Projeto para o Cais Mauá mobiliza o Conselho do Plano Diretor

Naira Hofmeister

A análise do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do projeto de revitalização do Cais Mauá tem dado trabalho extra aos conselheiros do Plano Diretor de Porto Alegre. O assunto é complexo – envolve as três esferas de poder, União, Estado e Município; é iniciativa aguardada há anos pela população da cidade e a mais recente investida, que está atualmente em debate, passou por governos integrados por partidos de todos os espectros ideológicos.

Não bastasse isso, o processo de concessão do porto à iniciativa privada tem gerado críticas da parcela da população e entidades contrárias à construção de edifícios com altura  acima do padrão permitido na cidade, estacionamento para milhares de automóveis e um shopping center em área com patrimônio tombado.

Também há questionamentos do Tribunal de Contas do Estado e do Ministério Público de Contas, que mais de uma vez apontaram o não cumprimento de cláusulas contratuais por parte do consórcio vencedor da licitação. O procurador de Contas do Estado, Geraldo Da Camino, chegou a solicitar a suspensão do licenciamento para obras enquanto não houvesse confirmação de que o consórcio tem recursos financeiros para investir no empreendimento, que já trocou de mãos várias vezes desde que foi licitado.

Prefeitura Municipal e Governo do Estado rejeitam a tese e afirmam que as discrepâncias entre o que dizem a lei e o contrato e o que ocorre na realidade são fruto da conjuntura adversa: demora no licenciamento (que afasta investidores do negócio e fez expirar o prazo de validade dos índices construtivos sem que a obra iniciasse) ou equívocos de redação no contrato, como o que trocou a exigência de apresentação de projetos básicos por executivos nos meses subsequentes à assinatura entre as partes.

Embora a análise do CMDUA recaia exclusivamente sobre os aspectos técnicos do processo – se o empreendedor cumpre com o estabelecido nas regras construtivas da cidade e se o projeto prevê as compensações e adequações sugeridas pelas diversas secretarias municipais –, está difícil separar esses pontos de toda a polêmica que envolve a concessão.

“Não tem como não pesar; vai pesar. Mas no Conselho são analisadas questões urbanísticas, não entram esses pontos… Na hipótese de que o Conselho aprove, o TCE ainda pode embargar se não forem respondidas todas as questões”, esclarece o secretário de Urbanismo, José Luiz Cogo.

Uma rodinha que se se formou ao final da última reunião do Conselho do Plano Diretor em Porto Alegre, na terça-feira (18) demonstra essa preocupação:

“É patrimônio nosso”, levantou um conselheiro.

“A gente pode aprovar” – defendeu outro – “mesmo que o Tribunal de Contas paralise as obras depois”, completou.

“Os espanhóis vão vender a parte deles”, cogitou alguém.

“O problema é que aquele shopping tá horrível de feio”, argumentou uma quarta voz.

“Não cabe avaliar se é bonito ou não”, contestou mais outro. “É análise técnica”, completou.

Três reuniões em cinco dias

Para sanar dúvidas dos integrantes do Conselho, o representante da Região 1 do Planejamento (RP1), Daniel Nichelle, pediu vistas do processo. O relator da matéria no colegiado, representante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS), havia emitido parecer favorável à matéria.

A tramitação no Conselho é das últimas etapas antes do licenciamento e só precisa referendar a aprovação do EVU, que já foi feita pela Prefeitura. Vencida essa etapa, o empreendedor aprova os projetos executivos e recebe liberação para as obras.

“É um projeto realmente importante, que extrapola a nossa região e terá impacto na cidade como um todo. Estamos avaliando com muito cuidado”, revela Nichelle.

A dedicação tem sido intensa: apenas nesta semana, foram três reuniões extraordinárias exclusivamente para debater o projeto do Cais: uma aberta aos delegados da RP1, que teceram críticas e defenderam uma consulta popular sobre o projeto, e outras duas restritas aos conselheiros do Plano Diretor. Mais o tradicional encontro das terças-feiras, onde a matéria foi um dos principais assuntos.

A principal preocupação é com a animosidade entre defensores e detratores da proposta. “Há setores que não querem ouvir o contraditório”, lamentou o representante do Sindicato dos Corretores de Imóveis (Sindimóveis), Rogério Dal Molin.

Seu colega da RP7, Diaran Laone Camargo, foi mais longe e chamou os críticos do projeto de “feras”. Ao final da reunião, o conselheiro Diego Índio, que ocupa o assento que compete ao Orçamento Participativo (OP), disse que “eram sempre os mesmos” que pressionavam pela não execução da obra. “Inspirados pelo teu jornal”, referiu à repórter.

As críticas, que partem de entidades como o Instituto dos Arquitetos e vereadores, surtiram efeito. “Há aspectos de grande importância que devem ser considerados por este Conselho”, sugeriu Luiz Antonio Gomes, da RP6.

Ele mencionou que o fato de tramitar há muitos anos na Prefeitura pode ter gerado um “desgaste de contemporaneidade de alguns elementos”, uma provável referência às críticas sobre a construção de um shopping center às margens do Guaíba.

“Por mais que eu não concorde, ouvi muito mais descontentamentos do que contentamentos e isso deve ser levado em consideração. Temos que ver se não é a ponta que leva a outras questões desse projeto, que não é perfeito”, sugeriu aos colegas.

Decisão será consensual, avisa conselheiro

Para a próxima segunda-feira, véspera da reunião do CMDUA na qual se espera que Daniel Nichelle leia seu parecer sobre o projeto, o conselheiro convocou dois encontros. O primeiro, de tarde, reunirá novamente os conselheiros do plano para mais uma rodada de análise.

À noite, ele se encontra com os delegados da RP1 para entregar as respostas elaboradas pelo empreendedor aos questionamentos levantados. “Vou avisar a todos que entrarei com pedidos de diligências na terça”, antecipou.

Isso significa que o processo segue sem definição, coisa que, revela o conselheiro da RP1, será feita somente quando houver um consenso a respeito do processo dentro do CMDUA. “Temos opiniões muito próximas sobre pontos que geram dúvidas e as diligências que vou solicitar foram todas unânimes”, observa.

“A meu ver é um momento histórico do Conselho do Plano Diretor, de força e unidade entre os conselheiros”, concluiu.

Delegados do planejamento querem consulta pública sobre Cais Mauá

Naira Hofmeister
Delegados eleitos para representar os moradores da Região de Planejamento 1 de Porto Alegre (RP1), que compreende 19 bairros da área central da cidade, querem ampliar o debate sobre a revitalização do Cais Mauá através de uma consulta pública à população.
A ideia foi lançada pelo delegado Ibirá Lucas na noite desta segunda-feira (17/10) durante reunião dos representantes da RP1 que analisou o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do projeto para Cais Mauá, que tramita no Conselho do Plano Diretor (CMDUA) onde a grupo tem assento.
Vários delegados presentes no evento – que teve também participação de grande público, o que elevou o tom do debate em diversos momentos – se mostraram favoráveis à sugestão. A proposta, entretanto, terá que ser validada pelo conjunto dos 26 delegados em uma próxima reunião, ainda sem data definida. “Acredito que é possível aprovarmos por maioria”, observa Lucas.
O titular da RP1 no CMDUA, Daniel Nichelle, garante que seguirá a determinação tomada pelos representantes. Caso o encaminhamento seja aprovado dentro da RP1, ele ainda precisará ser validado pelo pleno do Conselho do Plano Diretor para que se torne uma diretriz à prefeitura.
Presente na reunião, o titular do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais, Edemar Tutikian, acha “desnecessário” consultar a população sobre a obra, que gera polêmica entre grupos favoráveis e contrários à intervenção e está sendo alvo de uma inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado, que levantou irregularidades no cumprimento de cláusulas contratuais.
“Tudo foi feito dentro dos princípios legais e validado pelo próprio Conselho do Plano Diretor, que lá no início do processo aprovou as diretrizes para o empreendedor”, justificou Tutikian.
O EVU recebeu parecer favorável do conselheiro representante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS), na terça-feira passada (10/10), porém houve um pedido de vistas ao processo para que seja possível esclarecer com mais detalhe os impactos da obra na cidade.
Para que o empreendedor receba as licenças para iniciar as obras é preciso que o CMDUA ratifique o posicionamento da prefeitura, que aprovou o EVU no final de setembro após a análise de todas as secretarias interessadas no empreendimento. Nenhuma das pastas encontrou motivos para barrar a iniciativa, embora tenham redigido diversas condicionantes para efetivar o licenciamento na forma de contrapartidas para a cidade e obras complementares que garantam a infraestrutura necessária sem ônus para o poder público.
Críticas à falta de detalhamento
Os delegados da RP1, entretanto, expuseram dúvidas sobre a viabilidade da obra e criticaram a falta de detalhamento da proposta, que prejudica a análise. “Serão entre 20 e 30 mil pessoas circulando diariamente por esta área, mas não sabemos qual o impacto preciso desse volume de gente e de automóveis”, questionou Fernando Barth, o primeiro a falar.
Sua colega Ana Lucia Lucas foi taxativa: “Essa reunião não é legítima porque não temos um projeto na nossa frente para avaliarmos. Não sabemos quanto vai custar, como vai ser feito, como será o tratamento de esgoto e o acesso dos bombeiros”, exemplificou.
Antes da manifestação dos delegados na reunião, a arquiteta Marina Manfro e o diretor de Operações do consórcio Cais Mauá do Brasil, Sérgio Lima, fizeram uma breve apresentação sobre o empreendimento – a mesma que havia sido feita diante do Conselho do Plano Diretor 15 dias atrás e que detalha partes do projeto, como o restauro dos armazéns e as mudanças no setor Gasômetro, mas não esclarece na totalidade questionamentos que vem sendo feitos há anos por um setor da sociedade contrário ao modelo proposto para a área, que prevê espigões com 100 metros de altura, shopping center e estacionamentos.
“Não temos a documentação técnica necessária, as plantas, os memoriais descritivos. Por exemplo, precisamos fazer uma comparação entre a altura legalmente prevista e o que foi permitido a mais para o empreendedor”, postulou Ibirá Lucas, referindo-se aos limites do Plano Diretor da cidade, que determina 52 metros como a altura máxima para edifícios na cidade.
O público geral presente levantou ainda a preocupação com a construção em área inundável, que não está protegida pelo muro da Mauá. “Se houver uma cheia e afetar o trabalho e os negócios desenvolvidos ali, quem terá que indenizar pessoas ou comerciantes? O município, que é quem autoriza as obras. O conselho tem um papel muito importante para evitar distorções como essa”, provocou Anadir Alba, integrante do CMDUA nas últimas três gestões, que falou como convidada.
A delegada Tania Jamardo Faillace chamou atenção para as 11 praças anunciadas pelo empreendedor como um benefício à cidade. O maior desses espaços terá 3 mil m² e homenageará o poeta Mario Quintana; segundo a arquiteta Marina Manfro, “algumas praças são mais permeáveis, tem mais árvores, outras tem uma linguagem mais seca”.
Mas se é para construir praças, que seja no lugar certo, nas comunidades. Não tem sentido as pessoas pegarem ônibus de longe, onde não há áreas verdes, para vir para cá”, defendeu a delegada.
Já Valéria Falcão gostaria de saber mais sobre as ciclovias previstas no empreendimento. “Serão no perímetro do Cais, nos acessos? Essa é apenas uma das lacunas que há para serem esclarecidas”, observou.
Concorrência desleal
Vice-presidente da Associação Comunitária do Centro Histórico e delegado do planejamento da RP1, Paulo Guarnieri lembrou que o projeto não foi objeto de Estudo de Impacto de Vizinhança, instrumento previsto no Estatuto das Cidades mas ainda não implementado em Porto Alegre. “Precisaríamos avaliar aspectos como o aumento do trânsito na região e a concorrência com o comércio de rua, que é a característica do bairro”, provocou.
Guarnieri mencionou ainda a existência “de inúmeros prédios desocupados” no Centro Histórico – “edifícios inteiros, todos de escritórios” e recordou que esse é um dos negócios pretendidos pelo empreendedor no local. “Nossa hotelaria tem, nos seus melhores momentos, 50% de ocupação e querem construir hotéis. Vemos muitos restaurantes tradicionais da região fechando as portas e vão implantar ali um polo gastronômico. Não estaria sendo previsto ali uma concorrência desleal ao nosso já combalido mercado de comércio e serviços do Centro Histórico”, questionou.
Presente na reunião, o vice-presidente da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA) se manifestou em defesa da iniciativa, que segundo revelou, tem o apoio de comerciantes, varejistas e prestadores de serviço da cidade. “A grande e total maioria é a favor. Quanto mais mato mais coelho”, ilustrou.
Alguns delegados mencionaram preocupação com a descaracterização da área portuária histórica, que é tombada pelo patrimônio nacional e municipal. “Há anos nosso porto vem perdendo a característica de ser alegre porque nossos monumentos e referenciais estão sendo perdidos, a paisagem urbana que está no imaginário popular está deixando de existir, alegou Felisberto Luisi.
Houve também apontamentos sobre a saúde financeira do consórcio responsável pela revitalização, que sofre cobranças judiciais de dívidas não pagas e chegou a suspender durante um período o contrato com a empresa que faz a segurança da área porque não tinha dinheiro em caixa para pagar pelo serviço.
O titular da RP1, Daniel Nichelle se comprometeu a encaminhar as respostas do empreendedor aos questionamentos feitos pelos delegados. “Espero ter esse material disponível até o final da semana”, anunciou.
Validade dos índices construtivos preocupa
O representante da RP1 no Conselho do Plano Diretor também confirmou que usará a prerrogativa que lhe compete para pedir diligências à prefeitura que esclareçam pontos mencionados na reunião.
Um deles é o questionamento sobre a validade dos índices construtivos que permitem a construção de edifícios com o dobro da altura máxima prevista para Porto Alegre. A Lei Complementar 638/2010 determina que a autorização para erguer espigões com 100 metros estava assegurada aos investidores que licenciassem e iniciassem suas obras até 31 de dezembro de 2012 – o que não ocorreu no Cais Mauá.
“Isso é muito grave pois os conselheiros serão levados a votar um EVU fora da lei, e, se aprovarem, estarão sendo coniventes com essa ilegalidade”, alertou o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Tiago Holzmann.
Apesar dos questionamentos, houve também manifestações favoráveis ao empreendimento e também pessoas que participaram da reunião para formar uma opinião a respeito da iniciativa.
Fotos de Thaís Ratier/JÁ
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Ex-secretário de Urbanismo convoca apoiadores do Cais Mauá para debate

Naira Hofmeister
Uma reunião convocada por conselheiros do Plano Diretor para debater com a comunidade da área central de Porto Alegre o projeto de revitalização do Cais Mauá será palco de novo enfrentamento entre defensores de visões opostas para a área.
De um lado, o coletivo A Cidade que Queremos e os grupos Cais Mauá de Todos e Ocupa Cais Mauá, que defendem que a revitalização deve ter como modelo a ampliação do espaço público, com a área voltada ao lazer e à contemplação.
De outro, os militantes que concordam com o argumento de que é preciso construir torres comerciais, shopping center e estacionamento para dar viabilidade econômica à obra. Esse grupo está sendo convocado pelo ex-secretário de Urbanismo de Porto Alegre e vereador reeleito pelo PMDB, Valter Nagesltein, que postou mensagens nas redes sociais chamando os apoiadores para a reunião.
“Esta é a última etapa do processo de aprovação, daí a importância da presença de quem é a favor!”, comentou no facebook.
Nagelstein é também presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Cais Mauá. Como secretário de Urbanismo pressionou para que a prefeitura acatasse algumas alterações no projeto que iam ao encontro do que defendia a militância contrária ao modelo estacionamento-shopping- espigões previsto para o local. Mas nunca escondeu seu posicionamento favorável à revitalização.
Em sua postagem, o vereador argumentou que “não existe outra maneira” de revitalizar a área, que é tombada como patrimônio histórico e artístico da União e do município e que “o acesso ao espaço sempre será público e livre”.
Curioso que, embora em posições opostas no debate sobre o Cais, o slogan do vereador desde a campanha eleitoral seja o mesmo utilizado pelos grupos contrários ao modelo proposto pelo empreendedor: “a cidade que queremos”.
Entre seus seguidores, muitos confirmaram presença e houve até menção à participação da Banda Loka Liberal, o grupo que liderou as manifestações pela deposição da ex-presidente Dilma Rousseff com sátiras musicais sobre a política.
A reunião acontece no plenarinho da Câmara de Vereadores a partir das 19:00.
Conselheiro do TCE rejeita suspensão imediata do licenciamento
O debate ocorre no momento em que o Tribunal de Contas do Estado decidiu prorrogar mais uma vez o prazo para a conclusão de inspeção especial no Cais Mauá que investiga o contrato de revitalização.
A inspeção iniciou em fevereiro de 2013 e já foi prorrogada diversas vezes em razão dos esclarecimentos que ainda faltam.
O conselheiro relator do processo, Alexandre Postal, negou a medida cautelar solicitada pelo procurador do Ministério Público de Contas (MPC), Geraldo Da Camino, que havia pedido a suspensão do licenciamento para obras na área enquanto o consórcio não comprovasse condições de realizar o investimento, orçado em cerca de R$ 500 milhões.
Entretanto, pediu esclarecimentos aos cinco gestores públicos que respondem pelo contrato, no caso, os superintendentes da SPH desde o governo Yeda Crusius.
A capacidade financeira do consórcio Cais Mauá do Brasil S.A foi posta em xeque depois que vários prestadores de serviço deram início a cobranças judiciais de dívidas não saldadas no prazo estipulado. A informação foi revelada por exclusividade pelo Jornal JÁ.
O argumento do MPC é que o consórcio não cumpriu com uma clásula contratual que exigia a contratação de um financiamento que garantisse os aportes à obra; o entendimento de um Grupo de Trabalho comandado pelo Governo do Estado, entretanto, é de que tal cláusula era facultativa e não obrigava a contratação.
Na reunião do Conselho do Plano Diretor da semana passada, onde o processo de licenciamento das obras no Cais tramita atualmente – é uma das últimas instâncias antes da emissão das licenças – o secretário do gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais da prefeitura, Edemar Tutikian, defendeu que o consórcio só poderia captar recursos no mercado para investir na obra após o licenciamento ser concluído.

Projeto do Cais Mauá será apresentado hoje à noite na Câmara Municipal

O projeto Cais Mauá será apresentado hoje à noite, em sessão aberta na Câmara Municipal, por proposição do vereador Valter Nagelstein.
O Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) vai ser discutido com a comunidade da Região de Planejamento 1(RP1), do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA).
O coletivo Cais Mauá de Todos anunciou que estará presente para fazer questionamentos, “muitos já feitos e até hoje sem resposta”.
A descapitalização do consórcio vencedor da licitação recentemente levou o Ministério Público de Contas a recomendar que o processo seja interrompido, medida que ainda é analisada no mérito pelo Tribunal de Contas do Estado.
A sessão começa às 19 horas, no Plenário Ana Terra. A previsão de término é 22 horas.

Tensão marca voto favorável do relator ao Cais Mauá

 
Naira Hofmeister
Em uma sessão tensa, ocorrida na véspera do feriado de 12 de outubro, o representante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS) no Conselho do Plano Diretor, Sérgio Korem, emitiu parecer favorável ao projeto de revitalização do Cais Mauá, em Porto Alegre.
“Cumpre com todas as definições do Plano Diretor”, justificou Korem, para em seguida completar: “Eu tenho vontade de ter esse porto na cidade, para os meus filhos desfrutarem”.
Antes mesmo da abertura da reunião já era possível notar a apreensão dos presentes na sede da Secretaria de Urbanismo – na semana anterior, quando os representantes do consórcio compareceram ao Conselho para introduzir o debate, integrantes de coletivos contrários à construção de shopping, espigões e estacionamento na área foram barrados porque a sala estava com a lotação esgotada.
Dessa vez o público externo era menor, embora os militantes tenham marcado presença. Também havia representantes dos poderes Executivo e Legislativo, o que intrigou o conselheiro Diaran Laone Camargo, da RP7: “Quando são projetos de interesse da prefeitura, a sala fica cheia. Mas se é para a comunidade…”.
A apresentação do voto tomou cerca de 50 minutos da reunião, o que provocou protestos: “Presidente, todo mundo quer falar”, interferiu Paulo Jorge Amaral Cardoso, da RP5.
O relator foi instado a acelerar sua leitura, mas não cedeu à pressão e leu todas os condicionantes apontadas pelas secretarias municipais ao licenciamento do projeto e o parecer do Conselho do Patrimônio Histórico Cultural sobre a restauração dos armazéns tombados.
“Minha obrigação como cidadão era fazer uma análise bem detalhada, não só porque o projeto exige, mas porque estamos esperando por isso há muitos anos”, argumentou Korem.
Voto de minerva permite fala da comunidade
O momento mais tenso, entretanto, se deu quando um representante da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e do coletivo A Cidade que Queremos pediu a palavra para criticar o empreendimento.
Embora previstas no regimento do Conselho do Plano Diretor, intervenções do público devem primeiro ser aprovadas pelo pleno – e os 18 conselheiros que votaram dividiram-se; nove concordaram com a abertura, outros nove foram contra.
O voto de minerva coube ao vice-presidente do colegiado, o representante da Associação Gaúcha dos Advogados de Direito Imobiliário Empresarial, José Euclésio dos Santos, que assumiu os trabalhos na ausência do titular, o secretário de Urbanismo José Luiz Fernandes Cogo. “A mesa decide conceder a palavra”, anunciou.
O eleito pelo movimento para falar por três minutos foi o procurador do Estado Silvio Jardim, que provocou os conselheiros: “Vocês sabem que há uma recomendação do Ministério Público de Contas para que não se liberem intervenções na área? Que o contrato entre o Estado e o empreendedor já está na sua quarta versão e que nenhuma das disposições contratuais foram cumpridas até hoje? Que esse consórcio já mudou sua formação diversas vezes e que tem entre seus integrantes empresas envolvidas na Lava a Jato e na operação Fundo Perdido, da Polícia Federal? Que não há dinheiro nem para restauras os armazéns?”.
Embora estivesse presente na sessão o diretor de Operações do Cais Mauá, Sérgio Lima, coube ao titular do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais da Prefeitura Municipal (Gades), Edemar Tutikian, rebater as acusações.
Além de informar aos presentes que o pedido de liminar referido por Jardim não foi acatado pelo conselheiro do Tribunal de Contas Alexandre Postal e que as indagações do MP de Contas “vão tramitar normalmente”, Tutikian defendeu o consórcio.
“Se houver problemas com a empresa, ela vai se manifestar no momento adequado. Sobre os recursos para a obra, não há como fazer a captação sem que o licenciamento esteja concluído. Nosso debate aqui deve ser sobre o uso do solo. Ao Estado cabe fiscalizar”, defendeu.
Processo está a disposição da população
Ao final, embora houvesse inscrições de conselheiros para comentar o voto do relator, o pleno decidiu não iniciar o debate na noite de terça, uma vez que houve um pedido de vistas da RP1, conforme havia sido combinado previamente. As representantes da Metroplan e da Ufrgs também haviam solicitado vistas, e a decisão da mesa foi conceder vista compartilhada a todos os conselheiros.
“Além disso, gostaria de esclarecer que qualquer cidadão pode entrar em contato conosco para analisar o processo”, anunciou o conselheiro da RP1, Daniel Nichelle, que está com a guarda dos papéis.
A RP1 agendou uma reunião aberta para debater o projeto com a comunidade na próxima segunda-feira, 17 de outubro, no Plenarinho da Câmara de Vereadores.
O conselheiro tem até 15 dias para entregar seu parecer sobre o projeto, que pode ou não ser acatado pelo relator. “Mas é possível pedir diligências também, o que aumentaria o prazo”, explica o vice-presidente, José Euclésio dos Santos.
Como o tempo da sessão foi extrapolado pelo debate sobre o Cais Mauá – e outros projetos também importantes para o conselho, como o novo modelo de cálculo do Solo Criado que está sendo proposto pelo colegiado – a apresentação do Estudo de Viabilidade Urbanística do Parque do Pontal (antigo Pontal do Estaleiro) ficou agendada para a próxima semana.

Conselho do Plano Diretor analisa Cais Mauá e Pontal do Estaleiro

 
Naira Hofmeister
A próxima reunião do Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre (CMDUA) promete ser quente. Na pauta do encontro dessa terça-feira, 11 de outubro, estão previstas a apresentação do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do Parque do Pontal – o antigo Pontal do Estaleiro, complexo comercial a ser construído na beira do Guaíba, entre o Museu Iberê Camargo e o BarraShopping Sul – e o voto do relator sobre o EVU do Cais Mauá.
Ambos projetos já foram aprovados pela Prefeitura Municipal em um pacotão que incluiu outras intervenções nas margens do Guaíba, como o projeto Gigante para Sempre, que prevê a construção de hotel e shopping na área do Beira-Rio e as fases de revitalização da Orla – uma delas entre o Gasômetro e a Rótula das Cuias, já em execução.
Embora tenha até 15 dias para concluir sua análise, o relator do EVU do Cais Mauá, o representante do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS), Sérgio Korem, acredita que será possível emitir o parecer já na reunião desta semana. “Trabalhei bastante no final de semana e deixei livre a manhã de terça para uma última revisão. Tenho a pretensão de apresentá-lo, sim”, revela.
O conselheiro, entretanto, admite que só revelará sua conclusão se houver “vencido todos os temas que possam suscitar perguntas” do colegiado. Ele preferiu não antecipar nenhuma de suas conclusões: “O que posso afirmar, preliminarmente, é que a nossa ideia é a de crescimento da cidade”.
Embora interessado diretamente na aprovação do projeto do Cais Mauá – na semana passada, o empreendedor revelou que teve reunião com o Sinduscon para garantir que todas as empresas contratadas para a execução do empreendimento serão do Rio Grande do Sul –, Korem não vê nenhum impedimento na sua relatoria.
“De maneira nenhuma me sinto em uma saia justa. Temos uma lista de entidades do Conselho que vão se sucedendo na análise dos processos e casualmente esse caiu para o nosso sindicato. Faremos uma análise correta, defendendo os interesses da cidade, cumprindo nosso papel de cidadãos”, assegura.
A relatoria dos processos, conforme salientado pelo conselheiro, segue uma ordem pré-estabelecida de rodízio entre os representantes com assento no colegiado.
Renovação da polêmica
Enquanto o projeto do Cais Mauá mobiliza coletivos de cidadãos contrários à iniciativa nos moldes como está sendo proposta desde o ano passado, o Parque do Pontal, novo nome do Pontal do Estaleiro, foi a principal polêmica na cidade entre 2008 e 2010.
Foi tanta pressão popular para que a obra não fosse executada – ela prevê, assim como no Cais Mauá, a construção de edifícios altos nas margens do Guaíba, o que povoca críticas desse setor da sociedade – que o então prefeito, José Fogaça, convocou um plebiscito sobre a intervenção em 2009.
Entretanto, ao contrário do que ocorre com o Cais Mauá, o assunto vinha tramitando na Prefeitura silenciosamente. No ano passado foram realizadas duas audiências públicas para análise do Estudo de Impacto Ambiental e de seu respectivo relatório (EIA-Rima), mas após esses eventos, muito tumultuados, nada mais se soube do projeto.
Nesta próxima terça, o próprio empreendedor estará presente na reunião do CMDUA para fazer a intrução à analise do EVU, que será relatado pelo representante da Região 8 do Planejamento.
Para o relator do processo do Cais Mauá, Sérgio Korem, do Sinduscon, a análise das duas propostas na mesma reunião pode ser positiva. “É difícil analisarmos em conjunto, cada assunto tem um processo separado. Mas se o Conselho decidir por um debate mais amplo, isso pode ser interessante”, acredita.
O conselheiro ainda salienta que o encontro de ambos projetos no CMDUA não o surpreende. “Estávamos com uma pauta muito trancada, nossa atividade estava quase parando porque havia muita demora na liberação dos processos. Então me parece natural que agora que estejam destravando a tramitação, recebemos muitos grandes empreendimentos para análise”, concluiu.
A reunião do CMDUA inicia às 18h e pode ser acompanhada livremente pelo público. Na semana passada, em razão da apresentação do EVU do Cais Mauá, houve muitos interessados presentes e a Secretaria de Urbanismo (Smurb) barrou a entrada de quem chegou após às 18h30. A justificativa era que a sala estava com lotação máxima, embora houvesse algumas cadeiras disponíveis e muito público em pé.

Cais Mauá: projeto de restauro dos armazéns está pronto desde 2013

Naira Hofmeister
Plantas e desenhos ilustrativos de como ficarão os armazéns tombados do cais do porto caso o projeto de revitalização do Cais Mauá realmente saia do papel foram apresentados pela primeira vez em público na última terça-feira, 4 de outubro, durante reunião do Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre.
O projeto está pronto desde 2013, porém, segundo o diretor de Operações do consórcio vencedor da licitação de exploração da área, Sergio José de Lima, não havia sido tornado público ainda por questões estratégicas. “Apresentamos nossos materiais à medida que consideramos interessante. Neste momento, estamos mostrando para os conselheiros esta parte do projeto. Mas a totalidade ainda não foi tornada pública, temos estudos mais atualizados”, revelou.
De acordo com o projeto, a área dos armazéns, que outrora serviam como depósito para cargas e descargas feitas no porto da Capital, será transformada em um centro comercial horizontal.
Tratando-se de patrimônio tombado, foi preciso especial cuidado na adequação do espaço. “O grande desafio foi pensar a infraestrutura: instalar redes de luz, água, esgoto, condicionamento térmico sem intervir na construção”, observou o arquiteto Rodrigo Poltosi, que trabalha para o escritório de Jaime Lerner, criador do projeto.
O conjunto atual é composto por 12 armazéns. Dois são protegidos pela União (A e B, que ladeiam o Pórtico Central) e serão restaurados e entregues à prefeitura de Porto Alegre para que desenvolva no local atividades culturais e artísticas. Outros nove são reconhecidos como patrimônio no âmbito municipal, e após as obras serão ocupados por atividades comerciais como lojas, bares, restaurantes e quiosques.
O Armazém A7, que não é tombado, deve ser derrubado para permitir a construção do shopping center que se estenderá até a lateral da Usina do Gasômetro. Um projeto de lei que tramita na Câmara de Vereadores quer estender a proteção também a este imóvel, que embora seja bem mais recente que o restante do conjunto, contribuiu para a formação da paisagem emblemática da cidade.
Lojas de um lado, praça de alimentação do outro
Excluindo os armazéns centrais e o A7 que pode deixar de existir, serão ocupados pelo comércio nove conjuntos de galpões: seis em direção à Usina (A1 a A6) e os outros três (B1, B2 e B3), até a altura do Mercado Público.
Embora semelhantes, os armazéns não são exatamente iguais internamente e, por isso, serão destinados a atividades que valorizem seu desenho interno. “Procuramos deixar a estrutura aparente, tendo cuidado de não intervir no patrimônio histórico. A única construção nova será um bloco solto, no meio de cada armazém, onde serão instalados banheiros e uma área de apoio”, explicou o arquiteto Rodrigo Poltosi.
Como já possuem corredores internos junto aos portões de metal em ambos os lados, os armazéns da linha “A” abrigarão lojas voltadas para a rua – tanto para o lado do Guaíba como do muro da Mauá.
Os corredores serão mantidos e servirão de passeio para proteger pedestres das intempéries do tempo e as lojas terão fachadas internas voltadas para estes espaços de cirulação e visíveis desde a rua.
Já os armazéns B1 e B2 receberão praças de alimentação e pequenas lojas ou quiosques de serviços como lotérias, agência dos Correios ou chaveiros, por exemplo. Ao contrario dos armazéns “A”, os do tipo “B” serão voltados para dentro, com circulação central e não periférica como no caso anterior. O armazém B3 deverá permanecer como terminal hidroviário, onde hoje opera o Catamarã.
Na área externa, 10 praças ou largos para lazer
A área externa aos armazéns também será reformada. Os paralelepípedos, que integram o conjunto histórico protegido, serão totalmente retirados durante a obra. “Será preciso corrigir as imperfeições que há no piso, para drenar a água e facilitar a caminhada”, justificou Poltosi.
Eles voltarão ao seu lugar original, mas haverá nova pavimentação também: por um lado, será criada uma faixa com piso liso para garantir a circulação de cadeirantes na área entre os armazéns e o Guaíba e mesmo o piso histórico sofrerá intervenção paisagística. Os paralelepípedos serão mesclados com grama em um “degradê” que termina em uma faixa verde rente às construções, onde arbustos e pequenos jardins servirão “para amenizar a ambiência industrial do porto”, segundo o arquiteto.
O espaço junto ao muro da Mauá será destinado a estacionamento de automóveis – parte das mais de 5 mil vagas para carros prevista no empreendimento.
Entre os conjuntos de armazéns serão criadas 10 praças destinadas à contemplação da natureza e à prática de esportes. A maior delas receberá o nome do poeta Mario Quintana e terá cerca de 100 m² de espaço livre. Grande parte desses largos poderá ser vista desde o centro da cidade, já que serão abertas novas comportas no muro da Mauá para ampliar o contato visual com o rio mesmo para quem estiver fora do complexo.
O muro da Mauá realmente será coberto por uma cortina d’água cuja preocupação dos arquitetos é que tenha “um efeito de cascata e não de chuveirinho”. Para projetar o sistema, foi contratada uma empresa portuguesa que, segundo Poltosi, é “expert mundial em fontes”.
Licença para obras já foi emitida
A restauração dos armazéns é a única parte do complexo Cais Mauá que já possui detalhamento arquitetônico e inclusive projeto executivo. Os estudos foram feitos em 2013 e permitiram ao consórcio obter licença para demolição de alguns edifícios dentro do Cais – os chamados puxadinhos, construções recentes que abrigavam refeitório, pequenas oficinas e estações de energia interna, por exemplo – e uma licença para início das obras de restauro.
“Só estamos esperando o licenciamento ambiental para começar”, explicou aos conselheiros do Plano Diretor a arquiteta do consórcio Cais Mauá, Marina Manfro.
Mas na Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smam), não há certeza se será preciso licenciar essa etapa da revitalização do Cais da mesma maneira que as demais, uma vez que os armazéns já estão instalados, e não envolvem novas construções.
A Smam emite três tipos de licença: a prévia (LP), de instalação (LI) e de operação (LO). A LP é consequência imediata da aprovação do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), fase em que se encontra atualmente o projeto de revitalização do Cais Mauá. A LP não permite ao empreendedor iniciar as obras.
A prefeitura já aprovou o EVU do Cais Mauá em um pacotão que incluiu também o Pontal do Estaleiro e até os edifícios do complexo Beira-Rio, às vésperas do primeiro turno das eleições municipais.
Esses EVUs precisam agora ser homologados pelo Conselho do Plano Diretor. O do Cais Mauá já ganhou relator, é o representante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil (Sinduscon), que prometeu o parecer para a reunião da próxima semana. O conselheiro da RP1 (Região do Planejamento que inclui o centro histórico da cidade), Daniel Nichele, já avisou que pedirá vistas: “Vamos debater com todos os delegados da região esse projeto, em uma ou até duas reuniões”, esclareceu.
De toda forma, um acordo sugere que não se extrapole o período de quatro semanas nessa tramitação, ou seja, o EVU do Cais Mauá poderá estar aprovado antes do fim do mês.
Patrimônio restaurado antes de 2019
O passo seguinte é aprovar os projetos executivos, condição fundamental para receber a Licença de Instalação (LI) – essa sim, permitiria o início das obras no local. Entretanto, há um entendimento dos técnicos da Secretaria de Urbanismo (Smurb), de que é preciso uma análise mais aprofundada das novas construções previstas no projeto (shopping center e três torres comerciais); por enquanto, só foram apresentados desenhos conceituais das edificações, o que é considerado insuficiente.
Ou seja, há um acordo de que a aprovação do EVU em questão tem como objetivo acelerar o início das obras nos armazéns. O shopping e os espigões passarão por todo o processo novamente, e serão analisados com lupa. Dessa forma, as LIs serão dadas separadamente por área para a região do Gasômetro e das Docas.
Caso tudo saia como planejado e o EVU do Cais seja mesmo aprovado nas próximas semanas, o consórcio poderia dar início ao restauro dos armazéns ainda este ano.Como a previsão dos arquitetos é que as obras desta primeira fase do empreendimento demorem de 18 a 24 meses, Porto Alegre poderia ter um dos seus principais cartões postais renovados para o início de 2019.

Projeto do Cais Mauá sofre mudanças na área do Gasômetro

Naira Hofmeister
Dois pontos que vinham sendo criticados por movimentos contrários ao modelo de revitalização proposto para o Cais Mauá, em Porto Alegre, foram modificados no projeto arquitetônico do complexo e revelados em apresentação do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) ao Conselho do Plano Diretor da cidade.
O mais relevante é um recorte feito no segundo pavimento do shopping center que será erguido ao lado da Usina do Gasômetro: na área mais próxima ao monumento, o empreendedor vai abrir um terraço, com 3 mil m², reduzindo a altura da edificação neste segmento e desobstruindo a visão que se tem do prédio histórico desde o Rio Guaíba. “Depois de algumas conversas com as secretarias, alteramos o projeto, diminuindo a ocupação de lojas e liberando a vista”, revelou o arquiteto Rodrigo Poltosi, porto-alegrense que trabalha com o escritório do curitibano Jaime Lerner, que assina o projeto.
A outra mudança é na forma de acesso a esta parte do empreendimento. Originalmente estava previsto o rebaixamento da avenida João Goulart no trecho, sobre a qual se estenderia uma grande esplanada verde. A obra, entretanto, foi excluída do projeto.
Segundo o diretor de operações da Cais Mauá do Brasil, Sergio José de Lima, que apresentou alguns pontos do empreendimento, a decisão foi da Prefeitura e não do empreendedor. “O rebaixamento não foi retirado do projeto por nós. Foi decisão da Prefeitura, em razão de uma série de intervenções que serão feitas na avenida”, justificou.
Para substituir essa intervenção, foi então idealizada uma passarela de pedestres, entre a praça Brigadeiro Sampaio e o shopping – mas esta obra tampouco será executada. Neste caso, pesou a avaliação de que a estrutura interferiria demais na paisagem. “Também teríamos que suprimir algumas árvores na praça”, complementou Lima.
A solução encontrada para o acesso de pedestres ao Cais Mauá neste ponto será simular a continuidade da Rua da Praia (Andradas) através de um piso especial. A intenção é sinalizar aos automóveis, através do pavimento diferenciado, que a prioridade no trecho é dos pedestres. Ao cruzar a avenida a pé, será possível chegar até a beira do Guaíba por um pequeno boulevard que separa o Cais Mauá do Gasômetro, que ganhará ambiência especial.
Demandas da Prefeitura esbarram na dificuldade de execução
A ideia de criar uma passarela de pedestres ligando o empreendimento ao Camelódromo, sugerida pela Secretaria de Urbanismo (Smurb) como forma de integrar melhor o empreendimento ao centro da cidade, também deu com os burros n’água. “Seria preciso elevar muito a passarela, mais até do que o próprio edifício do Camelódromo, em razão dos cabeamentos e do trem, que passam bem em frente”, observou o diretor de Operações do consórcio.
Entretanto, a passagem subterrânea na altura do mercado – que já existe – será totalmente reformada e ganhará elevadores nas duas pontas para facilitar o acesso. “Também terá policiamento pago pela empresa, para dar segurança aos transeuntes”, completou.
Por outro lado, a demanda de que houvesse transporte interno no complexo para que os visitantes pudessem circular de uma ponta a outra foi atendida: serão disponibilizadas bicicletas, carrinhos elétricos e ônibus jardineiras.
Contrapartidas seguem indefinidas
Lima reiterou que serão feitas alterações na circulação de automóveis na Avenida Mauá, realocação de paradas de ônibus e semáforos para facilitar o acesso de pedestres. Entretanto, sublinhou que as contrapartidas da obra ainda não foram definidas.
Esse é um dos pontos em que há desacordo entre a Prefeitura e o empreendedor, que se queixa há anos dos valores exigidos para compensação. Em 2014, foram anunciadas obras de R$ 45 milhões, valor reduzido no ano seguinte para R$ 36 milhões.
Uma das críticas que movimentos cidadãos fazem ao projeto é o fato de que a obra de maior vulto financeiro do consórcio para a cidade – o prolongamento da rua Ramiro Barcelos – beneficiará mais ao empreendimento do que à população da Capital, uma vez que será por esta via, rebaixada sob a Avenida da Legalidade, que entrarão os veículos na área das docas do Cais Mauá, onde serão erguidos os espigões com hotel e escritórios. Em valores de 2015, essa intervenção custaria ao empreendedor R$ 24,3 milhões.
“Este é o acesso mais sensível ao empreendimento, vai ser feito com uma comporta no dique”, admitiu, na reunião com o Conselho do Plano Diretor, o arquiteto Rodrigo Poltosi, porto-alegrense que trabalha para o escritório de Jaime Lerner, que assina o projeto.
Torres terão 100, 90 e 52 metros de altura
A apresentação do projeto esclareceu ainda alguns pontos que permaneciam obscuros, como a altura das torres, que terão 100, 90 e 52 metros.
Embora o Plano Diretor de Porto Alegre estabeleça 52 metros como limite máximo de altura para construções na cidade, o arquiteto Rodrigo Poltosi acredita que as conStruções não serão destoantes do “sky line” da cidade.
“As duas torres maiores são só um pouco mais altas que os edifícios da Mauá. Mas considerando a topografia da cidade, que se eleva, elas ficarão totalmente integradas na paisagem”, argumentou.
 

Fortunati entra na campanha com mega projeto para a Orla

Sem aparecer, o prefeito José Fortunati entrou na campanha eleitoral anunciando um mega projeto para toda a Orla do Guaíba.
Através de um press release, o prefeito anunciou no fim da tarde desta sexta feira
que durante a semana “foram aprovados os Estudos de Viabilidade Urbanística (EVUs)” dos dois projetos mais importantes em tramitação na administração municipal: o Cais Mauá e o Pontal do Estaleiro.
“Chegou-se à etapa semifinal, da liberação da Licença Prévia para o início dos restauros e da revitalização nos dois espaços”, diz a manchete postada no site da prefeitura, às 18h38.
O extenso e minucioso texto não menciona nenhum dos aspectos polêmicos dos dois projetos, que enfrentam ações na Justiça, inclusive. O mais importante deles, está na mira do Ministério Público de Contas e é contestado por um movimento comunitário – Cais Mauá de Todos – que além de fortes mobilizações, faz uma crítica certeira à pouca transparência dos grandes projetos em andamento na cidade.
A nota, em tom de campanha, menciona uma sucessão de projetos até o Pontal do Estaleiro.  A fase I junto à usina do Gasômetro “já está com 60% dos trabalhos concluídos”. É o trecho que vai da Usina do Gasômetro – “que também está passando por recuperação e requalificação – até a Rótula das Cuias, incluindo a total remodelação da Praça Júlio Mesquita, antiga Ponta da Cadeia, já em fase final de execução”.
“Um segundo trecho, que inicia na margem Sul do Arroio Dilúvio e vai até as proximidades do Parque Gigante, constitui a chamada Fase III da Orla, que terá quadras esportivas e uma nova pista de skate, maior do que a existente no Parque Marinha do Brasil, entre outras benfeitorias. Esta fase conta com projeto executivo e recursos aprovados pela CAF (Corporação Andina de Fomento) para o início de sua execução já em 2017.
Outra novidade: “Entre este trecho e o Parque do Pontal, haverá ainda dois empreendimentos privados de responsabilidade do Sport Club Internacional e parceiros, que ampliarão a área construída do chamado Parque Gigante, além de um prédio comercial ao sul do edifício-garagem hoje existente na área do Beira-Rio”.

Sérgio da Costa Franco: “Porto Alegre não se rendeu”

Elmar Bones

Trecho de A Cidade Sitiada, livro de Sérgio da Costa Franco sobre o cerco a Porto Alegre, lançado em setembro de 2000
Trecho de A Cidade Sitiada, livro de Sérgio da Costa Franco sobre o cerco a Porto Alegre, lançado em setembro de 2000

Essa história ficou encoberta, até que o historiador Sérgio da Costa Franco encontrou nos arquivos do Instituto Histórico um calhamaço de mais de 200 páginas manuscritas, que lhe tomou seis meses de trabalho. “Foi uma trabalheira”, diz ele, lembrando o paciente esforço que teve de fazer para decifrar os garranchos de um certo Queirós, autor de um diário inédito sobre o período em que Porto Alegre esteve sitiada pelos farroupilhas.

A descoberta motivou‑o a enfrentar um desafio do qual ele tinha desistido por “fastio” da Revolução Farroupilha. Partindo das informações do diário, ele retomou suas pesquisas para contar o que foram os 1.231 dias em que a cidade viveu sob a ameaça de escassez e abaixo de bombardeios.

 

Franco recebeu a reportagem do JÁ para esta entrevista exclusiva no dia 13 de julho de 2016.

JÁ – O senhor voltou a estudar a Revolução Farroupilha …

Eu me aproximei novamente do assunto por causa da história de Porto Alegre. O sítio farroupilha à cidade foi um episódio muito importante, influiu no seu desenvolvimento, causou uma paralisia dos negócios durante quatro anos, então sob este aspecto é que interessou. Vi que tinha muita coisa ainda inexplorada… e o assunto tinha quase virado um tabu.

Como foi o cerco?

O sítio de Porto Alegre nunca mereceu maior atenção dos historiadores regionais. Este fato é, de certo modo, compreensível. Toda a historiografia do ciclo farroupilha é marcada pela devoção reverencial aos rebeldes, senão por sua apaixonada mitificação. Dessa fatal parcialidade provavelmente nunca se livrará a bibliografia histórica rio-grandense, por mais revisões que se faça.

O sítio foi um fracasso….

Foi um fracasso militar dos farroupilhas. Depois de perderem a cidade na reação de 15 de junho de 1836, os rebeldes nunca mais conseguiram retomá-la. Mesmo com forte superioridade numérica, submetendo os moradores da capital à fome e a restrições diversas, jamais conseguiram dominar a sede provincial. Por isso, a cidade ganhou o título honorífico de “leal e valorosa”, outorgado pelo governo Imperial em 1841.

A omissão do cerco então foi deliberada?

Não soaria simpático aos porto-alegrenses o relato dos reiterados canhonaços e bombardeios com que as forças de Bento Gonçalves, Souza Netto, Bento Manoel e David Canabarro alvejaram repetidamente a cidade, intranqüilizando e atemorizando sua população.

Que efeitos teve sobre a cidade?

Freou a expansão da cidade durante vários anos. Equipamentos e serviços precisaram conter-se dentro do estreito perímetro das fortificações e trincheiras, e a população rural da periferia viveu submetida a repetidas mudanças de senhores sob a angústia das requisições forçadas, das violências pessoais e dos saques. A Câmara Municipal tinha vários portugueses e foi engraçado. Eles deram no pé, porque os farroupilhas tomaram a cidade e esses vereadores comerciantes portugueses se afastaram com as alegações mais estranhas. Por exemplo, o Lopo Gonçalves, fundador da Associação Comercial de Porto Alegre, figura importante da cidade, pediu uma licença por três meses para ir aos banhos de mar…. e se mandou em inícios de outubro!

Por que eles mantiveram o cerco se era inútil?

Taticamente, a manutenção do sítio pelos rebeldes teve apenas a eficácia de manter numerosas forças legalistas retidas na capital, privando-as de tentar o controle militar no interior da província. O sítio de Porto Alegre não ilustra os feitos guerreiros dos Bentos e dos Netos, nem os irmana à memória sentimental da capital gaúcha. Incoerente, a cidade ergueu monumentos e votou homenagens aos sitiadores que a maltrataram, e esqueceu os soldados, marinheiros e paisanos voluntários que garantiram sua integridade em quatro anos de lutas.

Esse é o tema de seu livro?

Sim. Ele foi também motivado pela recente descoberta de um esquecido diário manuscrito, no qual se narram, passo a passo, as peripécias do sítio entre 1837 e 1838. Tal documento, inédito, somado a outros já divulgados há muito tempo, patenteia o quanto foi dramático para a população citadina o cerco que lhe foi imposto, com algumas interrupções, desde junho de 1836 a dezembro de 1840.

Onde estava esse diário?

Eu o encontrei no Instituto Histórico, até copiei à máquina, me deu um trabalho enorme, porque era um manuscrito de difícil leitura. Interessante que a primeira parte desse manuscrito, o Moacyr Flores tinha encontrado e publicou num livrinho, uns anos atrás. Mas a parte que ele encontrou era pequena. O que eu encontrei é a continuação. Me dá a impressão de que o autor tinha um objetivo jornalístico, ele devia remeter para o Rio de Janeiro, provavelmente porque, ao fim de alguns capítulos, ele fala assim: “Seguiu pela sumaca tal”.

Quem era o autor do diário?

Era um português que se chamava Barreto Queirós. Ele só assina Queirós. O Moacyr dá como certo esse nome, e na investigação que fez diz que o sujeito era secretário do Cônsul da Sardenha, aqui. O que se identifica nele é que era português e hiper-reacionário, talvez partidário de Dom Miguel, porque é contra as Constituições, antiliberal. Mas ele registra o dia-a-dia: hoje, chegou o cara vendendo galinha, charque, então é interessante do ponto de vista de um relato do cotidiano.

2009-franco2Como era esse ambiente?

Porto Alegre ficou dividida. Os legalistas reconquistaram a cidade, mas havia o grupo dos partidários do Araújo Ribeiro, tio‑bisavô do deputado Paulo Odone, de tendência liberal, inclinado à negociação, e outro grupo radical, dos portugueses, que era contrário. Entre eles se digladiavam violentamente pela imprensa, e, no clima da cidade sitiada, as brigas eram ferozes. O português do diário era dos mais reacionários e suas observações são constantes. Eu tinha pensado em publicar, mas a copidescagem seria tão grande que não valia a pena. Depois, ele enchia muita linguiça, era linguagem de jornalista mesmo.

Com que freqüência ele escrevia?

Todos os dias. Mandava quando havia barco para o Rio, mas escrevia diariamente, textos enormes, até demais, descrevia o dia‑a‑dia e acrescentava divagações filosóficas. Eu entreguei a cópia ao Instituto Histórico, deu mais de 200 páginas datilografadas. O original era uma maçaroca no meio de outros documentos. Há outro diário, que foi publicado em 1885 ou 86, de um anônimo. Na verdade, era um advogado, Fagundes, que foi provedor da Santa Casa e deputado provincial. Ele escreveu sob o anonimato, mas era um diário dos anos 39 e 40, do final do sítio. Então, com o diário do Queirós, que se refere a 37 e 38, mais os documentos militares, a troca de correspondência e as atas da Câmara Municipal sobre problemas de desabastecimento e especulação de preços, com esse conjunto consegui fazer o livro.

Ficou esclarecido o local das fortificações?

As fortificações, sabe-se que eram só trincheiras cavadas, não havia construções de alvenaria, nada, salvo alguns baluartes que fizeram para botar canhões. Também havia os chamados “pontos” artilhados, que eram 16, um pouco mais fortificados, cada um tinha uns dois canhões.

O sítio chegou a perturbar a vida da cidade?

Ah, sim! A comunicação toda era via fluvial. O que garantia o abastecimento eram os lanchões que iam para São Leopoldo, isso quando os farrapos não estavam dominando aquela região, daí não passava nada. No mais, eram operações de guerrilha, na direção do Guaíba.

Como era a cidade dessa época?

Em Porto Alegre, viviam funcionários e comerciantes, principalmente. Deviam ser uns 10 mil na época da guerrilha, mas não era tão pouca gente. E dois mil homens foram defender as trincheiras, paisanos que não hesitaram…

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Pintura a óleo da primitiva Santa Casa de Porto Alegre, de autor desconhecido

Sobre as causas da Revolução, qual é a sua conclusão?

Bom, o primeiro manifesto dos farroupilhas não fala absolutamente em qualquer problema econômico. Não há nada. Só fala no problema político, nos presidentes estranhos à província, só isso. Depois, quando houve a proclamação da Independência, no manifesto de 1838, três anos depois, vem a justificativa econômica, já para legitimar a República. Aquilo sempre me chamou a atenção, a argumentação a posteriori. Eles queriam mesmo era o poder. Logo após a Guerra da Cisplatina, Bento Gonçalves, Bento Manoel e outros haviam sido generais do Exército brasileiro, tinham sido mal-sucedidos… Perderam a guerra, perderam o Uruguai, para eles foi um revés enorme. Eles eram gente da fronteira, acostumados a negociar com a Cisplatina, a ir e vir. Aquilo foi uma forte causa de inconformidade. É uma das causas mais quentes da Revolução Farroupilha, a derrota da Cisplatina.

Foi deflagrada por razões políticas, então?

Sim. A meu ver, no início foram razões estritamente políticas. Depois, então, surge aquela fundamentação toda para justificar a declaração da independência. Aliás, quem faz aquilo, o manifesto todo é do Domingos José de Almeida, que de gaúcho não tinha nada, era mineiro. A Revolução nunca contou com o apoio de Porto Alegre, nem de Rio Grande ou de São José do Norte, as praças do litoral ligadas ao comércio. E o comércio não tinha interesse nenhum naquilo. Os farrapos estavam em completa impopularidade, tanto que meia dúzia de oficiais que estavam presos se organizaram e reconquistaram a cidade. Enfrentaram o cerco dos farrapos e os dominaram, com apenas 200 homens contra mais de 500. Aguentaram porque tinham o apoio popular. E, no final, vieram os populares para as trincheiras. Nisso também entrava o medo dos escravos, o exército dos farroupilhas era puro negro. No diário desse Queirós, ele só fala nisso “os negrinhos voltaram aí, olha a turma do São Benedito”, era tudo negro. Quando eles davam cifras de prisões, elas eram assim: 20 negros e cinco brancos. Os soldados e os lanceiros eram os escravos dos legalistas, que haviam sido recrutados com promessas de liberdade. Claro que a população da cidade tinha medo disso: imagine um exército de ex-escravos.

O que fica, hoje, dessa Revolução?

Agora é um negócio que se incorporou ao imaginário, uma porção de mitos se acumulou ao longo do tempo. A Revolução Farroupilha, na verdade, foi uma divisão dentro da sociedade. A disputa pelo poder, não era mais do que isso. Eu tenho estudado muito a história de Jaguarão, que é a minha terra, e descubro coisas engraçadas… O chefe farroupilha e o chefe legalista da cidade eram vizinhos, moravam no mesmo quarteirão. Os pátios das casas se encontravam. Eles até morreram na mesma época e pude ver o inventário dos dois. Era semelhante, os dois cheios de escravos.

A Câmara Municipal de Jaguarão foi a primeira a apoiar a República, logo que proclamada. Tinha um vereador que era irmão de Bento Gonçalves, e outros parentes, então a Câmara solidarizou-se com a República Rio-grandense. Quando de novo se reúnem, em 1845, a mesma Câmara que tinha prestado solidariedade ao Bento Gonçalves e à República Rio-grandense saúda o Duque de Caxias e agradece a pacificação, com um caloroso elogio à Caxias. Em seguida, realiza-se a eleição e vê-se o seguinte: os que foram declaradamente farrapos tiveram menos votos e os eleitos são gente da nova geração, que estavam aparecendo naquele momento.

Sobre o suposto acordo do Canabarro com Caxias, qual a sua versão? A carta forjada seria uma manobra de contra-informação?

Não sei. Mas que os escravos vêm a ser uma pedra no sapato dos Farrapos, isto sim. Eram. Eles tinham a promessa de liberdade e o acordo não saía por isso. Quer dizer, não é fora de propósito que os Canabarro resolvessem sacrificar os negrinhos…

Iam buscar os escravos dos adversários para lutar nas suas fileiras em troca de liberdade, mas mantinham os seus.

Chamavam os escravos dos adversários, sim. A Constituição Farroupilha não aboliu a escravatura, mesmo vindo depois da uruguaia, que aboliu.