Cais Mauá: lei municipal de 2010 define regras para utilização da área

Em março de 2010, o então prefeito José Fogaça aprovou a lei complementar Municipal  nº 638.  A lei fazia parte das mudanças para viabilizar a concessão do cais à iniciativa privada.

Alterou os indices para novas construções na área e estabeleceu regras para a utilização do Cais Mauá, sem as atividades de navegação e transporte de mercadorias

No seu artigo 2º a lei define as atividades a serem implantadas no Cais Mauá:

I – centro de educação ambiental permanente voltado à disponibilização de informações sobre o monitoramento das águas do lago Guaíba e ecossistemas associados;

II – centro de convenções e museu de tecnologia, composto de espaço para feiras, auditório e salas de conferências e treinamentos, dotados de infraestrutura tecnológica;

III – espaço específico para o ensino, o fomento e a divulgação de inovação, ciência e tecnologia e a incubação de empreendimentos de base tecnológica, incluindo os agentes responsáveis pela articulação desses temas;

IV – centro de referência do artesanato;

V – na extensão que o abrange, pontos de embarque e desembarque de passageiros de barcos turísticos, com a devida infraestrutura e local para compra e venda de bilhetes para os passeios”.

Veja a íntegra da Lei:

O PREFEITO MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE Faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu, no uso das atribuições que me confere o inciso II do artigo 94 da Lei Orgânica do Município, sanciono a seguinte Lei Complementar:

Art. 1º Ficam estabelecidas, nos termos desta Lei Complementar, regras para a utilização da área do Cais Mauá.

Art. 2º No Cais Mauá, serão implantados:

I – centro de educação ambiental permanente voltado à disponibilização de informações sobre o monitoramento das águas do lago Guaíba e ecossistemas associados;

II – centro de convenções e museu de tecnologia, composto de espaço para feiras, auditório e salas de conferências e treinamentos, dotados de infraestrutura tecnológica;

III – espaço específico para o ensino, o fomento e a divulgação de inovação, ciência e tecnologia e a incubação de empreendimentos de base tecnológica, incluindo os agentes responsáveis pela articulação desses temas;

IV – centro de referência do artesanato; e

V – na extensão que o abrange, pontos de embarque e desembarque de passageiros de barcos turísticos, com a devida infraestrutura e local para compra e venda de bilhetes para os passeios.

§ 1º O centro referido inc. IV do “caput” deste artigo destinar-se-á à realização de atividades relacionadas com a produção artesanal, tais como:

I – oficinas;

II – demonstrações de técnicas; e

III – exposições.

§ 2º O centro referido no inc. IV do “caput” deste artigo conterá espaço suficiente para a realização das atividades referidas no § 1º deste artigo, bem como para sua administração, que ficará sob responsabilidade do Sindicato dos Artesãos do Estado do Rio Grande do Sul.

§ 3º Dentre os pontos referidos no inc. V do “caput” deste artigo, fica incluído 1 (um) na área da Usina do Gasômetro.

§ 4º Para o ponto de embarque e desembarque de passageiros de barcos de turismo existente na área do Cais Mauá, será implementada a infraestrutura e considerado 1 (um) local adequado para compra e venda de bilhetes para passeios.

Art. 3º No Cais Mauá, ficam assegurados:

I – espaço para a instalação de terminal de passageiros para transporte hidroviário coletivo através do lago Guaíba;

II – percentual de utilização dos espaços de seus armazéns para ações coletivas, eventos como feiras e, dentre outras manifestações culturais, artísticas ou esportivas, a constituição de um centro referencial de leitura;

III – preservação dos trilhos ferroviários de bondes e do calçamento de composição granítica existentes no local;

IV – junto ao terminal hidroviário existente, ou em outra área a ser definida, espaço para operação de barcos de turismo e passeio, com área em terra para a operacionalização dos serviços, cujos custos serão negociados com o consórcio vencedor;

V – ponto de embarque e desembarque de passageiros de barcos de turismo em local próximo ao portão central da área do Cais Mauá, a ser revitalizada com infraestrutura de terra adequada e o fornecimento de água, luz e sala apropriada para a recepção de passageiros e a venda de bilhetes; e

VI – manutenção do ponto de embarque e desembarque de passageiros de barcos de turismo já existente na área do Cais Mauá.

Parágrafo Único – O percentual referido no inc. II deste artigo será definido em edital.

Art. 4º Toda e qualquer construção na área do Cais Mauá será recuada da linha d´água em, no mínimo, a distância que os armazéns localizados na Subunidade 04 da Unidade de Estruturação Urbana (UEU) 02 da Macrozona (MZ) 01 guardam dessa linha.

Art. 5º Todos os projetos urbanísticos para a área do Cais Mauá deverão prever a continuidade da realização da Feira do Livro de Porto Alegre no local.

Art. 6º Os projetos e seus respectivos memoriais descritivos relativos ao Cais Mauá, bem como as edificações e seus espaços abertos, atenderão ao conceito de construção ambientalmente sustentável, observando os seguintes princípios:

I – qualidade ambiental interna e externa;

II – uso eficiente da energia, bem como de matrizes alternativas;

III – coleta seletiva, reciclagem, reutilização e redução dos resíduos sólidos;

IV – conservação, uso racional e reaproveitamento das águas;

V – aproveitamento das condições naturais locais;

VI – implantação e análise do entorno;

VII – inovação;

VIII – uso de materiais certificados e renováveis;

IX – paisagismo com espécies nativas;

X – gerenciamento dos resíduos da obra, incluindo segregação, reaproveitamento, reciclagem, transporte e destinação final; e

XI – previsão de acessos públicos e de ciclovia compatibilizados com o Plano Diretor Cicloviário Integrado.

Art. 7º Constituem diretrizes estratégicas para o Cais Mauá:

I – o estudo de ligação aérea ou em nível, vegetada sobre a Avenida Presidente João Goulart, integrando a Praça Brigadeiro Sampaio ao Cais Mauá;

II – a possibilidade de conexão para acesso de pedestres entre o Centro Popular de Compras e o Projeto Cais Mauá; e

III – a criação do equipamento público “Centro da Juventude – Laboratório de Desenvolvimento da Criatividade e Empreendedorismo em Cultura, Esporte e Inovação” para 1 (uma) área do Cais Mauá.

§ 1º O equipamento público referido no inc. III do “caput” deste artigo consistirá em 1 (um) espaço destinado especialmente à juventude porto-alegrense e gaúcha, com acesso universal aos cidadãos em geral e com a missão de realizar trabalhos de resgate, prevenção e inclusão social, por meio de atividades de cultura, arte, esporte, lazer, formação profissional e cidadã, inclusão digital, fomento ao empreendedorismo e à inovação.

§ 2º O equipamento público referido no inc. III do “caput” deste artigo será localizado em 1 (um) dos prédios dos antigos armazéns do Cais Mauá.

§ 3º A gestão do equipamento público referido no inc. III do “caput” deste artigo será realizada conforme regimento a ser elaborado pelo Executivo Municipal e submetido à aprovação da Câmara Municipal de Porto Alegre, nele constando obrigatoriamente a coordenação compartilhada e paritária entre o Executivo Municipal e entidades com envolvimento comprovado nas áreas de atuação desse equipamento público.

Art. 8º Ficam alterados os limites das Subunidades 01 e 02 na UEU 02 da MZ 01, conforme Anexo desta Lei Complementar.

Art. 9º Fica definido o seguinte regime urbanístico para a Subunidade 02 da UEU 02 da MZ 01, conforme Anexo desta Lei Complementar:

I – Densidade: 335 hab/ha e 110 econ/ha;

II – Grupamento de Atividade: Mista 03, código 07 do Anexo 5.1 da Lei Complementar nº 434, de 1º de dezembro de 1999 – Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) -, e alterações posteriores;

III – Índice de Aproveitamento: IA = 1,9 + IAA;

IV – Regime Volumétrico – Alturas: H1 = 0,00m (área não edificável), H2 = prédios tombados/inventariados e H6 = 100,00m (condicionada à observância do Plano Específico de Proteção do Aeroporto Internacional Salgado Filho); e

V – Regime Volumétrico – Taxa de Ocupação: TO2 = 75%.

Art. 10. Ficam criadas as Subunidades 04 e 05 na UEU 02 da MZ 01, conforme Anexo desta Lei Complementar.

Art. 11. Fica definido o seguinte regime urbanístico para a Subunidade 04 da UEU 02 da MZ 01, conforme Anexo desta Lei Complementar:

I – Densidade: 70 hab/ha e 20 econ/ha;

II – Grupamento de Atividade: Mista 03, código 07 do Anexo 5.1 da Lei Complementar nº 434, de 1999, e alterações posteriores;

III – Índice de Aproveitamento: IA = 0,5 + IAA;

IV – Regime Volumétrico – Alturas: H1 = 0,00m (área não edificável), H2 = prédios tombados/inventariados e H3 = 6,70m (base dos oitões dos armazéns); e

V – Regime Volumétrico – Taxa de Ocupação: TO1 = 40%.

Art. 12. Fica definido o seguinte regime urbanístico para a Subunidade 05 da UEU 02 da MZ 01, conforme Anexo desta Lei Complementar:

I – Densidade: 140 hab/ha e 40 econ/ha;

II – Grupamento de Atividade: Mista 03, código 07 do Anexo 5.1 da Lei Complementar nº 434, de 1999, e alterações posteriores;

III – Índice de Aproveitamento: IA = 1,0 + IAA;

IV – Regime Volumétrico – Alturas: H1 = 0,00m (área não edificável), H4 = 14,00m (base) e H5 = 14,00m (base) + 18,00m (corpo) = 32,00m (total); e

V – Regime Volumétrico – Taxa de Ocupação: TO2 = 75% no corpo e 90% na base.

Art. 13. Relativamente ao disposto nos arts. 9º, inc. II, 11, inc. II, e 12, inc. II, desta Lei Complementar, não há limitação de porte para o entretenimento noturno, e ficam vedados:

I – templos e locais de culto em geral;

II – comércio atacadista em geral;

III – Serviços de Interferência Ambiental de Nível 3;

IV – instalação de indústrias poluentes ou com potencial efeito poluidor; e

V – uso residencial.

Art. 14. Quanto aos afastamentos de altura das edificações na área do Cais Mauá, deverá ser observado, no zoneamento H5, o afastamento mínimo frontal do corpo de 4,00m (quatro metros) em relação ao alinhamento da Avenida Presidente João Goulart.

Parágrafo Único – Fica vedado o balanço de 1,20m (um vírgula vinte metro) da edificação sobre o recuo de altura estabelecido no “caput” deste artigo e no zoneamento H1.

Art. 15. A aplicação do índice de aproveitamento e da taxa de ocupação na área do Cais Mauá dar-se-á com a utilização plena dos dispositivos de controle da edificação no imóvel, sem doação de áreas para o sistema viário e equipamentos públicos comunitários.

Art. 16. Na área do Cais Mauá, o elemento morfológico conceituado como Volume Superior na Lei Complementar nº 434, de 1999, e alterações posteriores, será objeto de análise específica, com intuito de integrá-lo ao corpo da edificação, cuja avaliação ficará a critério do Sistema Municipal de Gestão do Planejamento (SMGP).

Art. 17. Os regimes urbanísticos estabelecidos nesta Lei Complementar para a as Subunidades 02, 04 e 05 da UEU 02 da MZ 01 vigorarão até o dia 31 de dezembro de 2012, sendo assegurada aos investidores que licenciarem e iniciarem suas obras a utilização dos respectivos índices.

Parágrafo Único – Nos primeiros 90 (noventa) dias de 2013, o Executivo Municipal enviará à Câmara Municipal de Porto Alegre projeto que estabeleça os critérios de atualização desta Lei Complementar, com a manutenção, a modificação ou a revogação dos índices nesta Lei Complementar contidos.

Art. 18. O Município de Porto Alegre não responderá por perdas e danos ocorridos na área do Cais Mauá decorrentes de inundações ou fechamento das comportas do dique.

Art. 19. Os atos de aprovação ou licenciamento dos projetos arquitetônicos conterão advertência sobre o fato de o Cais Mauá tratar-se de empreendimento localizado fora do Sistema de Proteção Contra Cheias do Município de Porto Alegre e, por isso, estar sujeito a inundações.

Art. 20. Todos os demais dispositivos, conceitos e padrões urbanísticos não especificados nesta Lei Complementar deverão observar o disposto na Lei Complementar nº 434, de 1999, e alterações posteriores, bem como as diretrizes urbanísticas e ambientais estabelecidas pelo Município de Porto Alegre.

Art. 21. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.

PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, 4 de março de 2010.

JOSÉ FOGAÇA
Prefeito

MARCELO GULARTE
Secretário do Planejamento Municipal, em exercício

Cais Mauá: um fracasso de sete governos

Depois de atravessar sete governos*, a tão esperada revitalização do Cais Mauá não saiu do papel e, desde janeiro de 2019, segue pousada na mesa do governador Eduardo Leite, como uma bomba relógio.

Terreno mais valioso de Porto Alegre, com três quilômetros de extensão diante do Guaíba, o cais segue abandonado. Prédios e equipamentos tombados pelo patrimônio público estão em risco.

Em julho de 2019, depois de um relatório da Procuradoria-Geral do Estado, o governador rescindiu o contrato com empresa Cais Mauá do Brasil, constituida para administrar a área, sob regime de concessão.

A empresa prometia investir R$ 500 milhões para implantar em quatro anos um novo polo empresarial-comercial na área do antigo porto da capital. Com os recursos da exploração comercial-imobiliária seriam bancados os restauros dos bens tombados pelo Patrimônio.

A empresa trocou cinco vezes de direção e só acumulou dividas, sem dar início às obras. Captou R$ 130 milhões no mercado financeiro, mas não tinha mais como pagar nem os guardas que faziam a segurança.

Com a rescisão, o projeto de reconciliar a cidade com seu porto, criando ali um novo espaço de convivência e lazer que revolucionaria o Centro Histórico de Porto Alegre, voltou à estaca zero.

O governo trabalha num novo plano, mas pouca coisa tem sido divulgada. Os sinais emitidos indicam a intenção de fatiar a área para concessão ou venda.

O contrato com o Cais Embarcadero, para a instalação de um centro de lazer e gastronomia num dos extremos do terreno é um exemplo e, por isso, enfrenta questionamentos, a começar pelo procurador-geral do Ministério Público de Contas, Geraldo da Camino.

As entidades de representação da sociedade civil que desde o início denunciavam os descaminhos do projeto original, esperavam ser ouvidas. Mas até agora foram ignoradas.

*O primeiro projeto para revitalizar o Cais Mauá foi feito por Alceu Collares, em 1990. Seguiram-se: Antônio Britto, Olívio Dutra, Germano Rigotto, Yeda Crusius, Tarso Genro e Ivo Sartori.

Fonte: Jornal Já Edição Especial: Cais Mauá: Até Quando?

Obras aceleradas para conclusão do Cais Embarcadero em novembro

Cleber Dioni Tentardini
Texto e fotos

As obras do Cais Embarcadero, um complexo de lazer e gastronomia que ocupará o Armazém A7 e seu entorno, no Cais Mauá, estão aceleradas.

Pelo menos vinte operários trabalhavam no local na manhã desta quarta-feira (05).

 

 

 

 

 

 

 

 

Embora haja um expediente no Tribunal de Contas do Estado (TCE) para examinar o contrato com o Embarcadero, o governador Eduardo Leite autorizou a continuidade das obras.

Em junho, Leite assinou um pré-contrato garantindo a concessão da área para o empreendimento, que deve ser concluído até novembro deste ano, informa o diretor Juan Moro. A data de inauguração vai depender da pandemia.

O projeto não sofreu alterações desde que foi apresentado publicamente há cerca de um ano: serão instalados bares, parque para as crianças e quadras esportivas, em uma área de 19 mil metros quadrados, que parte do armazém em direção à Usina do Gasômetro. Esse espaço representa cerca de 10% do Cais.

Seu projeto urbanístico foi aprovado pela prefeitura de Porto Alegre em julho do ano passado.

O empreendimento tem como sócios a DC Set Promoções e a Tornak Participações e Investimentos, que estão investindo em torno de R$ 6 milhões no projeto.

AMACAIS alerta para
danos ao patrimônio

A Associação Amigos do Cais do Porto – AMACAIS acionou a Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Porto Alegre para apurar possível dano ao patrimônio cultural de Porto Alegre, na área do Cais Mauá, com a instalação do Embarcadero.

De acordo com a advogada Jacqueline Custodio, diretora jurídica da associação, o patrimônio cultural não foi conservado e a sua deterioração é visível, mesmo com a proibição de acesso à população.

”Com a continuidade das obras do Embarcadero, além do descaso com a manutenção e conservação, há possibilidade de dano direto ao patrimônio cultural. Há algum tempo, foi colocada uma série de contêineres pintados de preto, em frente ao Armazém A7, de forma a interferir na paisagem característica de Porto Alegre. Além disso, as obras, em si, podem causar danos ao pavimento de granito, que é tombado pelo Município”, apontou a advogada.

Outras fotos do local:

 

 

 

 

 

 

 

 

Cais Mauá: Leite assina pré-contrato com Embarcadero num cenário incerto

O governo do Estado assinou na quinta-feira (25/6), um pré-contrato com a empresa Embarcadero.

As obras para instalar um espaço de lazer e entretenimento numa área do Cais Mauá, junto à Usina do Gasômetro, estão paradas desde o início de março por entraves jurídicos.

Segundo a nota da assessoria de imprensa, trata-se de um “protocolo de intenções” para “viabilizar a conclusão do projeto de revitalização de área do cais no Guaíba ao lado da Usina Gasômetro”.

A empresa diz que já investiu R$ 3,2 millhões, de um total de R$ 6 milhões previstos no empreendimento, em instalações de infraestrutura elétrica, hidrossanitária, de gás, segurança e iluminação entre outras.

Na assinatura do documento, no Palácio Piratini, o governador Eduardo Leite disse que estava ” manifestando publicamente que é firme e seguro o investimento que está sendo realizado pelo Embarcadero, que é muito desejado pelos gaúchos e pelo governo do Estado, e que vai sair do papel para ser entregue, em breve, não apenas à comunidade de Porto Alegre, mas a todos os gaúchos”.

O projeto na verdade enfrenta resistências de um movimento comunitário e de entidades como o Instituto dos Arquitetos do Brasil, que contestam o desmembramento do projeto de revitalização de todo o Cais Mauá.

Também o Ministério Público de Contas questiona o fracionamento do projeto de revitalização e a transferência de espaço público para uma empresa privada sem licitação.

Área interditada dos armazéns do Cais Mauá. Foto: Cleber Dioni Tentardini

Sítio histórico, tombado pelo Patrimônio Público, o Cais Mauá esteve dez anos concedido a um consórcio privado que pretendia implantar um complexo turístico/comercial em 81 hectares de área pública junto Guaiba.

Nada foi feito e, em julho do ano passado, o governo do Estado rescindiu o contrato de concessão e retomou a área. Tudo voltou à estaca zero, mas o projeto Embarcadero na extremidade do Cais junto à orla, foi mantido.

LEIA MAIS:  Obras do Embarcadero paralisadas, Cais Mauá segue sem destino

A nota do governo não fala em reinício das obras do Embarcadero, mas prevê a conclusão “para o segundo semestre, possivelmente entre outubro e novembro”, embora “a inauguração ao público vá depende da evolução da pandemia”.

Há outras incertezas, porém. Segundo o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, “ainda faltam alguns elementos para assinar o contrato definitivo, principalmente a retirada da poligonal do porto da área, o que significaria que as decisões a respeito do cais caberiam apenas ao governo gaúcho, sem gerência da Secretaria Nacional de Portos”.

“Concluímos, agora, uma etapa muito importante, que é a formalização da relação do Estado com a Embarcadero, que só está sendo feita após um profundo estudo jurídico da PGE sobre a viabilidade e que antecede algumas questões formais que devem ser resolvidas. Mas esse termo assinado hoje já dá segurança jurídica para os investidores, que logo poderão concluir essa obra que trará benefícios concretos para a nossa comunidade”, acrescentou o procurador-geral.

O pré-contrato prevê que o Embarcadero possa explorar o trecho ao lado do Gasômetro por pelo menos quatro anos a partir da efetiva operação, podendo ampliá-lo dependendo do prazo de retorno financeiro dos investimentos que a empresa fizer no local.

A estimativa é de que seja em torno de R$ 400 mil por ano, mas o valor efetivo será definido somente quando o contrato for oficializado – após a retirada da poligonal do porto na área.

“Agradecemos a oportunidade de entregarmos aos gaúchos possivelmente um dos espaços mais históricos e emblemáticos através de um projeto inicial e experimental, o Cais Embarcadero”, afirmou Fernando Tornaim, em nome dos sócios da empresa.

Área do projeto Cais Embarcadero, ao lado do Gasômetro. Foto: Cleber Dioni Tentardini

Futuro do cais

Segundo o superintendente dos Portos RS, Fernando Estima, a retirada da poligonal do porto de Porto Alegre nunca esteve tão próxima de ser efetivada. No dia 5 de maio, o ministro da Infraestrutura, Tarcisio Gomes de Freitas, assinou a Portaria nº 42, abrindo prazo para consulta pública e manifestações de interesse, que se encerra na próxima segunda-feira (29/6).

“Existe todo um complexo incluído na poligonal, além da área de revitalização junto ao Guaíba, como clubes náuticos e outros espaços, mas o mais importante é que estamos próximos de ter a responsabilidade completa pelo Estado e, assim, poderemos definir de forma mais ágil o que queremos para toda a área”, afirmou Estima.

Paralelamente, o governo segue, através da Secretaria de Planejamento Orçamento e Gestão, com o processo de modelagem, por meio de acordo de cooperação técnica com o BNDES, para definir a melhor forma de gestão e revitalização de todo o trecho junto ao Guaíba.

LEIA MAIS: Uma visita ao Cais abandonado, onde nasceu Porto Alegre

Histórico

Área interditada do Cais Mauá. Foto Cleber Dioni Tentardini

O complexo do Cais Mauá havia sido concedido em 2010, pelo período de 25 anos, ao consórcio Cais Mauá do Brasil (CMB). No entanto, além de não iniciar as obras nove anos depois, a empresa cometeu diversas infrações contratuais e não realizou a manutenção dos armazéns históricos, o que levou à rescisão, anunciada pelo governador no final de maio de 2019.

Paralelamente aos processos administrativo e judicial que envolveram a extinção do contrato de concessão, o governo fez estudos técnicos, financeiros e jurídicos para verificar a viabilidade de contratar, por inexigibilidade de licitação, o projeto do Cais Embarcadero.

 

Apêndice

Além das manifestações poéticas, muitas e variadas maneiras foram usadas por prisioneiros e perseguidos para levar suas vidas avante e superar os maus momentos por que passavam. Por seu dramatismo e exemplo, trazemos três delas: a carta do raptado Dirceu Messias desde o Es­tádio Nacional do Chile; a carta do sequestrado Sargento Raimundo Soares, desde a Ilha do Presídio; e os rabiscos da sequestrada Vera Ligia Durão nas paredes da cela do DOPS em Porto Alegre. Por certo não têm voo poético, mas são verdadeiros hinos de amor à vida e à esperança.
 
Dirceu Luis Messias
Natural de Porto Alegre, trabalhador ativista do Sindicato dos Eletricitários de Porto Alegre, procurou refú­gio no Chile democrático da Unidade Popular. Nos dias imediatos ao golpe de estado de 1973, foi detido junto a co­legas da Manutenção Industrial Gemo, passando por todo tipo de sevicias. No Ginásio Chile, presenciou maus tratos ao músico Victor Jara, e já no Estádio Nacional padeceu jun­to aos demais 120 brasileiros e milhares de outros cidadãos novos períodos de padecimento.
 
Carta desde el Estadio Nacional de Chile, setembro de 1973
Querida Gorda
Hoy despertamos a las 6 de la mañana, lo que ocur­rió con todos los detenidos del Estadio. Formamos un gru­po dentro de la cancha y se dividió el grupo de los chilenos y el de los extranjeros. Posteriormente fuimos todos traslada­dos al Setor Norte Poniente, donde hubo nueva división – el camarin 3 tocó a los de Justicia Militar y los restantes a los que deben abandonar el pais y ser expulsados. Ayer (17) fué un dia no muy bueno para mi; fui interrogado nuevamente y recebi la noticia de la muerte del brasileño Wanio, ocurri­do en el Hospital de Campaña del Estadio.
 
Manoel Raimundo Soares

Manoel Raimundo Soares

Nascido em Belém do Pará, Manoel mudou-se para o Rio de Janeiro e ingressou no Exército em 1955, sendo transferido em 1963 para o Mato Grosso como represália por suas posições políticas. Após abril de 1964, teve a prisão decretada e passou a viver na clandestinidade, no Sul, vinculado ao Movimento Revolucionário 26 de Março, que planejava ações de resistência ao regime. A partir de seu sequestro em março de 1966, suportou vários meses de torturas em diferentes dependências repressivas conforme relato de outros prisioneiros, ficando um período com destino ignorado, provavelmente no sitio clandestino chamado “Dopinha”. Após reaparecer no DOPS, em 24 de agosto, cinco meses depois de sua prisão, seu corpo foi encontrado boiando no Rio Jacuí com as mãos amarradas às costas. Este famoso “caso das mãos amarradas” foi objeto de CPI da Assembléia Legislativa, que indicou mandantes e executores civis e militares, ainda impunes. A viúva Elizabeth Chalup conservou algumas cartas enviadas por Manoel, durante seus últimos meses de vida. O nome de Manoel designa atualmente dezenas de logradouros e escolas em todo o Brasil.
 
Carta de Manoel Raimundo Soares a sua esposa Elizabeth Soares, em 1966
Estou vivo. Estou calmo. Tão logo eu seja posto em liberdade, e isto ainda vai demorar, vamos ter uma nova lua de mel. Aproveito para lembrar-te que meu pensamento é só para ti. Durante todas as horas dos últimos dias, não sais do meu pensamento. O banquinho na cozinha, os beijos nos olhos, tudo aquilo que liga meu corpo à tua alma.
Mil beijos e um caminhão de abraços”.
Raimundo.
 
Vera Lígia Huebra Neto Saavedra Durão
Nasceu em Laginha, pequena cidade da Zona da Mata, de Minas Gerais. Estudou em Belo Horizonte, onde terminou o segundo grau. Lutou contra a ditadura e foi presa em Porto Alegre, em junho de 1970. Casou-se em 1971 com Jorge Eduardo Saavedra Durão, companheiro de clandestinidade. Concluiu o curso de jornalismo na UFF, em Niterói, após sair da prisão em 1974. Trabalhou em diversos jornais do país, como Jornal do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo, Gazeta Mercantil e Valor Econômico. Vive no Rio de Janeiro junto ao marido, com quem têm duas filhas, Mariana e Carolina, as quais compartilham os valores democráticos e da defesa do Estado de Direito contra a volta dos regimes autoritários em todo Mundo.
Texto esculpido a estilete (talvez com um grampo de cabelo), com letra de forma impecável, na parede da cela nº 1 – masmorra chamada “fossa”, do DOPS de Porto Alegre, resgatado na memória de um preso subsequente, e identificado por associação de nomes e épocas:
“Abraços aos companheiros que por aqui passarem. Que a confiança na revolução socialista não os deixe sucumbir os incentive a lutar e a vencer.”
Vera Lucia (VAR-Palmares).

Victor Douglas Nuñez

Victor Douglas Nuñez

Victor Douglas Núñez nasceu em Salto, no Uruguai, em fevereiro de 1930. Veio ainda na infância para o Brasil, crescendo no município de Iraí, no norte do Rio Grande do Sul. Ainda na adolescência, se mudou com a família para Porto Alegre, onde estudou no colégio Júlio de Castilhos. Ingressou no curso de direito da UFRGS, onde fez parte do movimento estudantil. Em meados dos anos 50 foi diretor da União Estadual de Estudantes, participando de campanhas como “O petróleo é nosso!”. Formado advogado, passou a atuar na advocacia trabalhista, sempre na defesa dos trabalhadores. Foi advogado dos sindicatos dos eletricitários, dos telefônicos, dos funcionários da Carris e dos radialistas, entre outros. Em agosto de 1961 coordenou o setor de comunicações da “Resistência Democrática”, movimento popular que se constituiu na espinha dorsal do movimento da Legalidade. Foi diretor da Associação Gaúcha de Advogados Trabalhistas (AGETRA) em 1974 e novamente em 1984.
 
Sombra e semente
À memória de Afranio Araújo
Tinhas que morrer como viveste:
De pé, como uma árvore.
Os ventos da raiva não te dobraram:
Só o raio te feriu o coração.
Esta louca e desatada tormenta
– que aprisiona a asa dos pássaros
E despetala borboletas-
Por mais que ruja seus ódios,
Passará.
Mas eu te choro, companheiro:
Não estarás no tempo que virá,
Quando os ventos sejam de flor e música.
Eu te choro, mestre:
Não verás o tempo novo
Em que de ensinar se prescinda.
Eu te choro, irmão,
Que viveste o sonho antigo
De fazer um mundo novo
E não partilharás da alegría vindoura.
Mais te choram os que tiveram fome
E comeram do pão da justiça
Que ajudaste a servir em suas mesas.
E, se não te choram os que rezando exploram,
Eles te respeitam a espada limpa.
Companheiro, mestre, irmão,
Ningúem passou por ti
Sem compartir-te.
Foste sombra frondosa,
E semente.
De luta, de vida, de sonho.
 
Guerreiro sem repouso
Um a um
– ainda o braço forte e a espada firme-
O coração vai nos levando.
Guerreiros sem repouso,
As duras armaduras pesam tanto
Que vamos morrendo sem feridas.
Quebrando lanças, no confronto sem fim
Deste combate, rompe-se o peito
E explode o coração.
Mas contigo foi muito cedo, companheiro
Tu, que tanto fizeste, sabes
Quanto ficou por fazer,
Até que os pobres sejam menos pobres.
Até que o pão seja alegre.
Eu te vi menino
– e já na mesma trincheira
Aprendendo com teu pai
a opção peos pobres,
– essa velha paixão de todos os santos.
Depois te vi crescer
– sempre ajudando a servir
O pão da Justiça
Na mesa dos mais pobres.
Na seara tão vasta, de tão poucos lidadores
Não te poupaste nunca,
Lutador incansável.
E não te vi morrer,
Homem de ferro e de flor.
Ninguém te viu morrer,
É só uma ausência.
Não morre o fogo,
A luz não morre:
– se renovam.
Choramos, sim,
Te choramos muito.
Mas já limpamos dos olhos
Toda lágrima, companheiro.
E, sem temor da morte,
Voltamos a teu bom combate
Luiz Heron Araujo.

Rui Neves da Rosa

Rui Neves da Rosa

Natural de Jaguarão, RS, militou no PC do B e PT. Foi demitido em 1964 do serviço público, onde era funcionário dos Correios e Telégrafos, sem motivo e sem processo legal. Formado em Letras, admirador de Thiago de Mello, Maiakowsky e Federico Garcia Lorca, foi comerciante e artesão, famoso por consertar bolas de futebol. Publicou livro de poemas “Sedimentos da manha” e deixou outros finalizados. De natureza extrovertida, era animador de encontros sociais e políticos, onde declamava seus poemas comprometidos com a realidade social do país.
 
messe
no agosto
o vento soprou forte e frio
tua voz ficou rude e destemida
do rosto do homem
na miséria da rua
fizeste
em ti
um canto de revolta
as veredas da rua te afundaram vales
e viram teu olhar comprometido
tua voz ecoou na coxilha e na várzea
e fizeste teu canto
o dos oprimidos
partiste em busca de foices
nas lavouras
e o trigal balançou espigas maduras
punhos cerrados vibram no ar e te seguem
para quebrar os elos das correntes
haverá mais pão e riso na criança
e a paz fecundará o arrozal na safra
o homem da terra
com olhar de outono
sorrirá contigo
na festa da colheita
 
Federico Garcia Lorca
foi agosto
em Granada
em Granada de al Andaluz
sob o céu ensanguentado
que a madrugada insinuara
sete balas surpreenderam
o peito de Federico
sem madrigais na manhã
sete balas
um só peito
uma consciência tranquila
de resto
a guarda civil
sete fuzis
sete sombras
as clarinetas dos galos silenciaram
por sua morte
sete medalhas de chumbo pendem-lhe
agora
do peito
por ser poeta de Espanha
ah
meu pobre Federico
só o vento velou teu corpo
no teu cortejo sem flores
 
Decisão
Convocam-me sentenças para a guerra
Aceito e compartilho
Instrumento da sinfonia diária
Ensaio meu coral constantemente
Apedrejando
De vozes e canções
As relíquias a que celebro culto
Semeio gestos de regência
Batutas de ceifas e tratores
Convoco o homem para entoar o canto
Dilacerando a noite
Para amor do pão
Do beijo
Da mesa farta
Do sorriso armando rostos
Não aceito a pregação da caridade
As esmolas desta farsa
Como perspectiva ou solução
Para o problema estrutural
Nem o que disseram a 2000 anos
E provavelmente dirão
Quando a manhã tumultuada romper
Rajadas de agapês
Para o trato da terra
E construção da vida
O homem convocado abrirá eclusas
Protestando manhãs
Estabelecendo o tempo
Onde
O servo e senhor
Construa o mundo
Como o menino que brinca
 

Reneu Geraldino Mertz

Cirurgião dentista formado em Passo Fundo, realizava através da profissão a assistência e amparo às comunidades mais carentes de toda a região. Eleito vereador pelo MDB em 1968, foi o mais votado no município de Três Passos e exerceu assim a oposição consentida à ditadura militar. Tornou-se sócio, através da compra do terreno próximo ao rio Uruguai, da Sociedade Pesqueira Alto Uruguai, empresa situada no município de Três Passos, motivo pelo qual foi preso pela ditadura militar em 1970. Acusado de integrar a VPR permaneceu preso por cerca de um ano e meio nas dependências do exército em Santa Maria; julgado inocente, foi posto em liberdade em 30 de agosto de 1971. Em 1985 elege-se vice-prefeito e em 1988 prefeito municipal de Três Passos, assim reacende sua luta em favor dos direitos dos menos favorecidos e da diminuição da desigualdade social em seu município. Das sequelas do cárcere e das torturas sofridas resultou a hipertensão, chaga que precocemente o levou à morte, aos 50 anos de idade, em 1991.
 
Acróstico
Harla, voce tem o rosto de um anjo menina que
Amei desde os seus dias de antes de nascida, e
Revivo hoje, na minha saudade, a tristeza
Lenta e serena dos seus olhinhos de pequena que
Aprendeu, tão cedo, o entristecido dos meus dias de
pai prisioneiro.

Nilton Rosa da Silva

Nilton Rosa da Silva

Nascido em Cachoeira do Sul, Nilton Rosa da Silva iniciou participação política no movimento de estudantes secundaristas do Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Com sua natural liderança, influía no grêmio estudantil e mesmo na União Gaúcha de Estudantes Secundários, sendo perseguido pela direção do “Julinho”. Temendo por sua segurança, “Bem bolado” busca proteção no Chile presidido pelo Dr. Salvador Allende, onde é admitido no Curso de Castelhano da Instituto Pedagógico da Universidade do Chile. Se destaca como poeta e agitador político, publicando seu opúsculo Hombre América (Santiago de Chile, Facultad de Letras, 1972) e poemas soltos em cadernos coletivos, atuando em ocupações populares de supermercados e favelas. Em 15 de junho de 1973, ainda em democracia, recebe um balaço fatal no rosto quando tentava proteger a sede do Partido Socialista no centro da capital chilena, ante uma milícia fascista. Seu sepultamento reuniu 100 mil pessoas em Santiago, encabeçado por dirigentes políticos de diversos partidos (MIR, PS, MAPU) e representante do governo chileno (Ministro Anibal Palma). A fotógrafa Amy Conger publicou nos EUA o livro-ensaio fotográfico “We don’t forget the color of blood”, com o registro completo do funeral. Junto a seu alojamento no Instituto Pedagógico, floresce um jacarandá brasileiro, plantado por seus antigos colegas de estudos, que lhe dedicaram diversos poemas em vários países. Em sua cidade natal, foi criado o Centro Cultural Orelhinha (outro de seus apelidos).
 
I
Mi nombre no es mi nombre
Sino el nombre de todos los seres.00
Mi nombre es América,
Volcán de los oprimidos.
Es libertad símbolo del pueblo.
Mi nombre no es otro sino patria,
Sino tierra, aire,
Sino nombre. Tu nombre…
Mi nombre no es mi nombre,
Porque yo no soy, siquiera yo,
Porque soy hombre, hermano, combatiente,
Porque hoy soy arma, polvo, agua y sangre.
Hoy soy América dormida que despierta,
Soy los explotados del mundo
Que se rebelan,
Soy los fusiles que empuñan
Los pueblos en lucha.
Hoy soy Pueblo…
Hoy soy ser despierto,
Sin nombre,
Porque soy POETA…
 
II
Es noche. Madrugada
En la noche de Santiago.
Todos duermen.
Duerme el hombre, con la fatiga del día,
Duerme el niño y sueña,
Con el porvenir,
Duerme quizás, la naturaleza
Su sueño de descanso creador.
Duermen todos…
Pero yo no duermo.
El poeta no duerme.
El poeta escoge
Las horas más puras de la noche,
Para regar la tierra con el llanto
De sus versos…
Para lanzar al aire
La sangre de sus poemas.
El poeta tiene la noche afable
Por su compañera,
Tiene la madrugada por su inspiradora,
Tiene el mundo, el hombre,
Como su pensamiento.
El poeta escribe…
Y dentro de la inmensa noche,
Las palabras brotan del poeta,
Como el llanto y la sangre,
Brotan del hombre.
El llanto se transforma
En tierra y aire
Su sangre en hombre y poesía.
La pluma del poeta en la noche,
Es como la herramienta del obrero.
La sangre y el llanto del obrero
En la fábrica,
Es el llanto y la sangre del poeta
En sus versos.
Las horas tristes del poeta,
No son más que la tristeza de su Pueblo,
Que se mezcla con el llanto y la sangre
De los hombres en la madrugada.
Duerme…
Continuad durmiendo…
Pero antes de todo oídme
Escuchad el grito y el llanto
Del poeta…
Escuchad el único pedido del poeta…
Transformen en sangre y polvo,
En piedra, escarnio,
En guerra, en paz y amor.
Hagan lo que quieran del día,
Pero dejad la noche para el poeta,
Para el simple hombre
Poeta…
Para que él escriba sus versos,
Para que él derrame sus llantos.
Para que él entregue su sangre.
Para que la llama
Que sale de su alma,
Brote en la tierra
Sin escarnio,
Y no sea fuego
Y si agua…
Que sea dulce…
Que sea eterno…
Aunque para esto
tenga que ser su sangre derramada…
que tenga que ser la sangre de los hombres derramada
Dejad al poeta
El lecho de la noche.
Un día quien sabe como ahora
De madrugada,
En la triste y afable madrugada,
Llegue la muerte y despacio me sorprenda,
Aunque esta muerte no sea por ti,
(porque además de ti y de tu amor,
existen los seres de mi patria Lejana y pura…)
Aunque mi muerte no traiga tu nombre
En mi boca.
(aunque traiga el nombre de mi pueblo o de tu pueblo.)
Aún así mis últimos pensamientos
Serán tuyos.
Y mi alma traerá en mi muerte
Tu encanto.
 
III
El pueblo está callado…
Los explotados no piensan…
Sienten…
Silencio…
El pueblo está hablando…
El poeta está hablando…
El poeta…
El desgraciado y maldito poeta.
La voz del pueblo sale de su boca.
Silencio… silencio…
Que no se escuche siquiera,
El sonido de la pluma que escribe,
Porque el poeta
Está escribiendo sus versos…
El poeta está hablando…
El pueblo no está callado,
Su voz viene firme e incansable,
En la voz del poeta,
Del desgraciado, del mil veces maldito
Poeta…
Silencio… silencio…
Hoy el pueblo quiere hablar,
Hoy se rompe el silencio de los siglos,
Las palabras salen de la boca del pueblo,
O del pensamiento del poeta.
El poeta entonces,
Será uno…
Será mil… millones…
Será todos los seres perdidos de la tierra…
Será los explotados…
Será el pueblo…
El poeta entonces será dios.
Silencio…silencio…
Que nadie conteste,
Que sólo hable, el poeta…
Que sólo se escuche, su voz,
En el silencio de la noche.
Silencio… silencio…
El pueblo está hablando.
 
IV
Lejos de la patria,
Ausente de tu Pueblo, junto al amigo,
Frente al enemigo,
Así eres , tú, hombre de américa.
Nacido en el vientre de los humildes
Y criado en las tierras áridas y profundas,
De américa virgen y ardiente.
Luchador en la patria, combatiente en la selva.
Amigo de los pobres,
Defensor de los oprimidos.
Así eres tú CHE.
Así lo eres todavía GUEVARA.
Porque tú vives.
Tú estás en cada combatiente de américa;
En cada explotado de este continente,
Tu ejemplo nos enseña a luchar.
Tu américa explotada,
Tu CUBA liberada,
Los explotados,
Los seres sin patria,
Evocan tu nombre,
Con el puño en alto,
Las armas en la mano,
En tu nombre comandante,
En nombre de américa:
PATRIA O MUERTE… VENCEREMOS!
 
V
¡AMÉRICA!
En tu seno virgen
Adormece un gigante…
Un gigante que lucha…
Un gigante de luto…
¡AMÉRICA!
En tu seno virgen
Adormece un gigante…
BRASIL…
¡Ah! mi patria Brasil…
Yo el ser sin patria…
El increado de dios,
El nacido en tu cuerpo,
Y creado en el cuerpo virgen de américa…
¡Ah! mi patria… patria mía…
Yo que recorrí todo tu cuerpo,
Que sentí la miseria y la opresión
Junto con todos tus seres…
Yo el ser despierto,
Que vive en otras tierras de américa,
Que siente la alegría y el calor
De otros pueblos,
Que sufre la miseria y la opresión
Con otros hermanos…
Yo el ser despierto,
Yo el ser creado, increado,
Hermanado de tu cuerpo,
Nacido de tus entrañas…
¡Ah! Mi patria…
Patria…mía…
De todos los seres nacidos en américa.
Patria hoy manchada,
Vilipendiada,
Que hoy tiene su bandera rota,
Te clamo, reclamo,
Proclamo…
Grito con todo el ardor de mi alma…
¡LUCHA GIGANTE!
¡DESPIERTA GIGANTE!
El clamor, de guerra,
De lucha, de amor,
Que sale de mi alma
Y que resuena en toda américa,
Es el mismo clamor, de tu pueblo,
De mi pueblo.
Mi patria no es sólo mi patria,
Es la patria de los humildes,
De los explotados de este continente…
Mi patria hoy tiene su bandera rota,
Hoy tiene su cuerpo sangrando,
Mi patria hoy tiene a su pueblo en duelo,
Hoy tiene su pueblo en lucha…
Pero los fusiles que empuña
Su pueblo en lucha,
Serán la alegría y el porvenir del mañana.
El mañana de américa es uno solo…
En el mañana tendremos en américa,
Un gigante despierto,
Un gigante que cubrirá de alegría y calor,
A los explotados de este continente.
Mi patria entonces no será mi patria,
Yo ya no seré el increado,
El ser sin patria,
Seré el ser de américa,
Mi patria será la patria de todos,
Ya no habrá un gigante
Que duerme en américa virgen…
Porque en el mañana
Habrá un américa despierta y única.
 
VI
Las cárceles de mi patria están llenas,
Las calles de mi patria,
Tienen desesperación y muerte.
Cada uno de su Pueblo
Trae en su rostro la incertidumbre
Y la desconfianza…
La paz ya no existe en mi patria,
Lo que existe es sangre,
Muerte… y sólo muerte…
Y en las paredes de mi patria,
Es que la libertad existe,
La libertad rayada,
Por los jóvenes,
En la oscuridad de la noche.
El nombre de mi patria,
No es más el nombre de mi Pueblo,
Sino el nombre de sus explotadores.
Su bandera no es más que un paño roto,
Rayado de verde y amarillo
Y manchado de pólvora y sangre.
Pero mi patria no dejó
De ser la patria de los humildes…
El pueblo lucha…
Su lucha…
Su sangre derramada…
Llenará de alegría
A los explotados de américa,
En el día pronto de la victoria final.
 
VII
La única cosa que te puedo dar
son mis versos…
(Yo sé que tú mereces mucho más.)
Mis versos son mi alegría y mi sufrimiento,
Son mi cansancio y mi tristeza.
Mis versos son pues mi propio ser.
Mis versos son cantos,
De muerte, alegría, paz y amor
(alegría, paz y amor que canto a ti.
Hoy mis versos traen tu figura,
Que baila en mis pensamientos,
Con éxtasis y locura.
Mis versos hoy son para ti.
Aunque tú no sepas de mis versos
(aunque no lo sepa nadie.)
Aunque tú no sepas porque vivo,
(aunque yo mismo no lo sepa.)
Mis versos y mi vivir son tu presencia.
Si acaso algún día alguien cante a tu oído,
Diciendo que yo ya no te quiero,
(aunque sea yo que lo cante.)
Aún así sepas que es mentira,
porque mis versos son la prueba
de este amor eterno…
 
VIII
Algún día alguien sabrá
De los versos que escribo.
De mis versos,
De los versos que son tuyos.
Algún día la tierra
Se regará con mis poemas.
Mis versos serán
Como la hoguera
Que brota de mi alma.
Quizás los conocerás todos,
Los conocerán,
Los seres más longincuos de la tierra.
Pero tú no sabrás
Que son tuyos,
Que es para que tú
Y sólo tú los entiendas.
Porque mis versos son tuyos,
Como es tuyo mi cuerpo,
Como es tuya mi alma.
Un día de mi cuerpo
Ya no brotarán más versos
Y mi sangre,
La sangre por ti
Y sólo por ti derramada.
 
IX
Vuela una paloma a lo lejos…
A lo lejos vuela una paloma…
Vuela… Vuela mi paloma…
Vuela… Vuela…
Lleva mis ilusiones,
Lleva mis penas, mis sueños.
No importa que tardes en llegar.
No importa que vuelvas nunca más.
Pero vuela…
Vuela… y llega a tu destino.
Pero llega de pronto,
Llega despacio en la inmensidad de la noche…
Despierta con el sonar de tus alas,
Mi amor…
Despierta a mis amigos…
Mis padres… mi patria…
Vuela… Vuela…
Vete…
No importa que no vengas nunca más.
Lo que importa es que dentro de ti,
Arriba de tus alas estoy yo,
Está mi ser, mis pensamientos.
Quiero despacio, en la inmensa noche,
Despertar en mi patria
Longincua y sola,
En la inmensidad de américa dormida.

Nei Duclós

Nei Duclós

Nei Duclós (Uruguaiana, RS, 1948) estreou como poeta pregando poemas em cartolina nas árvores das praças de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, junto a outros autores da mesma geração. Mesmo sob o ambiente opressivo do regime militar, lançou seu primeiro livro, Outubro, em 1976. Em 1979, foi a vez de No Meio da Rua, apresentando a seguir No Mar, Veremos (2001), assim como Partimos de Manhã, em 2012, todos de poesia. Publicou como romancista, como autor de literatura juvenil, de livro de contos e crônicas. Trabalhou em veículos de comunicação como Folha de S. Paulo, IstoÉ, Senhor e foi colaborador de Veja e Estadão com resenhas de livros. É formado em História pela USP desde 1998. Nos últimos anos, lançou vários e-books de poesia, contos e crônicas, e participa com ensaios, artigos, contos, crônicas e poesia nas mídias sociais. Publica poemas e contos na revista virtual Sagarana, editada em italiano. Teve poemas traduzidos para o inglês na revista novaiorquina Rattapalax. Participou de diversas antologias.
 
Carta ao companheiro exilado
Aqui, o sol obstinado
ainda banha a folhagem
a chuva nos visita
e deixa o arco-íris quando parte
As cores da saudade
abriram a palma
de nossa mão pálida
e a vontade de buscar-te
soltou-se como um raio
Descobrimos que era muito tarde
Agora, que a madrugada se acaba
e o sol nos dá na cara
não sabemos o que fazer
com esta ressaca
Batem nas portas e revistam roupas e pacotes
Estamos na praia do naufrágio
Do mar vieram boiando coisas mortas
entre elas
nossos sonhos e emboscadas
 
Cais
O passageiro não perde a vez de partir
e parte
pois é tarde
Este cais apodreceu as cordas
que soltam a sua carne
Os bares silenciam
a memória é uma cadeira que ringe
como um cofre de vime
(o que passou não é sonho
é desafio)
De pé, a mão na vista
ele toca o horizonte com a saliva
Sua boca guarda um aviso
(o tempo é um susto, uma víbora)
 
Apesar de tudo
Apesar de tudo
sou teimoso
e vivo
sou teimoso e visto
a pele dos soldados mortos
Neste carrossel de espanto
que carrego dentro dos olhos
toco melodias
que me ressuscitam
Levanto com esforço
as âncoras e parto nas naus sem volta
do meu canto
E sempre tenho que mudar as velas
arrebentadas de vento
com remendos colhidos
dos violentos panos do tempo
O tempo é novo
e eu tenho a mania insone
de rebentar em pranto
Mas sou teimoso e insisto
sou teimoso e visto
a pele dos soldados mortos
 
Outubro
Trago a nova: eu mudo
lento, e é tudo
Sinto ser assim
por estações: aos turnos
Posso voltar
ao ponto de partida
mas luto
Sei que vem outubro
Flores, fruto de seiva
romperão no mundo
(Trabalho duro:
sugar de pedras
rasgar os caules
colher ar puro)
Lento e bruto
eu mudo
Sei que vem
outubro
 
Toca
e os meus mortos
quem chora
os milhares que caem
enquanto passo?
o exílio, quem paga
e a tortura, seu fruto
quem devora?
somos herdeiros
da vida amarga e da morte
as prisões cobrem
o canto dos escravos
com a mão no horizonte
os bravos aguardam
breve
sairemos da toca