Ministério Público recebe denúncia de dano ao patrimônio no Cais Mauá

A Associação Amigos do Cais do Porto (AMACAIS) acionou a Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre para apurar “possível dano ao patrimônio cultural na área do Cais Mauá, com a instalação do projeto Embarcadero”.

Segundo a advogada Jacqueline Custodio, diretora jurídica da associação, “o patrimônio cultural não tem conservação e a sua deterioração é visível, mesmo com a proibição de acesso à população. Com a continuidade das obras do Embarcadero, além do descaso com a manutenção e conservação, há possibilidade de dano direto a esse patrimônio cultural”, diz a advogada.

Fotos anexadas ao processo

Ela cita a colocação de contêineres pintados de preto, em frente ao Armazém A7, de forma a interferir na paisagem característica de Porto Alegre. Além disso, as obras, em si, podem causar danos ao pavimento de granito, que é tombado pelo Município, aponta a advogada.

Contêineres pintados de preto ao lado do Armazém A7/Cleber Dioni Tentardini

Jaqueline assinalou outros pontos na representação, visando a instalação de um inquérito civil:

”A circunscrição na qual fica situado o Cais Mauá está submetido às diretrizes de proteção de entorno, elaboradas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O mesmo ocorre em relação ao perímetro da Usina do Gasômetro, bem tombado pelo Estado, em relação ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (PHAE). Entretanto, não se tem notícia de que houve liberação por parte destes órgãos de proteção ao patrimônio cultural, em relação ao novo projeto. Assim, independente da discussão da legalidade da assinatura de um novo contrato sem licitação, há ameaça concreta ao patrimônio cultural de Porto Alegre, que torna legítima a presente representação. No momento, está em curso a descaracterização, por terceiros, da ambiência e do conjunto que constitui o Cais Mauá. As estruturas que estão sendo montadas, próximas à Usina do Gasômetro, outro bem tombado pelo Estado, violam as diretrizes específicas para a área de entorno, determinadas pela Portaria n.º 483/2016 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).”

Area do Embarcadero ao lado do Gasometro /Cleber Dioni Tentardini

LEIA MAIS: Cais Mauá: Leite assina pré-contrato com Embarcadero num cenário incerto 

Para viabilizar a conclusão do projeto de revitalização de área, ao lado da Usina Gasômetro, no Centro de Porto Alegre, o governo do Estado assinou, em junho, um pré-contrato com a empresa Embarcadero.

O objetivo do chamado protocolo de intenções “é garantir a continuidade da execução dos espaços de entretenimento e serviços à população na Orla do Guaıba no menor tempo possıvel, comprovando o interesse tanto do governo quanto dos empreendedores em concretizar o projeto”.

A previsão de conclusão do chamado Cais Embarcadero foi prorrogada para o segundo semestre, possivelmente entre outubro e novembro, mas a inauguração ao público dependerá da evolução da pandemia.

Conforme a empresa, o projeto prevê R$ 6 milhões em investimento – dos quais, 75% já foram executados, incluindo instalações, equipamentos e reformas. Do total, R$ 3,2 milhões correspondem a melhorias em infraestrutura elétrica, hidrossanitária, de gás, segurança e iluminação entre outras.

Fotos anexadas ao processo

O pré-contrato prevê que o Embarcadero possa explorar o trecho ao lado da Usina do Gasômetro por pelo menos quatro anos a partir da efetiva operação, podendo ampliá-lo dependendo do prazo de retorno financeiro dos investimentos que a empresa fizer no local.

A estimativa é de que o Estado recebe em torno de R$ 400 mil por ano, mas o valor efetivo será definido somente quando o contrato for oficializado – após a retirada da poligonal do porto na área. “Agradecemos a oportunidade de entregarmos aos gaúchos possivelmente um dos espaços mais históricos e emblemáticos através de um projeto inicial e experimental, o Cais Embarcadero”, afirmou Fernando Tornaim, em nome dos sócios da empresa.

 

Uma visita ao Cais abandonado, onde nasceu Porto Alegre

Cleber Dioni Tentardini, texto e fotos

Visitei o Cais Mauá em duas tardes deste mês de abril. Consegui vencer o muro de concreto com quatro metros enterrados e dois metros de altura, por acessos liberados pelo estacionamento da Estapar, interditado pela PGE faz algum tempo.

Eu queria ver o estágio das obras do Embarcadero, no Armazém 7, ao lado da Usina do Gasômetro, e saber da situação dos demais armazéns, alguns tombados, outros listados pelo patrimônio histórico, assim como a situação do pórtico central e dos guindastes gigantes.

Além da missão de reportar e da difícil tarefa de fotografar com um celular, confesso que estava com saudade daquele cenário junto ao Guaíba – e aposto que centenas têm o mesmo sentimento -, onde estive em diversas oportunidades, entrevistando de estivador a governador.

Guindastes fora de operação no Cais Mauá

E o que vi é desolador. Espaço nobre da Capital está à deriva. Armazéns sujos, prédios com vidros quebrados, pastiçal no calçamento e a população privada do famoso ancoradouro onde desembarcaram os casais de açorianos em 1752, e que nos séculos seguintes se tornou canal de ligação com o mundo, por onde entravam e saíam as pessoas e as mercadorias. Foi o motor dos períodos de maior prosperidade de Porto Alegre.

 

 

Área interditada dos armazéns do Cais Mauá

O armazém 7, que já teve projeto prevendo sua demolição, resistiu a esse intento e foi incluído do projeto do Cais Embarcadero, que certamente formaria, ou formará, um corredor cultural até a Usina. Nenhum sinal de trabalhadores, apenas alguns contêiners numa pequena parte pavimentada ao lado de um provável futuro atracadouro.

Conteiners na lateral do armazém possivelmente pertencentes ao projeto Embarcadero

Não percorri os três quilômetros de extensão do Cais Mauá. A certa altura, um vigia me interpelou, alertando que aquela parte estava interditada. Mas a empresa que ganhou a concessão para revitalizar o Cais já se afastou ou foi afastada, portanto voltou a ser área pública, argumentei. Não importa, eu só poderia ter acesso ao lago na entrada do Catamarã. Um cais interditado e abandonado, até quando?

Confira mais fotos do Cais Mauá:

Área do projeto Cais Embarcadero, ao lado do Gasômetro
Contêiners em um trecho de área pavimentada
Estacionamento desativado e área do projeto Cais Embarcadero
Armazém na área interditada do Cais Mauá
Pastiçal e sujeira também entre os armazéns e o muro do Cais Mauá
Estacionamento foi interditado pela PGE mas veículos ainda acessam o local
Estacionamento interditado, mas o acesso é liberado
Estacionamento interditado, nos fundos da Usina do Gasômetro