Atualizada em 21 de agosto com os links para as cartas lidas no ato.
Andres Vince
A temperatura caiu rápido na noite desta quinta-feira, 18 de agosto. Mas não dentro do Auditório da Faculdade de Economia da UFRGS, que ficou pequeno para acomodar cerca de 300 pessoas que foram participar do Ato de Resistência Constitucional, promovido pelas entidades “Carreiras Jurídicas Pela Democracia”, “Advogados e Advogadas Pela Legalidade Democrática” e a AFOCEFE (Sindicato dos Técnicos Tributários da Receita Estadual do RS).
Participaram como palestrantes os renomados juristas Marcelo Lavenère, Pedro Estêvam Serrano e Lenio Streck.
O ato foi aberto com a leitura de uma carta enviada pela presidenta Dilma Rousseff aos presentes na manifestação. Lida pelo advogado Mario Madureira, a carta agradeceu os participantes, denunciou a farsa jurídica para afasta-la da presidência e afirmou que com o reestabelecimento da ordem constitucional e consequente retorno ao seu mandato, empenharia seus esforços por um pacto nacional para o retorno do crescimento econômico. A presidenta prometeu apoiar um plebiscito por uma reforma política e eleições antecipadas: “Quem chegou ao poder pelo voto, não pode ter medo do voto.”, referiu Dilma Rousseff. A integra da mensagem da presidenta pode ser lida aqui.
Ao final da leitura a plateia, em pé, entoou: “Dilma guerreira, mulher brasileira”, para logo emendar: “Fora Temer!, Fora Temer!”.
Lavenère: “O impeachment é uma folha de parreira que esconde a indecência”
Marcelo Lavenère abriu sua fala cumprimentando todas as mulheres, em especial a presidenta Dilma Rousseff para em seguida exaltar a história de luta do povo gaúcho em defesa da liberdade. O jurista criticou duramente a midialização da Justiça. Sobre a luta pelos direitos sociais ressaltou: “estamos aqui porque queremos que o SUS caiba no orçamento”. A respeito da crise política, disparou: “estamos sofrendo o maior ataque que a Democracia já sofreu nos últimos cem anos, me atrevo a dizer que estamos sofrendo um golpe pior do que o de 64”.
A respeito das políticas para a educação: “Não queremos uma escola manietada e amordaçada”. Sobre a mídia: “oligárquica, seletiva, mentirosa e que distorce os fatos”. O palestrante encerrou sua participação lembrando de Eduardo Galeano, em “O direito de sonhar”, de onde se inspirou para finalizar: “Cada vez que um homem sonha e a mulher sonha, o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”.
Serrano: “Essa ralé é a base social que gera o fascismo judicial que temos hoje no Brasil”
Pedro Serrano disse estar honrado de estar entre um povo que tem uma bela história de lutas. Afirmou estar disposto a fazer uma “contra-fala”, ou uma fala com “uma pegada mais acadêmica”. O palestrante descreveu os processos de impedimento presidencial que ocorreram em Honduras e no Paraguai, de onde sentenciou: “no Paraguai, é mais fácil você se defender de uma multa de transito do que de um processo de impeachment”, aludindo o fato de os advogados do presidente paraguaio só terem tido 10 horas para ler o processo e montar a defesa.
Serrano afirmou que políticas estratégicas como as utilizadas em Guantánamo também são usadas para interromper mandatos. Ele explica que a regulamentação de um ato trás consigo a ideia legalidade e exemplifica: “em Guantánamo existe um regramento detalhado de como afogar o sujeito para ele confessar. E se está regulamentado, está no direito e é licito.”
Segundo o palestrante a mudança dos regimes de exceção do século passado para a atualidade é que eles passaram a existir dentro das democracias. Para ilustrar a afirmação, Serrano citou como exemplos as leis antiterroristas norte-americanas e europeias, que violam os direitos individuais do cidadão. Citou também as favelas brasileiras, onde em muitas comunidades, os moradores não circulam depois das 23h, vivendo num silencioso estado de sítio.
O jurista explicou que o termo ralé não engloba apenas pessoas de poucas posses: “da ralé fazem parte o rico, a classe média, o pobre. A ralé eventualmente se transforma em maioria. A ralé são as pessoas que se reúnem para tirar fotos com PMs”. Sobre o impeachment sentenciou: “é de uma natureza autoritária e fascista. É a nova forma do fascismo se apresentar”. E finaliza: “a essência do nosso combate é a resistência constitucional e democrática É uma luta antifascista. Tem que se achar um jeito de fazer essa ralé passar a ser povo.”
Streck: “Um ladrão de galinhas tem mais direito de defesa que a presidente da república”
Pós-Doutor pela Universidade de Lisboa, Lenio Streck iniciou sua exposição criticando a banalização da formação acadêmica: “o Brasil se transformou num grande império de carreiras jurídicas”. Segundo Streck a população perdeu a vontade de reivindicar, e assiste impávida o assalto aos seus direitos porque os terceirizou para a Justiça.
O palestrante criticou duramente as ações de Sergio Mouro em relação a presidenta Dilma Rousseff, especificamente em relação ao vazamento das gravações de suas conversas telefônicas, escândalo que nomeou de Morogate: “nenhum país do mundo admitiria que um juiz fizesse uma escuta na presidente da república, sabendo que era ilegal”.
Streck defende que a presidenta está tendo seu direito de defesa completamente cerceado. Segundo ele “até um ladrão de galinhas tem mais direito de defesa que a presidente da república”, pois, se esse ladrão é sentenciado pelo júri com provas em contrário “qualquer tribunal da federação anula a sentença”, mas que, no caso do impeachment, devido às inúmeras declarações antecipadas de voto dos senadores, que juridicamente fazem o papel de júri, neste caso “até o porteiro do tribunal anula o processo”.
Lenio faz três propostas para colocar em prática a Resistência Constitucional: a primeira refere à judicialização, ao máximo, da falta de provas, instando o STF a decidir se o júri, no caso o Senado, foi contrario ou não a prova apresentada. A segunda proposta sugere “não cair na armadilha de uma assembleia constituinte”, pois segundo o palestrante, “poderia ser um haraquiri institucional”. A terceira proposta clama pela luta pelo plebiscito: “pois o plebiscito é uma arma constitucional muito poderosa”. Porém, ressalta Streck, alguns requisitos devem ser cumpridos para não haver uma contradição constitucional.
O palestrante utilizou a metáfora da mitologia grega para encerrar sua apresentação: “Ulisses pediu para sua tripulação que o acorrentasse ao mastro do navio e que não seguisse nenhuma outra ordem sua a partir daquela, tudo para não sucumbir ao canto das sereias que levariam todos à morte certa. Essas correntes representam a resistência constitucional”.
Legitima defesa da Constituição
Na rodada de encerramento, Marcelo Lavenère defendeu o que ele chamou de “legítima defesa da honra e do patrimônio nacional”, conclamando ao direito de protesto e de greve como armas constitucionais a serem utilizadas nessa luta.
Pedro Serrano afirma que já estamos em período de resistência, no que ele denominou ser uma “pós-democracia”. Segundo ele essa resistência deve se basear na denúncia de atos de autoritarismo, caracterizando a forma como isso será retratado no futuro. Serrano afirma não existirem governos de esquerda e sim governos que atendem algumas demandas de esquerda, pois não existe um conceito teórico ou acadêmico do que exatamente é a esquerda. O erro da esquerda brasileira, segundo o palestrante, foi ter achado que estava começando tudo do zero ignorando experiências anteriores.
Lenio Streck afirmou que existem três predadores do Direito: a moral, a política e a economia. Segundo ele, a economia será a principal responsável pela caça de direitos garantidos do trabalhador. Streck clama pela resistência constitucional a partir dos instrumentos judiciais disponíveis.
Ao final da palestra foi feita a leitura da Carta de Porto Alegre, firmada pelas entidades que promoveram o evento, que reafirmou o compromisso com as ações de resistência constitucional. A integra da carta pode ser lida aqui.
E a noite fria foi encerrada com um caloroso “Fora Temer!”
A integra da palestra pode ser visualizada neste link.