Selic mais 5% ao ano, uma taxa menor que a do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). Além disso, o programa permite o pagamento de juros no período de carência, “contribuindo para uma melhor organização financeira dos tomadores de crédito”.

Para as empresas de porte médio, com faturamento de até R$ 300 milhões, a medida reduz os custos do Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac), com 20% de redução do Encargo por Concessão de Garantia (ECG).

O Programa Acredita está baseado em quatro eixos principais. O primeiro é o Acredita no Primeiro Passo, política destinada a famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único (CadÚnico); os informais; as mulheres que recebem o Bolsa Família; os pequenos produtores rurais que acessam o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); e o apoio ao programa Fomento Rural. Esse eixo será desenvolvido no âmbito do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado.

Preocupação do Ocidente com ferramentas financeiras próprias do Brics

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, declarou esta semana a crescente preocupação do Ocidente com o trabalho dos países do BRICS para desenvolver os seus mecanismos financeiros independentes. “Este trabalho está preocupando cada vez mais os Estados Unidos e os seus aliados, pois se for bem-sucedido irá questionar seriamente os mecanismos de globalização que estão atualmente funcionando sob a liderança do Ocidente”, disse Lavrov numa reunião da comissão do Conselho Geral do partido Rússia Unida sobre cooperação internacional e apoio aos compatriotas no exterior.

Segundo o ministro, a Rússia tem interesse em aumentar o papel dos estados do BRICS nos sistemas monetário, financeiro e comercial internacional, desenvolvendo a cooperação interbancária, expandindo o uso de moedas nacionais e criando a sua própria bolsa. O principal diplomata russo observou que o Ocidente começou a “abusar descaradamente” dos mecanismos internacionais, utilizando-os para suprimir concorrentes e punir dissidentes.

A influência política e econômica do bloco aumentou significativamente desde que duras restrições foram impostas à Rússia pelos Estados Unidos, União Europeia e outros países ocidentais após o início do conflito na Ucrânia em 2022. Nenhum dos membros do BRICS aderiu à campanha ocidental e continuou ou impulsionou o comércio com a Rússia.

Em 2023, seis países foram convidados a tornarem-se membros a partir de 2024 – Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Egito e Etiópia -, entre mais de 20 candidatos. O então presidente da Argentina, Alberto Fernández, confirmou a adesão. No entanto, Brasil e Argentina no Brics seria uma derrota geopolítica inaceitável para os Estados Unidos, já com muitas dificuldades no Oriente Médio e Eurásia.

Então, providencialmente, surge o típico candidato títere do império, o caricato Javier Milei, que acabou assumindo a presidência na Argentina. Logicamente, ele recusou aderir ao Brics, considerando que isso não era oportuno para o país e que sua parceria seria com Estados Unidos e com Israel e não com “comunistas”.

Em fevereiro passado, na primeira reunião do Brics sob a presidência da Rússia, a Arábia Saudita não compareceu. O regime controlado pelo príncipe Mohammed bin Salman deve estar sofrendo uma pressão fortíssima dos Estados Unidos. A dolarização do petróleo deu seu passo inicial ao término das negociações na Conferência de Yalta (4 a 11 de fevereiro de 1945), quando o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, se encontrou com o fundador do Reino da Arábia Saudita, rei Abn Saud, no dia 14 de fevereiro de 1945 no navio militar USS Quincy, próximo ao canal de Suez. Aprofundaram os termos do acordo de 1936, em que se definia a inserção exclusiva das empresas dos Estados Unidos dentro do reino, em troca da proteção militar norte-americana. Para o desespero dos Estados Unidos com o mundo multipolar, é só uma questão de tempo.  

Sob a supervisão de Moscou, o BRICS realizará mais de 200 eventos em 2024, cobrindo uma ampla gama de questões. O principal evento da presidência da Rússia será a reunião em outubro próximo, em Kazan, no Tartaristão, na região russa do Volga.

Alternativa ao FMI

Também esta semana o embaixador etíope Cham Ugala Uriat disse que é vital para o BRICS criar um sistema monetário internacional alternativo. Uriat afirmou que os membros do bloco devem colaborar para melhorar as suas economias e criar uma nova alternativa ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), com sede em Xangai, criado pelos integrantes do BRICS e inaugurado em 2015, deve ser fortalecido para que possa “contribuir para os estados membros do BRICS”, argumentou o embaixador.  Uriat expressou confiança de que isto permitiria ao NBD servir como uma alternativa ao FMI e ao Banco Mundial.

O grupo BRICS de economias emergentes, anteriormente composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, sofreu uma grande expansão quando o Irã, a Etiópia, o Egito e os Emirados Árabes Unidos aderiram em janeiro deste ano. 

Em fevereiro passado, a chefe do NBD, Dilma Rousseff, observou que a adição dos novos membros aumentará a participação do grupo na produção econômica global dos atuais 35% para 40% até 2028. 

Em 2023, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participou da posse de Dilma Rousseff como presidente do banco do Brics, um instrumento financeiro do bloco que busca ajudar países em desenvolvimento. Para o Brasil, estão reservados um bilhão e setecentos milhões de dólares.

No seu discurso, o presidente Lula salientou um aspecto que sinaliza uma influência na direção de um mundo mais plural. Lula disse que os países não precisam ficar sempre atrelados ao dólar nas suas transações internacionais. Que é possível fazer um comércio direto usando as moedas locais, de uma maneira diferente e com muita paciência, uma marca dos chineses. E que o banco tem um potencial transformador para o mundo.

Com agências Brasil, Russian Today e Tass

Governo do Estado apela para mais um plano de desenvolvimento salvador

O título da matéria publicada site do governo do Estado RS esta semana foi certeiro: “Governo reúne empresários para construir nova agenda de desenvolvimento do Estado”. Ele escancara um dos principais problemas desse e dezenas de outros planos nas últimas décadas apresentados pelos governos neoliberais e das entidades do Sistema S para tirar o Rio Gr.ande do buraco. Mesas-redondas formadas pelos convidados nesses encontros debatem basicamente propostas das corporações empresariais.

O primeiro plano mais significativo das últimas décadas foi o Relatório Sayad, que apresentou recomendações atinentes ao setor público. Esse documento foi encomendado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) e apresentado à imprensa no início de janeiro de 1989, quando se tornou conhecido como “Relatório Sayad”, porque feito pela equipe do economista já falecido João Sayad, que foi ministro do Planejamento no governo José Sarney.

No final do século passado, esses planos tinham espaço na imprensa, mas aos poucos foram relegados a pequenas matérias somente no dia do lançamento, por total falta de consequências relevantes. Os diversos projetos foram esquecidos nas gavetas e serviram mais como marketing.

 Agora, o governador Eduardo Leite, que enfrenta a contrariedade do setor empresarial, liderado pela Fiergs, que questiona a necessidade de o governo aumentar impostos ou cortar benefícios fiscais, resgata a velha fórmula desgastada.

Ele organizou um encontro no Palácio Piratini com a participação de empresários,  presidentes e burocratas de entidades de classe, principalmente do Sistema S. Leite apresentou um pré-diagnóstico sobre competitividade do Estado, detalhamento das técnicas de construção do futuro plano de desenvolvimento e a coleta de ideias para a elaboração do Plano Estadual de Desenvolvimento Econômico, Inovador e Sustentável.

O problema é que o governo de Eduardo Leite aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), ainda no governo Bolsonaro, suspendendo por um período de até dez anos o pagamento da dívida do Estado, sob a justificativa de ajustar as contas.

A contrapartida foi que o RRF permite o congelamento de investimentos em educação, segurança, saúde, assistência e todas as demais áreas de atuação do poder público. Retira a autonomia do Estado e, inclusive, da Assembleia Legislativa sobre orçamento público, delegando decisões como o reajuste de servidores para os gestores do Ministério da Fazenda.

Outra questão que os burocratas do governo e convidados evitam discutir é a criação de um novo imposto estadual para produtos primários ou semielaborados. A Lei Kandir, aprovada em 1996, trouxe para os estados brasileiros a desoneração das exportações de produtos primários e semielaborados. Depois de 25 anos de espera, em 2020, finalmente a compensação para as perdas da Lei Kandir dos estados e municípios foi regulamentada, o que garantiu o repasse no total de R$ 58 bilhões, entre os anos de 2020 e 2037.

No entanto, só o Rio Grande do Sul, um estado agroexportador, que deverá receber cerca de R$ 6,5 bilhões até 2037, calcula perdas na ordem de R$ 80 bilhões no acumulado. Assim, os juros da dívida com a União e a Lei Kandir, provocaram déficits crescentes nas contas do Rio Grande do Sul, que não fecharam mais.

Consultoria internacional

A reunião no Palácio Piratini foi conduzida pela McKinsey & Company, que tem sede nos Estados Unidos, empresa de consultoria internacional contratada pelo Estado para apoiar o projeto. Não foi divulgado o valor do projeto e se houve licitação. A consultoria também fará a estruturação da nova Agência de Desenvolvimento do Estado, aprovada em dezembro passado pela Assembleia Legislativa.

Em julho de 2022, foi publicada no Diário Oficial da Estado a dispensa de licitação para contratação da consultoria McKinsey para o estudo sobre uma cadeia de hidrogênio verde no Rio Grande do Sul pelo valor de R$ 4,9 milhões.

Acompanhando as ações dos governos neoliberais gaúchos, percebe-se que eles não acreditam na capacidade dos técnicos do Estado desenvolverem planos consistentes para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, sem desembolsar milhões de reais com empresas norte-americanas. Um decreto assinado pelo governador José Ivo Sartori (MDB), por exemplo, encerrou as atividades da Fundação de Economia e Estatística (FEE) em 2017. A FEE foi criada em 1973, no governo de Euclides Triches, como Fundação de direito privado, destinada à execução de estudos, pesquisas e análises da economia do Estado e à elaboração de estatísticas, como órgão de apoio operacional do planejamento estadual.

A Fundação, que tinha sede própria com um número significativo de economistas extremamente capacitados, foi integrada a estrutura da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG) com a criação do Departamento de Economia e Estatística (DEE). A equipe reduzida sucumbiu no Centro Administrativo Fernando Ferrari.

Agora, todo o processo de construção do Plano Estadual de Desenvolvimento Econômico, Inovador e Sustentável conta com o auxílio e acompanhamento da Mckinsey. A consultora está operando junto com equipes técnicas do governo em uma base instalada no mesmo Centro Administrativo. A empresa treinará a equipe que operará a Agência de Desenvolvimento, oferecendo mentoria e capacitação.  

Além da subserviência neocolonial, o pior é que tudo pode acabar nos escaninhos, misturado com gotas de café e restos de sanduiches, como os diversos planos de desenvolvimento mirabolantes criados nas últimas décadas.

    

Garrote da dívida pública e a apropriação da riqueza nacional

A dívida líquida do setor público – balanço entre o total de créditos e débitos dos governos federal, estaduais e municipais – chegou a R$ 6,693 trilhões em fevereiro de 2024, o que corresponde a 60,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Em janeiro passado, o percentual da dívida líquida em relação ao PIB estava em 60,1% (R$ 6,565 trilhões). Portanto, em apenas um mês a dívida líquida aumentou em R$ 128 bilhões.

Em fevereiro deste ano, a dívida bruta do governo geral (DBGG) – que contabiliza apenas os passivos dos governos federal, estaduais e municipais – chegou a R$ 8,301 trilhões ou 75,5% do PIB, enquanto em janeiro foi de R$ 8,210 trilhões, 75,1% do PIB. Em um mês a dívida bruta aumentou em R$ 91 bilhões.

Para efeito de comparação, o Congresso Nacional aprovou o Orçamento da União para 2024 (PLN 29/2023), que prevê receitas e despesas de R$ 5,5 trilhões. Os recursos previstos para investimentos federais chegam a R$ 73,2 bilhões.

Os gastos com juros ficaram em R$ 65,166 bilhões em fevereiro deste ano, um aumento em relação aos R$ 64,153 bilhões registrados em fevereiro de 2023.

É só analisar os números acima para perceber que tem algo muito errado nas contas da União. Enquanto o governo federal tem para investir em 2024 R$ 73,2 bilhões, paga de juros da dívida pública, numa projeção simplificada, algo em torno de R$ 780 bilhões no mesmo período.

O Complô

Como celebração dos 35 anos da Constituição, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado promoveu em outubro de 2023 o debate “Uma Visão sobre a Dívida Pública”, com a análise do assunto desde a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) e seus impactos na realidade da população.

O encontro teve como ponto de partida a exibição do documentário O Complô – como o sistema financeiro e seus agentes políticos sequestraram a economia brasileira, obra inspirada no livro do ex-deputado constituinte gaúcho Hermes Zaneti, que levanta o tema do “rentismo”, definido como o ganho monetário não associado à produção, a exemplo do recebimento de juros por investidores.

O ex-deputado, diretores e participantes do documentário apresentaram suas visões sobre o que chamam de “conspiração do sistema financeiro e seus agentes infiltrados” nos três Poderes do Estado brasileiro. O debate foi comandado pelo presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), que também foi constituinte. 

Zaneti disse que, durante a discussão para elaboração da Constituição, chegou a apresentar um projeto para que a Carta Magna previsse uma auditoria nas contas públicas e a adoção de uma gestão transparente para que a sociedade pudesse acompanhá-la. A proposta foi rejeitada e os motivos são explicados na obra. 

Segundo ele, “O Complô” é a ação das instituições de poder federal, de forma coordenada, agindo contra o povo brasileiro que as mantém, a favor de uma minoria que se beneficia do rentismo. 

No documentário, o autor defende que a política econômica do Executivo esconde uma manobra para favorecer as elites financeiras, às custas do sacrifício da população, que convive com falta de investimentos em saúde, educação, além de carestia e baixos salários. Ele ainda destaca que cerca de R$ 2 trilhões dos R$ 5,5 trilhões do Orçamento da União são direcionados para pagar a dívida pública. Ainda de acordo com Zaneti, 82% dos mais de R$ 8 trilhões do atual valor bruto da dívida, são originários dos juros. 

“A Constituição foi criada com o equilíbrio necessário entre direitos e deveres, mas seu constante desmantelamento resultou no cenário dramático que vivemos hoje. A existência de uma dívida pública de R$ 8 trilhões, nunca devidamente auditada, que paga juros de mais de R$ 600 bilhões ao ano, juntamente com os juros extorsivos cobrados pelo mercado financeiro que prejudicam a nossa economia, destroem empregos e oprimem o povo são as barreiras que impedem uma melhor qualidade de vida para nossa população. Isso não é obra da natureza, mas sim resultado das ações e omissões do poder público ao longo do tempo. Ao mesmo tempo que é obra de um poder privado que se expande sem limites”, disse o ex-deputado ao citar um trecho do Manifesto dos Constituintes em apoio ao tema abordado pelo documentário. 

Didático 

Para o diretor do curta-metragem, Luiz Alberto Cassol, o grande mérito do filme é que ele abre uma perspectiva didática para expor, de forma clara e com base histórica, onde está o rentismo, como ele opera e a serviço de quem. Ele também liberou a obra para exibição em escolas e universidades. 

É fundamental dialogarmos, mas, acima de tudo, é (necessário) colocar, de forma didática, como opera o sistema financeiro, dia e noite retirando a possibilidade do povo brasileiro à sua emancipação. E daí, os demais assuntos como a importância da saúde, a importância da vida, a importância da Amazônia, todos esses temas vão perpassar pelo sistema financeiro. Porque esse sistema financeiro atinge todos esses temas”, afirma Cassol.

Na avaliação do ex-deputado e ex-ministro do Trabalho, das Comunicações e da Previdência Ricardo Berzoini, responsável por incentivar a transformação do livro em documentário, os direitos sociais, civis e econômicos conquistados pela Constituição estão em disputa desde a sua promulgação. Na sua visão, o sistema financeiro e sua sanha por dividendos colocam em risco a soberania nacional. 

“De 1988 para cá, apesar de a Constituição ter assegurado inúmeros direitos sociais importantes, a situação do povo brasileiro não melhorou na medida do que a Constituição propunha (….). E por que não melhorou? Não melhorou porque se aplicou exatamente sobre a economia brasileira o garrote da especulação financeira, da apropriação da riqueza nacional pelo 1% mais rico, especialmente pelo sistema financeiro”, acrescentou. 

Com Agência Brasil e Agência Senado

 

 

Citi Private Bank projeta a maior transferência de riqueza da história na próxima década

“Estamos hoje no meio da maior transferência de riqueza da história. Espera-se que US$ 70 trilhões sejam transferidos durante a próxima década para a próxima geração, a Y, também conhecida como os “millennials”, dos nascidos a partir da segunda metade dos anos 1980 até o início dos anos 2000. Já está acontecendo. É o maior volume da história recente. E esta mudança é muito importante na indústria de gestão de fortunas, como private equity, fundos de hedge e investimentos diretos.” Quem fez essa projeção foi Ida Liu, sino-americana chefe global da área que atende às famílias mais ricas do Citi Private Bank, em entrevista ao jornal Valor Econômico.

É risível a generalização da geração Y como beneficiária dessa transferência de trilhões. Como sempre, aqueles que vivem o mundo dos sonhos das famílias mais ricas fogem do tema incômodo da luta de classes. Na verdade, os beneficiários serão alguns poucos filhos de bilionários, aumentando ainda mais a concentração de renda no mundo e, consequentemente, pobreza e miséria da maioria da população.

Outro questionamento em relação à projeção de Ida Liu, do Citi Private Bank, é que ela está esquecendo, certamente de propósito, que na próxima década o grupo Brics, que representa o sul global, estará com um número bem maior de países e muito mais forte. E a primeira ação desse grupo liderado pela China e Rússia, do qual o Brasil faz parte, já está em andamento, a desdolarização da economia.

Para simplificar a análise, vamos ficar com a concentração de renda no pós-Segunda Guerra Mundial. O resultado desses movimentos do imperialismo foi que em 2020, 1% mais rico do mundo já detinha mais do que o dobro da riqueza do resto da humanidade combinada, de acordo com a Oxfam. Em relatório publicado na reunião anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, a instituição de caridade do Reino Unido disse que os impostos cobrados de indivíduos ricos e empresas estavam muito aquém do necessário, com recursos abaixo do esperado para serviços públicos. “A desigualdade econômica está fora de controle”, com 2.153 bilionários com mais patrimônio do que 4,6 bilhões de pessoas em 2019, segundo o estudo.

Todos os movimentos do neoliberalismo da segunda metade do século XX têm por trás o objetivo da burguesia de concentrar renda e poder. A razão foi que a destruição da Segunda Guerra Mundial, obrigou os Estados Unidos a criar o Foreign Assistance Act (Lei de Assistência Estrangeira), aprovado em março de 1948, conhecido como Plano Marshall. O auxílio foi estabelecido por meio de diferentes instrumentos de subsídios, financiamentos, entre outros. Em sua legislação, os valores, garantias, modalidades, remunerações, fundos etc. foram definidos em termos da moeda norte-americana.

Segundo o professor de Economia e Política Internacional, Maurício Metri, no artigo   “A ascensão do dólar e a resistência da libra: uma disputa político-diplomática”, como resultado do Plano Marshall os Estados Unidos não só tornaram possíveis os “milagres” nacionais de reconstrução e/ ou de crescimento, estabilizando as regiões estratégicas para a Guerra Fria, como também consolidaram a primazia de sua moeda ao longo das décadas seguintes, quando o mundo, em geral, presenciou uma época de prosperidade, que foi denominada a “Era de Ouro”, fundamentalmente para os Estados Unidos e Europa.

Assim surgiu o welfare state, o estado de bem-estar social, uma rede bem estabelecida de instituições sociais para proteger os cidadãos europeus, com base nos princípios da igualddade de oportunidades, distribuição equitativa da riqueza. Na verdade, a geopolítica da Guerra Fria do pós-Segunda Guerra Mundial foi que provocou o apoio dos Estados Unidos à região com incentivos econômicos do Plano Marshall para evitar o crescimento do comunismo da região.

No início dos anos 1970, o imperialismo sob o comando estadunidense recomeçou o processo de concentração de renda no mundo, fundamental para a sustentação do capitalismo. Michael Hudson, professor pesquisador de Economia na Universidade de Missouri, Kansas City, entende que ainda estamos vivendo uma consequência da Segunda Guerra Mundial, cujo resultado foi os Estados Unidos  assumirem o controle da organização econômica e política internacional a fim de operarem em interesse nacional próprio: “O Fundo Monetário Internacional para impor o controle financeiro dos Estados Unidos e dolarizar a economia; o Banco Mundial para emprestar dinheiro aos governos para bancar os custos de infraestrutura da criação de dependência  comercial nos alimentos e produtos manufaturados americanos; a promoção da agricultura de commodities; o controle pelos Estados Unidos/OTAN do petróleo, da mineração e dos recursos naturais; e organismos das Nações Unidas, sob o controle dos Estados Unidos, com poder de veto sobre todas as organizações internacionais criadas pelos Estados Unidos ou às quais eles se filiaram”.

A globalização da economia, com a financeirização ocupando espaço da produção; controle de suas riquezas, redução dos direitos dos trabalhadores, aposentados, entre outras ações, tudo levou a uma transferência de renda para milionários, hoje bilionários, e o aumento da pobreza no mundo. Se ocorria resistência, era usada a violência, golpes de estado e mesmo destruição de países como a Iugoslávia, Líbano, Síria e Iraque.

A burguesia dos países colonizados sempre foi aliada ao projeto neoliberal do império em troca de benesses, que na sua essência é concentrar a renda para si através do controle do Estado e da terra, inviabilizando um mercado interno consistente através de altas taxas de juros e baixos salários.

Essa mesma burguesia entrega as riquezas do país através de privatizações, principalmente as estratégicas para sua soberania, como as estatais de petróleo, minérios, energia e água em benefícios de fundos compostos de bilionários como o Citi Private Bank. Empresas saudáveis, construídas com os impostos pagos pela população são transformadas em geradoras de dividendos para esses fundos internacionais.

BNDES aprovou R$ 90 bilhões para a indústria

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já aprovou R$ 90 bilhões para a indústria brasileira desde 2023, disse o presidente da instituição, Aloizio Mercadante, durante a abertura esta semana do seminário “Descarbonização: Os Caminhos Para a Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil”. “A nossa meta é R$ 300 bilhões, já entregamos R$ 90 bilhões”, revelou. Os recursos integram o Plano Mais Produção, da Nova Indústria Brasil.

A Nova Indústria Brasil define metas para cada uma das seis missões que norteiam os esforços até 2033. Para alcançar cada meta, há áreas prioritárias para investimentos e um conjunto de ações propostas e que envolvem esforços de todos os ministérios membros do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) e do setor produtivo nacional. Serão R$ 300 bilhões para financiamentos destinados à nova política industrial até 2026.

Para reverter a desindustrialização precoce do país, a nova política prevê a articulação de diversos instrumentos de Estado, como linhas de crédito especiais, recursos não-reembolsáveis, ações regulatórias e de propriedade intelectual, além de uma política de obras e compras públicas, com incentivos ao conteúdo local, para estimular o setor produtivo em favor do desenvolvimento do país.

Segundo Mercadante, em 2023, as consultas no Banco cresceram 88%, as aprovações 32% e o desembolso 17%. “O projeto entra, é avaliado, é aprovado, o desembolso vai no ritmo em que os investimentos são feitos. É a melhor consulta dos últimos dez anos, a maior aprovação dos últimos nove anos e o maior desembolso dos últimos oito anos”, completou, referindo-se aos dois primeiros meses de 2024.

Durante sua participação no seminário, o presidente do Banco destacou ainda a importância do Fundo Clima, com recursos na ordem de R$ 10,4 bilhões, que foi regulamentado em março pelo comitê gestor. “É um instrumento novo e muito poderoso para a transição climática, para a descarbonização e para a transição elétrica”.

Mercadante lembrou que o BNDES é o banco que mais financiou energia renovável no mundo. E que 83% dos investimentos em energia renovável da América Latina, no ano passado, vieram para o Brasil. “O país tem todas as condições de liderar a transição para a economia e a transição com a energia sustentável”, disse.

Oportunidade no setor automotivo

 Para o presidente do BNDES, o Brasil está assistindo agora à recomposição da indústria automotiva. “Conseguimos aprovar R$ 5 bilhões por ano para a inovação. E uma de nossas determinações é induzir o P&D do carro híbrido no Brasil, para a gente poder ter novos produtos mais competitivos, mais eficientes, adequando a nossa realidade e a nossas potências internas”, defendeu. “O Brasil tem uma história de 48 anos com o etanol. Hoje temos etanol de segunda geração, com cada vez mais produtividade, cada vez mais eficiência. E a própria economia mundial está mostrando que essa rota é muito mais promissora do que o (carro) elétrico.”

Com BNDES

Resultados da Petrobras batem recordes, mas mídia corporativa só enxerga dividendos

Após o anúncio do resultado financeiro da Petrobras em 2023, com um lucro líquido de R$ 124,6 bilhões, segundo maior valor da história, a mídia corporativa surtou, publicando diversas matérias com viés ideológico, colunistas espumando pela boca, editoriais “demolidores”.

As ações da petroleira caíram cerca de 10% e os ADRs (American Depositary Receipts), os recibos de ações negociados no exterior, “desabaram” nas negociações do pré-mercado da Bolsa de Nova York, nos Estados Unidos. Alguns dias depois, a PETR3 subiu 3,03%  e PETR4 avançou 3,28%. Portanto, a queda no preço das ações foi um movimento circunstancial.

Tudo porque a Petrobras decidiu não pagar os dividendos extraordinários para os acionistas. A estatal anunciou que o Conselho de Administração (CA) autorizou o encaminhamento à Assembleia Geral Ordinária (AGO), prevista para 25 de abril próximo, a proposta de distribuição de dividendos equivalentes a R$ 14,2 bilhões relativos ao 4º trimestre de 2023. Caso haja aprovação da AGO, considerando os dividendos antecipados pela companhia ao longo do exercício, ajustados pela Selic, os dividendos totais do exercício de 2023 totalizarão R$ 72,4 bilhões. Já o lucro remanescente do exercício, de R$ 43,9 bilhões, a proposta do CA é de que seja integralmente destinado para a reserva estatutária, podendo ser utilizado exclusivamente para pagamento de dividendos no futuro.

“A gente segue pagando dividendo compatível com a nossa estratégia de crescimento. Investimos em projetos rentáveis que vão gerar dividendos futuros e garantir vida sustentável para a nossa empresa. Estamos olhando para as novas energias, sem abrir mão da produção de petróleo”, afirmou o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates.

O editorial do jornal O Globo de 13 de março deixou os leitores confusos. Primeiro está escrito “que a Petrobras é uma empresa de capital misto controlada pelo governo”. Logo após, “que os acionistas têm conhecimento das regras de governança que a protegem do risco de interferência do Palácio do Planalto”. Como diria Putin à Otan: Que regras? E vai adiante: “ter o controle não significa poder fazer o que se quer a qualquer hora, nem mudar a direção dos negócios ao sabor das próprias vontades”. Mas ter o controle não é exatamente isso?

Já meio atordoado por sua missão, o editorialista complementa: “Desde 2021, a Petrobras distribui entre os acionistas uma fatia extra dos lucros quando obtém bons resultados, os dividendos extraordinários. A expectativa de que voltassem a ser distribuídos neste ano alavancou as ações”. Bem, o governo Lula não pensa igual ao governo Bolsonaro em relação a Petrobras e ganhou as eleições. Os dividendos extraordinários foram suspensos porque a estatal tem planos de novos investimentos. No entanto, os rentistas brasileiros e da Bolsa de Nova York tinham a expectativa de continuarem a ganhar fortunas que praticamente nenhuma petroleira paga a seus acionistas. Realmente, a mídia corporativa perdeu a vergonha de defender interesses de fora, de bancos e fundos de bilionários.

A abertura maciça de capital da estatal só ocorreu no governo entreguista de Fernando Henrique Cardoso (PSDB): primeiro em 1997 – quando 180 milhões de ações foram vendidas na Bolsa de São Paulo – e depois em 2000 – quando a empresa passou a negociar papéis na Bolsa de Nova York.

Em 2001, a Petrobras distribuiu R$ 3,5 bilhões em dividendos, um aumento de 39% em relação a 2000.  No biênio 2021/2022, do governo Bolsonaro extrapolou ao pagar dividendos extraordinários aos acionistas, média anual de R$ 155,7 bilhões, 12 vezes maior que a média observada entre 2003 e 2020 (R$ 5,9 bilhões), conforme o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep). Claramente o objetivo do governo Bolsonaro era fatiar a Petrobras, como aconteceu com a venda da BR Distribuidora, e não investir em benefício do povo brasileiro, o verdadeiro dono da Petrobras.

Com a redução no pagamento de dividendos ordinários anunciado pela Petrobras referentes ao ano de 2023, a petroleira brasileira deixou o ranking das 20 companhias que mais pagam dividendos globalmente, elaborado pela gestora de fundos britânica Janus Henderson. Em 2022 — quando a Petrobras registrou lucro recorde de US$ 36,6 bilhões —, a petroleira figurou em segundo lugar, atrás apenas da mineradora australiana BHP.

O economista do Observatório Social do Petróleo, Eric Gil Dantas, avaliou que a reação negativa do mercado é um movimento especulativo com objetivo de pressionar a empresa a pagar os dividendos de forma imediata. “Há uma pressão para que a Petrobras pague ainda mais dividendos. Mesmo ela sendo a maior pagadora de dividendos do Brasil, o mercado sempre vai querer que a Petrobras pague mais, mesmo que isso prejudique o caixa da empresa”, destacou.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, explicou que os recursos apurados de lucro que não são obrigatórios de serem divididos (estão além do mínimo estabelecido pela Lei das Sociedades Anônimas). Os dividendos extraordinários foram para uma conta de contingência, que remunera o capital. “Num momento oportuno, o Conselho de Administração pode reavaliar a possibilidade de dividir parte ou a totalidade”, disse ao chegar ao Ministério da Fazenda acompanhado do ministro Fernando Haddad.

Com Agência Brasil, O Globo e Petrobras

Regulamentação do trabalho de motorista de aplicativo em debate

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou nesta semana um projeto de lei complementar, em regime de urgência, que regulamenta o trabalho de motorista de aplicativo. O texto foi enviado para votação no Congresso Nacional. Caso seja aprovada pelos parlamentares, passará a valer após 90 dias.

O objetivo do Projeto de Lei Complementar 12/24 é garantir aos motoristas de aplicativos um pacote de direitos trabalhistas e previdenciários e negociação entre patrões e trabalhadores via acordos coletivos. Como o texto ainda vai ser analisado por deputados e senadores, o PL pode sofrer modificações em relação ao que foi assinado pelo presidente Lula. A proposta não inclui entregadores que prestam serviço por aplicativo.

A proposta de projeto de lei é resultado de um grupo de trabalho, criado em maio de 2023, com a participação de representantes do governo federal, trabalhadores e empresas, e que foi acompanhado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

No entanto, nada disso importa para aqueles motoristas de aplicativos que estão empapados por décadas de ideologia neoliberal e apoiam o falso discurso do empreendedorismo, dos terceirizados que não têm direito a nada. Apoiam a criação de novas modalidades de contratação com a figura do autônomo, que exploram o trabalhador sem reconhecê-lo como tal, criando o fenômeno da “pejotização”, que é quando o trabalhador precisa atuar por meio de CNPJ, sem nenhum vínculo empregatício.

Acreditaram quando o então presidente Temer levantou as bandeiras das reformas trabalhistas e previdenciárias como a solução para a crise econômica do país. E ainda acreditam. Essa carga ideológica é difundida diariamente pela mídia corporativa e entidades patronais, sempre ouvidas, ao contrário dos sindicatos dos empregados. E, para viabilizar todas essas atrocidades contra os trabalhadores sem a revolta dos mesmos, ocorre uma destruição contínua, desde o Golpe de 1964, do sistema educacional público. Sem falar na intromissão da religião no Congresso e até mesmo no Supremo Tribunal Federal.

Avesso do avesso

 Num transcurso de uma corrida, perguntei para o motorista do aplicativo o que ele achava do projeto. Ele respondeu que se o projeto passasse pelo Congresso deixaria de trabalhar com o aplicativo porque teria que pagar taxas para o governo, para vagabundos do sindicato e ainda reclamou da volta do “Lula ladrão”. É contra esse tipo de mentalidade o enfrentamento dos apoiadores do projeto de Lula no Congresso.

Esse trabalhador esquece que toda a infraestrutura que utiliza nas suas viagens pelo aplicativo é viabilizada pelo Estado que ele tanto detesta, mas usufrui sem reclamar; que o sindicato existe para defender seus direitos cada vez mais precarizados, além do percentual de sua renda pagas ao INSS para garantir sua aposentadoria.

Essa visão obscura, partidária, não o deixa ver uma questão muito importante: o quanto essas mudanças vão mexer com valores das corridas. Os aplicativos vão repassar esses custos para os usuários? O sucesso dos aplicativos foi exatamente os valores inferiores aos táxis comuns e mesmo das lotações. Se isso ocorrer, uma fatia da população voltará para os ônibus e lotações.

A remuneração mínima para os trabalhadores, pelo projeto, é proporcional ao salário mínimo atual, de R$ 1.412. Foi fixada em R$ 32,10 por hora trabalhada, entendida como o período das corridas e não aquele “em espera”. Desse total, R$ 8,03 são referentes aos serviços prestados. Os outros R$ 24,07 serão para cobrir custos (celular, combustível, manutenção do veículo, seguro, etc).

Assim, um trabalhador que trabalhar oito horas por dia em 20 dias no mês receberá, no mínimo, R$ 5.136. Os valores serão reajustados mediante a valorização do salário mínimo por meio de aumentos reais vinculados ao Produto Interno Bruto (PIB, conforme Lei 14.663/23). As empresas não poderão limitar a distribuição de viagens quando o trabalhador atingir a remuneração horária mínima.

A jornada de trabalho será de oito horas diárias, podendo chegar ao máximo de 12 horas em uma mesma plataforma. A proposta não prevê acordo de exclusividade. O motorista poderá trabalhar para quantas plataformas desejar e terá autonomia para organizar o tempo e horários de trabalho. Pode continuar conciliando atividades profissionais com outras responsabilidades, sem abrir mão de direitos e benefícios.

Pela proposta, os motoristas passam a ser enquadrados como contribuintes individuais para fins previdenciários e serão classificados como “trabalhador autônomo por plataforma”. O texto institui contribuições previdenciárias dos motoristas e das empresas operadoras de aplicativos, equivalentes a 7,5% (motoristas) e a 20% (empresas) do salário de contribuição (R$ 8,03/hora). As operadoras ficarão responsáveis pelo recolhimento de ambas as contribuições. Mulheres motoristas de aplicativo terão direito a auxílio-maternidade.

Os motoristas serão representados por sindicato nas negociações, assinatura de acordos e convenção coletiva, em demandas judiciais e extrajudiciais. Atualmente, não há uma mesa de negociação entre as partes que permita a apresentação de reivindicações coletivas da categoria.

Benefícios ou direitos não previstos na proposta, como plano de saúde, seguro de vida ou horas extras, poderão ser negociados no acordo coletivo. Além disso, o que for acordado em convenção coletiva não poderá ser desfeito por meio de acordos individuais.

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, o país tinha 778 mil pessoas trabalhando em aplicativos de transporte de passageiros, o equivalente a 52,2% dos trabalhadores de plataformas digitais e aplicativos de serviços. Outro indicador mostra que 70,1% dos ocupados em aplicativos eram informais.

 

Brasil quer a taxação de super-ricos no mundo

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse durante a 1ª Reunião de Ministros de Finanças e Presidentes de Bancos Centrais da Trilha de Finanças do G20, realizada nos dias 28 e 29, em São Paulo, que o Brasil vai trabalhar para que o G20 faça uma declaração “ambiciosa” a respeito da tributação dos super-ricos. Os trabalhos do grupo – que reúne as maiores economias mundiais – estão sob presidência brasileira. No discurso que abriu o último dia de encontro na capital paulista, Haddad enfatizou que tem como principal objetivo construir a cooperação internacional para taxar grandes fortunas.

Para embasar a posição pela necessidade de tributação das famílias mais ricas do mundo, Haddad apresentou dados do relatório do EU Tax Observatory, que apontou que os bilionários ou não pagam nada, ou pagam, no máximo, 0,5% de impostos sobre o que acumulam. “Colegas, eu, sinceramente, me pergunto como nós, ministros da Fazenda do G20, permitimos que uma situação como essa continue.”

Segundo o ministro, esse pequeno grupo de pessoas se aproveita de “buracos” nos sistemas tributários para evitar o pagamento de tributos. Por isso, Haddad vê o tema também sendo tratado por outras organizações internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que aprovou medidas para taxar empresas multinacionais.

“Quero anunciar que essa presidência buscará construir uma declaração do G20 sobre tributação internacional até nossa reunião ministerial, em julho. Consultaremos todos os membros e trabalharemos em conjunto para termos um documento equilibrado, porém ambicioso, que reflita as nossas legítimas aspirações”, afirmou, ao participar presencialmente do encontro pela primeira vez.

A Forbes USA divulgou sua lista com as pessoas mais ricas do mundo em 2023. Em todo o mundo há 2.640 fortunas de pelo menos dez dígitos. Ao todo, os bilionários do planeta agora valem US$ 12,2 trilhões.

Será uma árdua tarefa tributar os super-ricos. Desde a década de 1970, a desigualdade voltou a aumentar no mundo, principalmente nos países pobres, mas também nos ricos, com a concentração de riqueza aumentando sem parar. Thomas Piketty cita em seu livro “O capital no século XXI” o exemplo dos Estados Unidos, onde a concentração de renda na primeira década do século XXI voltou a atingir – e até excedeu – o nível recorde visto nos anos 1910-1920.

Pikkety acrescenta: “A dinâmica da distribuição de riqueza revela uma engrenagem poderosa que ora tende para a convergência, ora para divergência, e não há qualquer processo natural ou espontâneo para impedir que prevaleçam as formas desestabilizadoras, aquelas que promovem a desigualdade.”

Para ele, a história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos. “A redução da desigualdade que ocorreu nos países desenvolvidos entre 1900-1910 e 1950-1960 foi, antes de tudo, resultado das guerras e das políticas públicas adotadas para atenuar o impacto desses choques.”

Após o final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos lançaram a Doutrina Truman, cuja orientação principal era a de contenção permanente e global da então URSS. Inaugurou-se a Guerra Fria.  “Doutrina Truman” é uma expressão que designa um conjunto de medidas políticas e econômicas assumidas, quando em 12 de março 1947, o então presidente Harry Truman, proferiu um violento discurso contra a “ameaça comunista”, onde diz que os EUA assumem o compromisso de defender o mundo dos soviéticos.

A Doutrina Truman foi responsável pelo chamado Plano Marshall para evitar o crescimento do comunismo na Europa e Ásia. A pesquisadora e graduanda em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ), Haylana Burite, calcula que no Pós-Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos gastaram US$ 182 bilhões na reconstrução da Europa, e US$ 18 bilhões, na reconstrução do Japão, por meio do Plano Marshall. Todo esse dinheiro resultou na redução da desigualdade com o Estado de bem-estar social na Europa Ocidental, conhecido como Welfare State. Boa parte desse dinheiro retornou aos EUA através de suas exportações para a reconstrução da Europa. 

 A partir dos anos 1970 começa novamente o processo de concentração de renda, com a recuperação do poder do dólar, que instaurou um novo regime de coordenação da economia mundial e abriu espaço para a financeirização, com o comando dos mercados financeiros anglo-saxões sobre as estratégias empresariais, conforme os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo, no livro com o sugestivo título “Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo”.

Reação à globalização

O ministro Haddad pediu que seja feito um novo entendimento sobre globalização e cooperação internacional, diferente do que ocorreu nas décadas anteriores e vem sendo rejeitado por diversas populações em todo o mundo. “A atual reação à globalização pode ser atribuída ao tipo específico de globalização que prevaleceu até a crise financeira de 2008. Até então, a integração econômica global se confundiu com a liberalização de mercados, a flexibilização das leis trabalhistas, desregulamentação financeira e a livre circulação de capitais. As crises financeiras resultantes causaram grandes perdas socioeconômicas”.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que o governo não tem uma alíquota para apresentar na sua proposta de criação de um terceiro pilar na taxação internacional que dê conta de uma tributação mínima global para as riquezas. “É um conceito. A dinâmica nos fóruns internacionais demanda um tempo maior. É preciso galvanizar o apoio na ideia, no conceito, e, a partir daí, fazer estudos de impacto, para ver o que é possível ser aceito politicamente.”

O economista e diretor do Observatório Fiscal da União Europeia, Gabriel Zucman, disse em entrevista concedida a jornalistas que cobriram a reunião do G20,  que apresentou a proposta de aplicação de uma alíquota mínima de 2% sobre a riqueza dos bilionários.  “Fiz a proposta de uma cobrança mínima de 2% sobre a riqueza de bilionários. É uma taxa baixa, mas ainda faria uma diferença muito grande. Mas acredito que podemos ser mais ambiciosos do que isso”, disse.