A gestão de fortunas pelos bancos brasileiros apresentou crescimento significativo nos últimos anos. Também conhecido como private banking, é um serviço bancário especializado em gestão de patrimônios de alto valor. O acesso ao private banking está limitado a clientes que atendam a uma disponibilidade mínima de investimento, que normalmente é superior a R$ 1 milhão.
De acordo com os dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), no primeiro semestre de 2024, o volume administrado atingiu R$ 694 bilhões, um aumento de 7,6% em relação ao semestre anterior. Em 2023, as gestoras de patrimônio encerraram o ano com um total sob gestão de R$ 457,4 bilhões, representando um crescimento de 7,5% em relação a dezembro de 2022.
Entre janeiro e junho de 2021, apesar da pandemia da covid19, o montante das fortunas administradas pelos bancos cresceu 8,8%, para R$ 1,768 trilhão. Em 12 meses a expansão foi de 35,4%.
É importante notar que os dados de 2023 e 2024 referem-se especificamente a gestores de patrimônio, enquanto o dado de 2021 abrange a gestão de fortunas por bancos de forma mais ampla. A diferença nos valores pode estar relacionada às distintas metodologias de coleta de dados e às definições específicas de cada segmento dentro da gestão de fortunas. O que parece é que o sistema não tem interesse em mostrar o real valor de gestão das grandes fortunas.
Esses dados evidenciam de maneira clara a crescente concentração de riqueza, um fenômeno que não se limita ao Brasil, mas afeta todo o mundo. De acordo com o relatório da organização não governamental internacional Oxfam sobre concentração de renda e suas consequências, o ano de 2024 registrou um novo pico nesse processo, semelhante ao observado durante a pandemia de covid-19. Nesse período, 204 novos bilionários emergiram globalmente, e a velocidade de acumulação de riqueza pelos super-ricos triplicou em comparação a 2023.
Os bilionários, pouco mais de 2.900 pessoas, enriqueceram, em média, US$ 2 milhões por dia. Os dez mais ricos, por sua vez, enriqueceram em média US$ 100 milhões por dia. Os cinco primeiros trilionários podem surgir em uma década.
Essa concentração brutal de renda no pós-guerra começou com o fim do Acordo de Bretton Woods (1971). – O colapso do sistema de paridade fixa entre o dólar e o ouro levou à maior volatilidade cambial e à liberalização dos mercados financeiros.
A financeirização na economia mundial começou a ganhar força a partir da década de 1970, impulsionada por mudanças estruturais no capitalismo. Esse processo pode ser entendido como a crescente predominância das finanças sobre a produção e o comércio na economia global.
A partir dos anos 1980, governos de diversos países flexibilizaram as regras sobre bancos e instituições financeiras, permitindo a expansão dos mercados de crédito e capitais. Houve um crescimento expressivo das bolsas de valores, fundos de investimento, derivativos e outras inovações financeiras que permitiram maior especulação e interconexão global.
Um poder de influência muito maior foi permitido aos bancos centrais sobre a economia. Em vez de fazer escolhas politicamente difíceis entre vários grupos de interesse, a bola ficou com bancos centrais “independentes”, que passaram a controlar a política monetária. O que significa taxa de juros e o câmbio, entre outros, nas mãos do sistema financeiro em muitos países, inclusive no Brasil.
Com a desculpa da inflação, as taxas de juros para remunerar os títulos públicos, que são comprados principalmente pelos gestores de fortunas, foram às alturas. Esta semana, o Banco Central brasileiro aumentou a taxa básica de juros, a Selic, para 14,25% ao ano, enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 5,06% nos últimos 12 meses. Isso significa que os compradores de títulos públicos passaram a ter um ganho real acima da inflação de 9,19 pontos percentuais sem produzir absolutamente nada.
As grandes empresas passaram a priorizar a valorização das ações e a distribuição de dividendos, em vez do investimento produtivo, o que consolidou a influência do setor financeiro sobre a economia real. A BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, atingiu um recorde de US$ 11,6 trilhões em ativos sob gestão no quarto trimestre de 2024, conforme a Forbes Brasil. Este montante equivale a aproximadamente 7,5 vezes o total da indústria brasileira de fundos de investimento, que detinha R$ 9,34 trilhões (cerca de US$ 1,55 trilhão) no mesmo período.
A BlackRock pode ser vista como um sintoma da concentração de riqueza, pois apenas grandes fortunas e instituições financeiras conseguem investir e se beneficiar plenamente desse modelo. Pequenos investidores têm menos acesso e controle sobre esses ativos, reforçando desigualdades no sistema financeiro.
Esse processo tem impactos profundos, incluindo o aumento da instabilidade econômica (como crises financeiras), o crescimento da desigualdade e a maior influência de instituições financeiras sobre políticas públicas e empresas.
A concentração de renda pela implantação dos conceitos do neoliberalismo foi um dos fatores fundamentais para a crise de 2008 – conhecida como “Crise do subprime” – que teve sua origem nos EUA e se alastrou pelo mundo. Resultou do estouro de uma bolha de investimentos massivos em hipotecas nos EUA que cresceram ao longo dos anos 2000.
Embora a crise de 2008 tenha revelado os limites do neoliberalismo, ela não resultou em um abandono desse modelo pelas elites econômicas. Muitos governos continuaram a adotar políticas neoliberais após a crise, como austeridade fiscal e reformas de mercado, como é o caso do Brasil. No entanto, o evento também gerou debates sobre a necessidade de maior regulação financeira, novos modelos de governança econômica e políticas que lidem melhor com desigualdade social e estabilidade financeira.
Hoje, há uma percepção de que, embora o neoliberalismo tenha sido enfraquecido pela crise, ele ainda não foi substituído por um novo paradigma econômico amplamente aceito. A busca por um equilíbrio entre o papel do mercado e do Estado continua sendo um dos principais debates no cenário político e econômico global.