Naira Hofmeister
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) julga nesta quinta-feira (24) o recurso do procurador de Contas do Estado, Geraldo da Camino, que pede a suspensão de qualquer intervenção na área do Cais Mauá antes que sejam elucidadas dúvidas dos órgãos de controle quanto à legalidade do contrato de concessão para a iniciativa privada.
“Decorridos mais de cinco anos da assinatura do contrato, permanecem sem resolução questões com significativo potencial para comprometer a viabilidade do empreendimento”, aponta o procurador.
A análise do pedido de Da Camino está na pauta da sessão da 2ª Câmara do TCE, que estará composta pelos conselheiros Pedro Figueiredo e Renato Bordin (substituto), além do conselheiro Alexandre Postal, relator do texto. A sessão inicia às 14 horas e é aberta ao público.
O Ministério Público de Contas (MPC) questiona a “ausência de definição quanto à disponibilidade de recursos financeiros, a necessidade de esclarecer o regime urbanístico aplicável à área, bem como o noticiado tombamento de armazéns que seriam demolidos, constituem aspectos que podem inviabilizar a continuidade do empreendimento, trazendo elevados riscos ao erário”.
A argumentação é a mesma utilizada por movimentos que se opõem à revitalização do Cais Mauá nos moldes como está proposta: com a construção de torres de 100 metros de altura (equivalentes a 30 andares) em área tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico nacional e municipal, a implantação de um shopping center ao lado da Usina do Gasômetro e a construção de estacionamento para milhares de automóveis na orla pública.
Equívoco levou pedido ao pleno na semana passada
O pedido de suspensão das obras já havia sido analisado por Postal em setembro, quando o conselheiro achou desnecessária a adoção de medida cautelar. Apesar disso, Postal solicitou respostas aos questionamentos ressaltados por Da Camino – que já haviam sido, em parte, verificados por auditores do TCE em uma inspeção especial que está em andamento desde 2013.
Entre outras providências, Postal emitiu intimações a gestores da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) para que esclareçam alguns dos pontos em aberto.
O MPC recorreu da decisão e ingressou com o agravo regimental ora em pauta. Na semana passada, o recurso de Da Camino chegou a ser levado ao pleno do TCE, mas foi retirado porque a tramitação deve se dar no âmbito da 2ª Câmara, segundo a assessoria de imprensa do órgão de controle.
Se o agravo for improvido, segue valendo a decisão anterior do processo, ou seja, não serão interrompidas as obras na área do Cais Mauá. Porém, se o recurso for aceito pelos conselheiros, a SPH deverá garantir a manutenção da área tal como está até que se esclareçam os pontos em debate.
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EVU do Pontal do Estaleiro passa no Conselho do Plano Diretor
Naira Hofmeister
Foram necessários apenas quatro minutos da sessão dessa terça-feira, 8, para que o Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre aprovasse o EVU do Parque do Pontal (antigo Pontal do Estaleiro), um dos mais polêmicos projetos da construção civil na Capital.
“Sanadas as minhas dúvidas, depois da apresentação dos empreendedores e da leitura do processo, avalio que o EVU tem condições de ser aprovado”, sentenciou o conselheiro André Seixas, da Região 8 de Planejamento (RP8), relator da matéria.
A maioria dos colegas de Seixas acompanhou seu voto: foram apenas uma abstenção e um voto contrário, da conselheira Lívia Piccinini, urbanista da Ufrgs e representante da entidade no colegiado. “É a mesma coisa que o Cais, esse espaço deveria ser um parque público. É um erro abrir uma via para automóveis nas margens do Guaíba. Além disso, aquela conexão viária entre a Diário de Notícias, Padre Cacique e Chuí deveria ser solucionada pelo empreendedor”, lamentou.
O conselheiro Paulo Jorge, da RP5, que havia anunciado na semana passada que pediria vistas ao processo, desistiu da iniciativa. “Meus delegados estão de acordo com o processo, então eu só posso abrir mão das vistas e aprovar o parecer”, explicou aos colegas.
A RP5 abrange os bairros Glória, Cruzeiro e Cristal, vizinhos ao empreendimento. Desde que o processo do Pontal chegou ao Conselho do Plano Diretor, foram organizadas duas reuniões públicas onde os empreendedores se apresentaram à comunidade e escutaram as demandas locais. “O projeto é muito grande, um pouco assusta os bairros, vai ter um impacto grande, mas os presentes foram favoráveis”, esclareceu.
O Pontal do Estaleiro já está na sua 14ª versão, segundo a arquiteta Clarice Debiagi. No formato recentemente apresentado, terá uma torre com hotel, escritórios e um complexo médico, shopping center e uma praça pública.
Conselheiro quer mudar voto favorável ao Cais
Ao JÁ, Paulo Jorge admitiu que se pudesse votar considerando exclusivamente seu ponto de vista, teria rejeitado o projeto. “É errado colocar aqueles edifícios ali. Nem tem tanta gente para usar esses e os do Barrashopping”, justificou.
Jorge lastima o fato de que diversos recentes projetos tenham sido aprovados para a Orla do Guaíba sem considerar a ampliação do espaço público. Ele menciona as construções que serão feitas no terreno do Internacional e o próprio Cais Mauá, que foi votado na semana passada: “Aquilo ali devia ser um espaço para a comunidade, mas não vamos mais ter a visão do rio”, critica.
Questionado sobre as razões de ter votado favoravelmente ao projeto, apesar de discordar do conceito, Paulo Jorge se surpreendeu: “Eu votei contra”, afirmou.
Na folha de registro dos votos, entretanto, seu nome aparece como favorável à aprovação do EVU do Cais Mauá. Os únicos conselheiros que se manifestaram contrariamente foram Lívia Piccinini e Daniel Nichele, da RP1. Darci Campani, representante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária Ambiental (ABES), se absteve na votação.
“Se é assim, então vou pedir para rever o voto e corrigir”, assegurou Paulo Jorge.
Curiosamente, outro conselheiro pediu revisão de voto emitido em um projeto aprovado na semana passada: foi Diaran Camargo, da RP7, que havia se manifestado favoravelmente a uma proposta de alteração de gravame de uma área verde no bairro Jardim do Salso.
“Mas eu sou contra, a comunidade está indignada! É um absurdo que queiram tirar uma praça de uma comunidade para fazer um abrigo de ônibus! A empresa que compre um terreno para fazer o terminal”, protestou.
O conselheiro admitiu que foi falta de atenção sua que o levou a aprovar a proposta. Segundo outros conselheiros, o terminal de ônibus já está no local, mas de forma irregular.
Cais Mauá: pressão não terminou com aprovação
No dia em que o prefeito José Fortunati homologou o EVU do Cais Mauá, aprovado na semana passada pelo Conselho do Plano Diretor, apenas dois conselheiros mencionaram o projeto.
Rogério Dal Molin, representante do Sindimóveis, elogiou o trabalho da representante da Secretaria de Urbanismo, a arquiteta Patrícia Tschoepke, que assessorou seus colegas. “Ela foi fundamental para construirmos um consenso sobre o projeto, tinha muitas informações que clarearam nossa mente. Fizemos quatro reuniões e, sem ela, certamente precisaríamos fazer uma quinta para entender tudo o que queríamos”, agradeceu.
Já Antonio Gomes, da RP6, pediu a palavra para elogiar a decisão do grupo, mas também para desabafar: “A pressão não parou depois da votação. Recebi muitas ameaças como aquelas feitas pelo IAB-RS, pelo Caio Lustosa, da Agapan, e pela conselheira da Ufrgs: que seríamos responsabilizados por qualquer acidente no local. Quem estudou a matéria sabe que isso é coisa do passado, já batida”, afirmou, em referência aos questionamentos da conselheira Lívia Piccinini – que reverberou discursos de entidades nas reuniões anteriores – de que por ser área inundável, o município deveria abster-se de aprovar projetos para a área, sob pena de responsabilização, inclusive do Conselho do Plano Diretor.
Fortunati apressa-se a liberar obras no Cais Mauá antes do fim do seu mandato
Naira Hofmeister*
O prefeito José Fortunati homologou na manhã desta terça-feira, 8, o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) da revitalização do Cais Mauá, um dos últimos passos necessários para iniciar as obras no antigo porto da Capital.
Como o projeto está dividido em três etapas – revitalização dos armazéns tombados, construção de três torres de escritórios e um shopping center ao lado da Usina do Gasômetro – e a primeira etapa já possui projetos executivos com licença emitida desde 2013, a tramitação será rápida; a previsão é que em 20 dias esteja concluída.
A Prefeitura quer fazer um evento antes do final da gestão para marcar o início das obras – a intenção era que a assinatura de hoje, que ocorreu no gabinete do prefeito, fosse pública, porém serão necessários pequenos ajustes no projeto anterior, o que impediu o ato oficial.
Embora o Executivo corra para licenciar as obras ainda na atual gestão – dia 1º de janeiro assume o prefeito eleito Nelson Marchezan Júnior – o Ministério Público de Contas (MPC) está pedindo que a “autoridade competente se abstenha de autorizar ou, na hipótese de já o ter feito, suspenda a autorização de qualquer intervenção da arrendatária na área do empreendimento”.
A consideração do MPC será avaliada pelo pleno do Tribunal de Contas do Estado na sessão do dia 16 de novembro. O relator do processo, conselheiro Alexandre Postal, já emitiu o voto, que só será conhecido durante a sessão de análise.
Postal acompanha a tramitação de uma inspeção especial do TCE no contrato de concessão do Cais Mauá à iniciativa privada, na qual técnicos apontam diversas irregularidades legais.
O procurador do MPC, Geraldo da Camino, já havia solicitado ao conselheiro a suspensão do licenciamento enquanto as dúvidas abertas pela inspeção não sejam totalmente esclarecidas. O conselheiro, entretanto, discordou da opinião do procurador e rejeitou o pedido de suspensão, embora tenha intimado os gestores públicos envolvidos para que prestem esclarecimentos.
Da Camino, então, recorreu da decisão, que deverá ser avaliada pelo pleno do TCE na próxima semana.
* Com informações da Prefeitura de Porto Alegre
Cais Mauá: Ministério Público de Contas volta a pedir suspensão do licenciamento
Naira Hofmeister
O Ministério Público de Contas do Rio Grande do Sul (MPC) voltou a pedir a suspensão do licenciamento para obras no Cais Mauá, em Porto Alegre.
Através de um agravo regimental ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), o procurador Geraldo Da Camino solicita “a intervenção desta Corte para determinar à autoridade competente que se abstenha de autorizar ou, na hipótese de já o ter feito, suspenda a autorização de qualquer intervenção da arrendatária na área do empreendimento, até que sejam sanadas e elucidadas as questões suscitadas”.
O órgão já havia solicitado a interrupção do processo em setembro, mas o conselheiro Alexandre Postal, relator do caso no Tribunal de Contas do Estado (TCE) rejeitou a liminar, o que levou Da Camino a recorrer da decisão.
“A ausência de definição quanto à disponibilidade de recursos financeiros, a necessidade de esclarecer o regime urbanístico aplicável à área, bem como o noticiado tombamento de armazéns que seriam demolidos, constituem aspectos que podem inviabilizar a continuidade do empreendimento, trazendo elevados riscos ao erário”, argumenta o procurador.
O texto aponta que embora o TCE tenha verificado pendências no processo – resultado de uma inspeção especial iniciada em 2013, que detectou descumprimento de cláusulas contratuais – nada foi feito para adequar a situação.
“Decorridos mais de cinco anos da assinatura do contrato, permanecem sem resolução questões com significativo potencial para comprometer a viabilidade do empreendimento”, condena Da Camino.
O temor do procurador do MPC é que o negócio tenha deixado de ser viável. Ou porque o regime urbanístico caducou, conforme interpretações da LC 638/2010, que permitiu projetar para a área espigões com altura equivalente a 30 andares e um shopping center mais alto que os próprios armazéns, ou porque um eventual tombamento do armazém A7, que tramita na Câmara Municipal, poderia modificar o cálculo da renda do empreendimento.
O imóvel, que é inventariado, será derrubado para construir o shopping, que se estenderá até a lateral da Usina do Gasômetro.
“É imperioso que sejam desde já esclarecidas [tais dúvidas] e, caso demandem alterações significativas no projeto, seja sopesado seu impacto no retorno financeiro do complexo”, observa.
Segundo o procurador, o Estado poderia ser responsabilizado por ter autorizado o empreendimento sem ter pleno conhecimento sobre sua viabilidade diante dessas interferências. “A revitalização, modernização e recuperação do denominado Complexo Cais Mauá não pode se dar ao arrepio da proteção do erário”.
As preocupações do procurador são as mesmas manifestadas por um grupo de entidades e associações civis que se contrapõem à iniciativa nos moldes do projeto atual. Eles criticam a falta de transparência na contratação do consórcio, denunciam ilegalidades no processo e questionam o modelo de exploração comercial e imobiliária em uma área às margens do Guaíba e com patrimônio tombado.
A diferença é que enquanto os movimentos como o Cais Mauá de Todos consideram as falhas motivo suficiente para o rompimento do contrato atual, o procurador Da Camino requer a “adoção das respectivas medidas administrativas necessárias para a regularização [do contrato], a fim de que sejam sanados os apontamentos e, inobstante o período já transcorrido, o empreendimento possa se demonstrar viável”.
Procurador reitera que consórcio descumpre contrato
O procurador do Ministério Público de Contas do Estado (MPC), Geraldo da Camino, também retoma o debate sobre a saúde financeira do consórcio Cais Mauá do Brasil S.A, que venceu a licitação para explorar a área em 2010.
Da Camino insiste que o consórcio descumpre uma cláusula contratual que o obriga a apresentar garantias financeiras à execução da obra. Ou seja, a Cais Mauá do Brasil S.A precisa comprovar que tem dinheiro suficiente para levar adiante a intervenção, o que poderia ser feito tanto através de um contrato com instituição bancária – um fiador – como por comprovação direta, no entendimento do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Por isso, solicita ao conselheiro Alexandre Postal, do TCE, “que determine ao Gestor a aplicação da cláusula contratual que exige a estruturação financeira do complexo Cais Mauá, como garantia do empreendimento”.
Insuficiência financeira pode ser causa dos atrasos
Da Camino avalia que a falta de comprovação da capacidade de investimento pode ser a responsável pelo atraso no início das obras. O contrato de arrendamento foi assinado em 2010 e desde então quase nada foi feito na área, que segue fechada ao público.
“Dentro do contexto geral traçado, que evidencia a inércia na execução do projeto, suscita-se exatamente a insuficiência financeira como uma de suas possíveis causas determinantes, o que notabiliza o apontamento em nível de criticidade e relevância”, insiste o procurador de Contas.
Quando a inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado (TCE) concluiu que havia uma cláusula contratual sendo descumprida pelo consórcio, a Cais Mauá do Brasil S.A se propôs a demonstrar sua capacidade de investimento e enviou correspondência aos técnicos do TCE informando a criação de um fundo de participações para captar recursos no mercado financeiro.
Esses papéis, entretanto, ainda não alcançaram a cifra indicada no contrato, R$ 400 milhões e, portanto, são considerados insuficientes pelos órgãos de controle.
Por sua vez, o Governo do Estado, que assina o contrato como arrendador da área do Cais Mauá, isentou o consórcio da responsabilidade pelo cumprimento da cláusula, que considerou facultativa após a análise de um Grupo de Trabalho.
Além disso, o consórcio responde judicialmente pelo calote dado em diversos fornecedores e admitiu ao Jornal JÁ, em maio, estar passando por dificuldades financeiras.
Investimento necessário já supera um milhão de reais
O MPC reagiu dois dias após o Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre aprovar o Estudo de Viabilidade Urbanística do projeto, dando um passo decisivo para a liberação das licenças para o empreendimento. O texto foi enviado ao TCE no dia 3 de novembro.
Desde que o projeto começou a tramitar na Prefeitura, em 2011, os valores necessários para o investimento mais que dobraram. Segundo matéria publicada em Zero Hora, apenas as duas primeiras fases do projeto (restauração dos armazéns tombados pelo patrimônio histórico e construção das torres de escritório) custarão R$ 900 milhões.
Originalmente, o valor previsto era de cerca de R$ 400 milhões para o complexo todo, incluindo a construção do shopping center.
Sem unanimidade, projeto do Cais Mauá avança na Prefeitura
Naira Hofmeister
Em uma sessão tensa e mais longa do que de costume, o Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre aprovou, na noite de terça-feira, 1º de novembro, o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) da revitalização do Cais Mauá. Foram 24 votos a favor, dois contrários e uma abstenção.
O projeto segue agora para a homologação do prefeito José Fortunati e deve receber imediatamente a Licença Prévia (LP). A etapa seguinte, de aprovação do projeto executivo e consequente liberação da Licença de Instalação (LI) – que permite o início efetivo das obras – será feita separadamente para cada uma das fases previstas: primeiro, o restauro dos armazéns, cujo projeto está pronto e licenciado desde 2013; depois as torres que serão erguidas nas docas e por fim o shopping, entre os armazéns e a Usina do Gasômetro.
Apesar de contar com maioria para aprovação, o relator do projeto no conselho, Sérgio Korem, representante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS), precisou emendar seu parecer, favorável ao empreendimento.
Assim, acrescentou sugestões elaboradas por um grupo de conselheiros simpáticos ao projeto, mas que propõem melhorias na sua execução – entre elas, o rebaixamento da avenida João Goulart, sobre a qual seria criada uma grande esplanada verde, conforme constava no projeto original.
Essas 11 observações não possuem caráter obrigatório, ou seja, Prefeitura e empreendedor podem ou não acatá-las na hora da execução do projeto.
Apesar da tentativa de equacionar as críticas ao projeto com a pressão para que a aprovação ocorresse rapidamente (o projeto tramitava há um mês no conselho), Korem acabou desconsiderando dois pareceres que se opunham à aprovação do EVU: um elaborado pelos delegados da Região 1 de Planejamento (RP1) – que engloba 19 bairros na área central de Porto Alegre, entre eles, o Centro Histórico, onde será feito o empreendimento – e outro da conselheira da Ufrgs, Lívia Piccinini, professora do curso de pós graduação em Planejamento Urbano e Habitação Social da instituição.
“Estamos falando de ilegalidades, esse conselho será responsabilizado por autorizar essa intervenção da forma como está”, condenou a urbanista que, ao final da reunião, dirigiu-se ao secretário de Urbanismo (Smurb), José Luiz Cogo, com lágrimas nos olhos para expor sua contrariedade em particular.
Dúvidas repetem questionamentos antigos
As dúvidas da conselheira Lívia Piccinini recaíam sobre dois aspectos questionados inúmeras vezes durante as audiências públicas do projeto e em outros eventos de debate da iniciativa: a validade dos índices construtivos do empreendimento e a responsabilização do município por autorizar a construção em área inundável. “Não me parece que as explicações dadas até hoje são satisfatórias. Essas questões precisam ser melhor esclarecidas”, defendeu a urbanista.
Para isso, sugeriu que o Conselho do Plano Diretor solicitasse diligências à Procuradoria Geral do Município (PGM). O conselheiro indicado pelo Gabinete do Prefeito, Giovani Carminatti, que também preside a Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (Cauge), órgão avalista de projetos do Executivo que já havia aprovado o EVU antes do Conselho do Plano Diretor, contrapôs a colega.
Para ele, a consulta era desnecessária, uma vez que a PGM integra a Cauge. “Se a PGM assinou o parecer da Cauge aprovando o projeto, concorda com tudo o que envolve a tramitação”, observou.
A discussão esquentou com troca de farpas e a sugestão de que os integrantes do colegiado poderiam responder em caso de um eventual acidente na área. “A responsabilidade é dos técnicos da Prefeitura que aprovaram o EVU. Eles jamais cometeriam qualquer ilegalidade”, assegurou Carminatti.
A proposta de Lívia foi colocada em votação e recusada pelo pleno. Para o relator Sérgio Korem, como a conselheira propunha ou desaprovar o EVU ou pedir diligências à PGM, sem formular sugestões de emenda ao seu parecer, as observações da urbanista foram desconsideradas.
Moradores do centro pedem supressão do shopping
O segundo texto crítico ao projeto foi lido pelo conselheiro da RP1, Daniel Nichele. Pessoalmente, Nichele não se opõe ao empreendimento, porém sustentou o posicionamento dos delegados da região, eleitos pelos moradores dos bairros compreendidos na área.
O parecer condenou a excessiva altura dos edifícios comerciais, que terão o dobro da metragem máxima permitida na cidade, a falta de planejamento para o entorno do empreendimento, salientando a retirada do rebaixamento da João Goulart do projeto ao longo de sua tramitação, e a construção de um shopping center às margens do Guaíba em área tombada pelo patrimônio histórico.
“Entendemos que é necessário ou retirar essa construção do projeto ou alterar o seu local”, escreveram os delegados.
O texto registrou ainda a insegurança provocada pela falta de comprovação de capacidade de investimento por parte do consórcio. A Cais Mauá do Brasil S.A é acusada pelo Ministério Público de Contas (MPC) de não cumprir cláusulas contratuais referentes as garantias financeiras para a obra e está sendo processada por fornecedores que sofreram calote nos pagamentos da empresa.
Sérgio Korem não incluiu as observações em seu parecer porque a assinatura de Daniel Nichele constava no manifesto entregue pelos demais conselheiros e, esse sim, anexado ao seu texto.
“Eles incluíram lá porque participei das reuniões que deram origem ao documento. Mas eu gostaria de ir além do que propuseram”, contrapôs o representante da RP1, que votou contrariamente ao parecer de Korem.
Delegada tem a palavra cassada pelo jurídico
Apesar do desencontro entre as manifestações de Nichele e Korem, os conselheiros não levaram adiante o debate. Entretanto, a delegada da RP1 Ana Lucas provocou grande discussão quando se levantou da plateia, onde estava sentada, para criticar a postura do Conselho do Plano Diretor.
“Quem vai pagar a água e a luz do empreendimento serão os portoalegrenses, porque será necessário construir mais subestações para abastecer o Cais Mauá”, provocou.
Houve um princípio de tumulto. A maioria dos conselheiros não gostou do puxão de orelha e pediu que ela se calasse. “Solicito ao conselheiro Daniel Nichele que controle a sua delegada”, disse ao microfone o vice-presidente da mesa, José Euclésio dos Santos, titular da Associação Gaúcha dos Advogados de Direito Imobiliário Empresarial, que no momento comandava os trabalhos.
Ana se enfureceu: “Agora mesmo é que eu vou falar”!
Ela própria foi conselheira do Plano Diretor em gestões anteriores e reclamava mais tempo para o debate sobre o projeto. “Nós tivemos apenas uma hora e meia para avaliar esse projeto”, condenou.
Apesar do apelo de Nichele para que fosse dado à delegada direito de manifestação, um advogado designado pelo departamento jurídico da Smurb para acompanhar a reunião foi taxativo. Não era possível pedir a palavra após o início da sessão.
“O regimento diz que todo o cidadão tem direito a manifestação desde que solicitada com antecedência. Não houve inscrição prévia, portanto, não há possibilidade de acatar a proposta”, resumiu o advogado.
Houve um mal-estar. Parte dos conselheiros queria ouvir o que a delegada tinha a dizer, mas venceu a formalidade e Ana não pode falar. “Estou muito chateada. É um desrespeito e uma falta de democracia”, desabafou, ao retirar-se da sala.
Outros apelos também foram desconsiderados
Três manifestações, solicitadas regularmente à mesa antes da abertura dos trabalhos, foram aprovadas pelo pleno. Assim como fez na sessão da semana passada, o vice-presidente gaúcho do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Rafael Passos, teceu considerações sobre o projeto feitas pela entidade.
Além de reiterar problemas na tramitação – a falta de um parecer da Superintendência de Portos e Hidrovias sobre o empreendimento, por exemplo – o arquiteto colocou sob suspeição o relato de Sérgio Korem.
“Quando veio apresentar o projeto a este conselho, o representante do consórcio referiu ter feito reunião com o Sinduscon para garantir que a mão de obra no empreendimento seria local, feita por empresas gaúchas. Isso é louvável, mas nos causa estranheza que o relator não tenha solicitado impedimento para avaliar o processo, uma vez que representa o Sinduscon neste colegiado”, observou, para em seguida concluir:
“Tal fato não obedece aos princípios da moralidade e da impessoalidade que deveriam reger a administração pública”.
Já a vereadora Sofia Cavedon (PT) relatou aos conselheiros que a Câmara Municipal recebeu a visita de representantes do grupamento de buscas e salvamento do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre na semana passada. “Para quem não sabe, a sede desse grupo é no Cais Mauá e no edital de concessão prevê a construção e realocação de sede para eles, assim como para a SHP e a Anvisa, que também ocupam áreas do cais”, iniciou.
Segundo Sofia, já foram consideradas inúmeras alternativas de novas sedes para os órgãos, porém “não há solução até o momento”. “Esse grupo de bombeiros é responsável por todos os salvamentos no Guaíba, pela segurança das ilhas, do bairro Arquipélago e do Centro Histórico. Este conselho precisa exigir uma solução antes de aprovar o EVU”, rogou.
Para responder a todos os questionamentos, foi escalado o titular do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais (Gades), Edemar Tutikian, que desconstituiu o IAB-RS (“sempre foi contra e vai continuar sendo, lamentavelmente”), garantiu que os técnicos da Prefeitura fizeram um trabalho sério e que a lei dos índices construtivos está válida apesar de ter um artigo que determina validade até 31 de dezembro de 2012.
“Nem eu, nem o prefeito Fortunati, nem o presidente da Cauge estaríamos defendendo se fosse uma ilegalidade. Se dizemos que tem validade é porque a procuradoria já se manifestou neste sentido”, sustentou.
Tutikian também revelou que já corre no Ministério Público questionamentos sobre esta matéria. “No dia em que os procuradores se manifestarem dizendo que não é válida, vamos aceitar”, provocou.
Após a reunião, Tutikian e o vereador Valter Nagelstein, que trabalham juntos em prol do projeto “desde o tempo da Caixa RS”, ainda no governo de Germano Rigotto (PMDB, 2003-2006), comemoraram a aprovação.
“Estou muito satisfeito”, se limitou a dizer Nagelstein que foi secretário de Urbanismo da Capital até meados deste ano e chegou a solicitar mudanças no projeto, que acabaram não atendidas.
“O conselho agiu com profissionalismo e competência”, completou o secretário Tutikian.
Comunidade debate Pontal do Estaleiro nesta quinta-feira
Naira Hofmeister
A comunidade da Vila Tronco, em Porto Alegre, debate os impactos do projeto Parque do Pontal em sua região nesta quinta-feira, 3 de novembro. O encontro está agendado para as 19h, na sede da associação de moradores, e contará com a presença dos empreendedores.
É o segundo debate comunitário recente do projeto, que tramita no Conselho do Plano Diretor desde o dia 11 de outubro.
Na reunião da última terça-feira, 2 – quando também se debateu o projeto do Cais Mauá, que foi aprovado – o relator do processo no colegiado, André Seixas, da Região de Planejamento 8 (RP8), pediu diligências à prefeitura para esclarecer alguns pontos “que não estão claros” no projeto.
Seixas quer ouvir a manifestação da Secretaria de Meio Ambiente sobre o projeto da praça que será criada junto ao empreendimento e na beira do Guaíba. Da pasta de Cultura, o relator pediu uma análise sobre o caminho interpretativo “memorial do Estaleiro Só”, proposto pelo empreendedor.
Segundo a arquiteta responsável pelo projeto, Clarice Debiagi, esses aspectos seriam abordados em uma etapa posterior à análise do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) ora em pauta. “Nós colocamos isso no projeto, que vamos compatibilizar a praça com as diretrizes da Smam”, exemplificou.
“Estes pedidos estão errados, mas tudo bem. Vamos esperar”, resignou-se.
O Parque do Pontal, que ficou conhecido como Pontal do Estaleiro e gerou intenso debate em Porto Alegre, inclusive com a organização de uma consulta popular para validar a proposta do empreendedor, tramita há 14 anos na Prefeitura Municipal.
Neste período foi modificado inúmeras vezes. Na versão mais recente, apresentada ao Conselho do Plano Diretor, prevê shopping center, centro clínico e consultórios médicos, escritórios e condo-hotel, que é uma modalidade de investimento individual ao invés de apostar por um único grande financiador.
Atualmente o projeto está em uma das etapas finais de licenciamento. O empreendimento será construído pela Melnick Even, em parceria com a BM Par e tem como parceiros o grupo Zaffari e o Hospital Moinhos de Vento.
Projeto do Cais Mauá completa um mês no Conselho do Plano Diretor
Naira Hofmeister
A reunião do Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre desta terça-feira, 1º de novembro, será a quinta consecutiva em que o projeto de revitalização do Cais Mauá está na pauta do colegiado, que analisa o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do empreendimento, um dos últimos passos antes da emissão das licenças para obras.
Três semanas depois de pedirem vistas ao processo – que já possui parecer favorável do relator, Sérgio Korem, indicado pelo Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS) – os conselheiros Daniel Nichele (RP1) e Lívia Piccinini (Ufrgs), deverão emitir suas opiniões sobre a intervenção. “Nunca na história do CMDUA ocorreu uma vista conjunta tão transparente e analisada”, defende Nichele, que se reuniu inúmeras vezes com seus colegas e com os delegados da RP1 para refletir sobre a proposta.
O conselheiro não adianta sua decisão, que só será conhecida a partir das 18h na sede da Secretaria de Urbanismo.
Na última terça-feira, 25 de outubro, Nichele e seus companheiros de colegiado ouviram as manifestações da Agapan e do IAB-RS, contrárias ao modelo de revitalização proposto, que inclui a exploração comercial da área através de um shopping center (ao lado da Usina do Gasômetro) e três torres com escritórios e hotel cuja altura é o dobro do máximo permitido na cidade – permissões dadas através de uma lei específica para o empreendimento, questionada pelas entidades.
“O artigo 17 é bastante claro ao determinar o prazo de validade para o regime urbanístico estabelecido, assegurado a “investidores que licenciaram e iniciarem suas obras” até 31 de dezembro de 2012. O parágrafo único deste artigo, por sua vez, demandava ao Executivo Municipal o envio de projeto de lei que estabelecesse os critérios de atualização da lei, o que não ocorreu. Qualquer outra interpretação sobre o prazo previsto nesta lei não encontra fundamento ou precedente. Fosse o caso de utilizar outros marcos do processo de licenciamento, teriam seus autores procedido como em outras Leis que concederam Regime Urbanístico diferenciado por tempo determinado”, defendeu o vice-presidente do IAB-RS, arquiteto Rafael Passos.
Já o advogado Caio Lustosa, que falou em nome da Agapan, explicou que a entidade considera ilegal a aprovação de regime urbanístico para a área, que é inundável e esteve sob risco de cheia recentemente: “Está em conflito com a lei da defesa civil federal, que impede edificações em área alagáveis; com o Código Estadual do Meio Ambiente, que impede o parcelamento do solo nesses casos; com a Lei Orgânica do município. O artigo 45 do Plano Diretor expressa que as alterações no plano não podem gerar riscos às áreas consolidadas, sendo que se houver tragédia com mortos e feridos, o Tribunal de Justiça tem sustentado que cabe a responsabilidade a quem direta ou indiretamente tenha participado do processo de aprovação”, salientou.
Tensão e bate-boca com autoridades
Desde que entrou na pauta do Conselho do Plano Diretor, o projeto concentrou as atenções no colegiado, que passou a receber frequentemente autoridades. O titular do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais da Prefeitura Municipal, Edemar Tutikian, e o ex-secretário de Urbanismo e atual vereador pelo PMDB Valter Nagelstein, dois entusiastas da iniciativa, não perderam um encontro.
A plateia também esteve repleta – na noite de apresentação do projeto, em 4 de outubro, houve inclusive relatos de pessoas barradas na porta de entrada da Smurb, sob o argumento de que a lotação estava esgotada, embora ainda houvessem cadeiras disponíveis e algumas pessoas em pé.
Essa presença de defensores e opositores do projeto na mesma sala rendeu embates e provocações. No final da reunião da semana passada, por exemplo, Tutikian argumentava com o vice-presidente do IAB-RS Rafael Passos e com a advogada e integrante do coletivo Cais Mauá de Todos Jacqueline Custódio, que pediam mais espaço para o debate do projeto. “O grupo de vocês só vaiou nas audiências públicas, impedindo o diálogo”, criticou o secretário.
Diante de questionamentos da dupla sobre a legalidade da tramitação, exclamou: “Não tem como discutir isso com quem é contra” e logo saiu.
Minutos antes, o ex-secretário de Urbanismo Valter Nagelstein atraiu as atenções ao discutir em tom elevado com outro integrante do coletivo, Silvio Jardim. A briga tinha origem em uma reunião anterior, promovida pela Região 1 do Planejamento, para debater o projeto na Câmara de Vereadores. Na ocasião, Nagelstein, que liderou a convocação aos cidadãos favoráveis ao projeto para que se fizessem presentes, transmitia ao vivo o debate pelas redes sociais quando Silvio o alertou que não o filmasse – pedido que foi ignorado pelo vereador, alegando tratar-se de uma reunião pública.
Ao reencontrar Silvio na reunião do Conselho do Plano Diretor, Nagelstein se alterou porque o militante reiterou que não havia autorizado o uso de sua imagem no vídeo, que ainda está disponível na página do vereador. Depois de um bate-boca entre os dois, Nagelstein afastou-se prometendo “resolver o assunto como homens” se o debate seguisse esquentando.
À reportagem o vereador disse ter se sentido “ameaçado” por Jardim, que, por sua vez, registrou um boletim de ocorrência narrando o fato à Polícia Civil.
Empreendedor foi pessoalmente ao Conselho
Outra figura notável que apareceu em duas reuniões do Conselho do Plano Diretor foi o diretor de Operação da Cais Mauá do Brasil S.A, Sergio José de Lima. Pouco afeito a exposições públicas, Lima apresentou pessoalmente o projeto de revitalização ao colegiado na noite de 4 de outubro.
“Nada nos fará desistir desse projeto que será o espaço mais importante da cidade. Mas para dar esse passo, dependemos de vocês, precisamos do apoio de vocês que compõem essa comissão para que possamos começar as obras”, rogou.
Sérgio Lima é representante do consórcio Cais Mauá do Brasil que desde 2012 pertence a uma gestora financeira chamada NSG, cuja sede fica na praia de Botafogo, no Rio de Janeiro. O ingresso da NSG no consórcio – que mantém apenas três das cinco empresas que venceram a licitação em 2010 – redundou num aumento de capital social, que passou de um milhão para quase 14 milhões em seis anos. Apesar disso, o consórcio se viu recentemente enredado em uma série de ações judiciais de cobrança por serviços contratados e nunca pagos, revelado com exclusividade pelo Jornal JÁ.
“Sou apenas o diretor de Operações da Cais Mauá, entendo da parte de engenharia, não da administração”, justificou, na ocasião, o fato de não saber informar sobre a condição financeira do consórcio naquele momento.
Rebaixamento da avenida João Goulart pode voltar ao projeto do Cais Mauá
Naira Hofmeister
O rebaixamento da avenida João Goulart, previsto na proposta original de revitalização do Cais Mauá e posteriormente retirado pela Prefeitura do rol de contrapartidas, pode voltar a fazer parte do projeto. É o que indicam os conselheiros do Plano Diretor de Porto Alegre, que analisam o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) da iniciativa, uma das últimas etapas antes da emissão de licenças para obras no local.
“É quase um consenso de que o rebaixamento deve ser incluído”, revela o representante da Região 1 do Planejamento (RP1), Daniel Nichele, que coordena a análise conjunta do projeto, que já obteve parecer favorável do representante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS).
Segundo Nichele, não há, em todo o processo administrativo que registra a evolução e mudanças na proposta ao longo dos mais de cinco anos em que tramita na Prefeitura Municipal uma justificativa razoável das razões de sua exclusão. “Já pedimos esse esclarecimento à Prefeitura”, completa o conselheiro.
Apesar das inúmeras polêmicas que cercam o projeto, a preocupação central dos conselheiros é com a mobilidade urbana e, neste aspecto, o mergulhão da João Goulart serviria como um ponto a favor. “O empreendedor está prevendo quatro novos semáforos na Mauá e ainda faixas redutoras de velocidade”, justifica Nichele.
Aliado ao volume extra de automóveis que a revitalização vai atrair para a região, os conselheiros temem que a intervenção prejudique o trânsito no Centro Histórico. “Alguns conselheiros de mais idade também lembraram da importância de se ter acesso direto ao Guaíba, caminhando”, complementa.
Neste sentido, o mergulhão também seria uma solução interessante, na opinião de Nichele, pois permitiria o acesso livre, de nível, a pedestres, sem influir no fluxo de automóveis.
Prefeitura barrou iniciativa
A proposta de rebaixar a avenida João Goulart no trecho entre as praças Brigadeiro Sampaio e Julio Mesquita e a Usina do Gasômetro estava contida nos primeiros desenhos que foram apresentados à população, em 2008, pelo Governo do Estado – antes mesmo da licitação para a concessão da área à iniciativa privada, que ocorreu em 2010.
Era o conteúdo da proposta vencedora da concorrência pela Manifestação de Interesse na obra do cais, que incluía, entre outras exigências, um estudo inicial sobre como ficaria o espaço. Os esboços foram feitos em parceria pelos arquitetos Jaime Lerner, bastante conhecido no Brasil, e Fermín Vázquez, um catalão.
A ideia era não apenas rebaixar a João Goulart, mas enterrar o shopping center que ocupará uma área ao lado da Usina do Gasômetro. Do telhado do imóvel desceria uma esplanada verde que passaria sobre a via subterrânea e se integraria às praças de fronte ao Gasômetro, formando uma espécie de parque.
Primeiro foi o empreendedor que desistiu da fórmula para o shopping, alegando custo muito elevado. Depois, a própria Prefeitura Municipal liberou o consórcio vencedor da licitação de realizar o mergulhão. “O rebaixamento não foi retirado do projeto por nós. Foi decisão da Prefeitura, em razão de uma série de intervenções que serão feitas na avenida”, esclareceu o diretor de Operações da Cais Mauá do Brasil, Sérgio Lima, durante apresentação do projeto aos conselheiros, no dia 11 de outubro.
Durante as audiências públicas realizadas em 2015 e neste ano, a retirada da obra do rol de contrapartidas foi muito criticada por movimentos cidadãos. Especialmente porque o consórcio manteve na lista o prolongamento da rua Ramiro Barcelos, que terá um trecho subterrâneo, sob a Avenida da Legalidade. Essa intervenção é a mais cara entre todas as compensações que o empreendedor dará à cidade (R$ 24,3 milhões em valores de 2015), mas beneficiará diretamente o consórcio, uma vez que será por esta via, rebaixada que entrarão os veículos na área das docas do Cais Mauá, onde serão erguidas três torres com hotel e escritórios.
Diante dos protestos, o consórcio retomou a ideia do telhado verde no shopping e ofereceu uma passarela para pedestres que ligaria a praça à cobertura do centro comercial. A passarela, entretanto, foi considerada inadequada para a área pelos órgãos do patrimônio histórico, que barrou a iniciativa. Movimentos ambientalistas também contestavam a solução, que exigia o corte de mais de uma dezena de árvores na praça Brigadeiro Sampaio.
A Secretaria de Urbanismo idealizou então um acesso de nível com sinalização especial e piso diferenciado, para dar a ideia de que é uma continuidade da Rua da Praia.
O empreendedor acatou a saída e ainda acrescentou uma novidade ao projeto: decidiu abrir um grande terraço no segundo pavimento do shopping center, uma área de 3 mil m², para desobstruir a vista da Usina do Gasômetro e ampliar o contato com o Guaíba.
Ainda assim, a altura do shopping (14 metros) é superior à do cume dos armazéns, que medem 10 metros nos vértices do telhado. Não haverá subsolo, nem para estacionamento, que será distribuído no miolo do edifício no andar térreo – a parte exterior do edifício abrigará lojas
Projeto do Cais Mauá vive dias decisivos na semana da eleição
Naira Hofmeister
A semana que antecede o segundo turno das eleições em Porto Alegre será também fundamental para os rumos do projeto de revitalização do Cais Mauá. O Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) da obra está em análise no Conselho do Plano Diretor; é um dos últimos passos para obter a licença para as obras.
Já há um parecer favorável do relator, o representante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS), porém os demais conselheiros tem dúvidas sobre alguns aspectos do projeto e reclamam da pressão para aprovar a toque de caixa.
“Esse processo tramita há cinco anos na Prefeitura. Precisamos ter mais tempo para fazer essa análise. Afinal, seremos marcados para sempre: ou por termos aprovado um projeto que precisava maior reflexão, ou por termos bloqueado o desenvolvimento da cidade”, se queixa um dos integrantes do colegiado.
O conselheiro da RP1, Daniel Nichelle, defende que a decisão seja tomada de forma consensual entre todos os integrantes do colegiado. Por isso, convocou seus colegas para uma nova reunião nesta segunda-feira, no início da tarde. Na semana passada, houve encontros temáticos sobre o Cais quase diariamente. À noite, partir das 19h, outro encontro reúne delegados da Região 1 de Planejamento (RP1), que pediu vistas ao processo.
Já há um consenso entre os conselheiros: é preciso pedir esclarecimentos à Prefeitura Municipal sobre dívidas levantadas em uma reunião aberta da RP1 na semana passada, quando os delegados encaminharam uma proposta de promover consulta pública sobre a iniciativa, que causa polêmica na cidade por prever a construção de três torres (duas delas com o dobro da altura máxima permitida pelo Plano Diretor) e um shopping center em área tombada pelo patrimônio histórico.
O problema é que o relator precisa aceitar a sugestão de diligências dos demais conselheiros, o que causa apreensão entre os integrantes. Caso o representante do Sinduscon, Sérgio Korem, avalie que os esclarecimentos não são necessários, ele pode colocar o projeto em votação.
A reunião do Conselho do Plano Diretor acontece todas as terças-feiras, a partir das 18 horas, na sede da Secretaria Municipal do Urbanismo (Smurb), e é aberta ao público.
Essa semana ainda está prevista a realização de uma reunião da Frente Parlamentar e Social em defesa de um Cais Mauá de todos. O encontro ocorre na terça-feira, às 10h, no Auditório Adel Carvalho, na Câmara Municipal de Porto Alegre.
Debate no Núcleo Amigos da Terra
Outra agenda que deve trazer o debate sobre o Cais Mauá para relacioná-lo com outras iniciativas de construção em áreas da orla do Guaíba – como o Pontal do Estaleiro e o projeto de condomínio na área da Fazenda do Arado – é um debate promovido pelo Núcleo Amigos da Terra Brasil.
O encontro acontece na quarta-feira, às 18h30, na sede da entidade, no bairro Cidade Baixa.
O tema da palestra é “Zona Sul de Porto Alegre e a especulação imobiliária” e já está confirmada a participação de Felipe Viana, do Instituto Econsciência, além de representantes do Coletivo Ambiente Crítico e do Movimento Preserva Arado.
Projeto para o Cais Mauá mobiliza o Conselho do Plano Diretor
Naira Hofmeister
A análise do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do projeto de revitalização do Cais Mauá tem dado trabalho extra aos conselheiros do Plano Diretor de Porto Alegre. O assunto é complexo – envolve as três esferas de poder, União, Estado e Município; é iniciativa aguardada há anos pela população da cidade e a mais recente investida, que está atualmente em debate, passou por governos integrados por partidos de todos os espectros ideológicos.
Não bastasse isso, o processo de concessão do porto à iniciativa privada tem gerado críticas da parcela da população e entidades contrárias à construção de edifícios com altura acima do padrão permitido na cidade, estacionamento para milhares de automóveis e um shopping center em área com patrimônio tombado.
Também há questionamentos do Tribunal de Contas do Estado e do Ministério Público de Contas, que mais de uma vez apontaram o não cumprimento de cláusulas contratuais por parte do consórcio vencedor da licitação. O procurador de Contas do Estado, Geraldo Da Camino, chegou a solicitar a suspensão do licenciamento para obras enquanto não houvesse confirmação de que o consórcio tem recursos financeiros para investir no empreendimento, que já trocou de mãos várias vezes desde que foi licitado.
Prefeitura Municipal e Governo do Estado rejeitam a tese e afirmam que as discrepâncias entre o que dizem a lei e o contrato e o que ocorre na realidade são fruto da conjuntura adversa: demora no licenciamento (que afasta investidores do negócio e fez expirar o prazo de validade dos índices construtivos sem que a obra iniciasse) ou equívocos de redação no contrato, como o que trocou a exigência de apresentação de projetos básicos por executivos nos meses subsequentes à assinatura entre as partes.
Embora a análise do CMDUA recaia exclusivamente sobre os aspectos técnicos do processo – se o empreendedor cumpre com o estabelecido nas regras construtivas da cidade e se o projeto prevê as compensações e adequações sugeridas pelas diversas secretarias municipais –, está difícil separar esses pontos de toda a polêmica que envolve a concessão.
“Não tem como não pesar; vai pesar. Mas no Conselho são analisadas questões urbanísticas, não entram esses pontos… Na hipótese de que o Conselho aprove, o TCE ainda pode embargar se não forem respondidas todas as questões”, esclarece o secretário de Urbanismo, José Luiz Cogo.
Uma rodinha que se se formou ao final da última reunião do Conselho do Plano Diretor em Porto Alegre, na terça-feira (18) demonstra essa preocupação:
“É patrimônio nosso”, levantou um conselheiro.
“A gente pode aprovar” – defendeu outro – “mesmo que o Tribunal de Contas paralise as obras depois”, completou.
“Os espanhóis vão vender a parte deles”, cogitou alguém.
“O problema é que aquele shopping tá horrível de feio”, argumentou uma quarta voz.
“Não cabe avaliar se é bonito ou não”, contestou mais outro. “É análise técnica”, completou.
Três reuniões em cinco dias
Para sanar dúvidas dos integrantes do Conselho, o representante da Região 1 do Planejamento (RP1), Daniel Nichelle, pediu vistas do processo. O relator da matéria no colegiado, representante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS), havia emitido parecer favorável à matéria.
A tramitação no Conselho é das últimas etapas antes do licenciamento e só precisa referendar a aprovação do EVU, que já foi feita pela Prefeitura. Vencida essa etapa, o empreendedor aprova os projetos executivos e recebe liberação para as obras.
“É um projeto realmente importante, que extrapola a nossa região e terá impacto na cidade como um todo. Estamos avaliando com muito cuidado”, revela Nichelle.
A dedicação tem sido intensa: apenas nesta semana, foram três reuniões extraordinárias exclusivamente para debater o projeto do Cais: uma aberta aos delegados da RP1, que teceram críticas e defenderam uma consulta popular sobre o projeto, e outras duas restritas aos conselheiros do Plano Diretor. Mais o tradicional encontro das terças-feiras, onde a matéria foi um dos principais assuntos.
A principal preocupação é com a animosidade entre defensores e detratores da proposta. “Há setores que não querem ouvir o contraditório”, lamentou o representante do Sindicato dos Corretores de Imóveis (Sindimóveis), Rogério Dal Molin.
Seu colega da RP7, Diaran Laone Camargo, foi mais longe e chamou os críticos do projeto de “feras”. Ao final da reunião, o conselheiro Diego Índio, que ocupa o assento que compete ao Orçamento Participativo (OP), disse que “eram sempre os mesmos” que pressionavam pela não execução da obra. “Inspirados pelo teu jornal”, referiu à repórter.
As críticas, que partem de entidades como o Instituto dos Arquitetos e vereadores, surtiram efeito. “Há aspectos de grande importância que devem ser considerados por este Conselho”, sugeriu Luiz Antonio Gomes, da RP6.
Ele mencionou que o fato de tramitar há muitos anos na Prefeitura pode ter gerado um “desgaste de contemporaneidade de alguns elementos”, uma provável referência às críticas sobre a construção de um shopping center às margens do Guaíba.
“Por mais que eu não concorde, ouvi muito mais descontentamentos do que contentamentos e isso deve ser levado em consideração. Temos que ver se não é a ponta que leva a outras questões desse projeto, que não é perfeito”, sugeriu aos colegas.
Decisão será consensual, avisa conselheiro
Para a próxima segunda-feira, véspera da reunião do CMDUA na qual se espera que Daniel Nichelle leia seu parecer sobre o projeto, o conselheiro convocou dois encontros. O primeiro, de tarde, reunirá novamente os conselheiros do plano para mais uma rodada de análise.
À noite, ele se encontra com os delegados da RP1 para entregar as respostas elaboradas pelo empreendedor aos questionamentos levantados. “Vou avisar a todos que entrarei com pedidos de diligências na terça”, antecipou.
Isso significa que o processo segue sem definição, coisa que, revela o conselheiro da RP1, será feita somente quando houver um consenso a respeito do processo dentro do CMDUA. “Temos opiniões muito próximas sobre pontos que geram dúvidas e as diligências que vou solicitar foram todas unânimes”, observa.
“A meu ver é um momento histórico do Conselho do Plano Diretor, de força e unidade entre os conselheiros”, concluiu.