Esquerda, Direita ou Centro?

Leonardo Antunes
Vivemos, no Brasil de hoje, um momento curioso em que todos, de repente, resolveram politizar-se. Até pouco tempo atrás, vigorava um senso comum de que não valeria a pena discutir a respeito de política, porque, afinal de contas, políticos são todos corruptos. Opinião política era considerada uma coisa tão pessoal, que não era de bom tom perguntar a respeito disso a ninguém, assim como não se perguntaria quanto uma pessoa ganha ou qual seria a sua fé (ou ao menos assim ditavam os bons costumes).
Agora, em especial no que concerne à política, já não me parece que as coisas são assim. Um maior acesso a informação (de todos os tipos e procedências), aliado à abertura de um novo canal de diálogo nas redes sociais, tem feito com que as pessoas passem mais frequentemente a dar voz às suas opiniões, entrando, por isso mesmo, muitas vezes em confronto com conhecidos e familiares. Nisso, há um agravante: justamente por não termos prática de debater a respeito de política, há uma enorme confusão de conceitos dentro do que hoje constitui o diálogo político médio no Brasil, o que em nada ajuda a mitigar a situação de confronto.
Essa confusão de conceitos – creio eu – não é acidental. Ela não é apenas fruto do estado precário da educação em nosso país, mas, sim, advém de um esforço consciente, das várias partes envolvidas, para desinformar as pessoas. Que esse esforço exista em não apenas um lado do embate político, não é algo que eu ignore. Se é maior de um lado ou de outro, não cabe a mim julgar. Entretanto, é notório que tenha havido, recentemente, um crescimento no número de pessoas que se identificam como de direita (sabendo bem o que é isso ou não). Esse crescimento tem ocorrido não sem um enorme esforço de desinformar muitas dessas mesmas pessoas a respeito do que é ser de esquerda (e, por extensão, também a respeito do que é ser de direita).
Por conta disso, vejo-me, mais frequentemente do que gostaria, na triste necessidade de não apenas ter de explicar meus pontos de vista, mas também de tentar – muitas vezes em vão – desfazer confusões conceituais e preconceitos que meus interlocutores trazem a partir de sua exposição à hiperinformação. É em vista dessa necessidade que eu me ponho a escrever este texto, esperando que ele possa informar, de alguma maneira e em algum grau, o que é ser de esquerda, o que é ser de direita e o que é ser de centro.
Reitero o caráter pessoal deste texto por um motivo simples: não há uma única acepção possível do que é ser de esquerda ou ser de direita. Isso ocorre evidentemente porque existe um espectro de possibilidades entre o máximo da esquerda e o máximo da direita. Mais do que isso, esse espectro não é uma simples linha horizontal, mas, no mínimo, pode ser representado pelo entrecruzamento de dois eixos que condicionam os diversos elementos da vida política.1
Dentro de uma sociedade humana organizada, a vida política envolve questões atuantes (se as organizarmos em um modelo minimalista) em dois eixos, o econômico e o social, que caracterizam, mediante leis (da parte do governo) e costumes (da parte da sociedade), a existência humana em comum. Cada um desses eixos abrange uma pluralidade de questões, as quais, por vezes, têm participação em ambos os eixos simultaneamente.
É possível (e extremamente comum) estar parcialmente à esquerda e parcialmente à direita dentro de um mesmo campo da vida política. A bem da verdade (e é de suma importância notar que), dentro de uma democracia próspera e saudável,2 a maioria das pessoas se encaixa em uma postura de centro, adotando ora uma posição mais à esquerda em relação a um problema específico, ora uma posição mais à direita em relação a outro, ou mesmo se abstendo de opinar em determinada questão. Um número menor de pessoas se posiciona mais para a esquerda e um número mais ou menos semelhante se posiciona mais para a direita.
Contudo, há momentos em que determinadas questões ganham maior destaque e importância dentro de um momento histórico específico. Nesses momentos, é compreensível (e notável) que a massa das pessoas, normalmente de centro, se divida em dois ou mais grupos de opiniões divergentes. Apesar de cada pessoa ter uma conformação de crenças única, nesses momentos a identidade de grupo acaba sendo reduzida a alguns poucos pontos centrais, que podem, temporariamente, criar uma deformação no que é entendido como ser de esquerda ou ser de direita.3
Novamente, aponto para o caráter único da conformação de crenças de um indivíduo. Mesmo dentro de um grupo de mesma identidade cultural (por exemplo, os cristãos), não há univocidade de opiniões. As opiniões dos membros da Opus Dei certamente não são as mesmas dos cristãos orientados pela Teologia da Libertação. Mesmo dentro desses grupos, também não haverá perfeita uniformidade de opinião em relação a como pensar todas as questões econômicas e sociais. Certamente, é mais provável que membros de um mesmo grupo tenham opiniões mais próximas umas das outras. Porém, isso não significa que todos pensem de modo igual.
Faço essas considerações propositalmente antes de tentar definir o que é ser de esquerda e o que é ser de direita. O caráter proposital dessas considerações gira em torno da afirmação de que, numa democracia próspera e saudável, a maior parte das pessoas é de centro. Com essa afirmação, que fique compreendido que minha intenção não é “converter” as pessoas a uma opinião de esquerda, mas, sim, apontar que a maioria delas têm uma opinião de centro e que talvez seja, de fato, melhor assim.
Mas o que significa ser de centro?
Há, basicamente, dois tipos de indivíduo no centro: os que têm de fato uma postura comedida e apregoam um posicionamento moderado em todas as questões; e aqueles que simplesmente têm um posicionamento misto, sem fortes inclinações nem para um lado nem para o outro. Alguns talvez não tenham interesse em política; outros podem estar indiferentes com a situação atual, sem grandes intenções de mudá-la nem de perpetuá-la; outros ainda podem apenas ser cautelosos e acreditar que é preciso moderação para abordar questões complexas e polêmicas. De modo geral, portanto, podem ser resumidos como pessoas abertas a mudanças desde que muito bem estudadas e planejadas.
A partir da definição do que é ser de centro, podemos tentar identificar o que poderia significar ser de esquerda e ser de direita, ao menos em uma definição inicial, por mais insuficiente que ela possa ser para um diálogo mais aprofundado.
Pois bem: se ser de centro significa ter uma posição, em geral, moderada e estar aberto a mudanças desde que muito bem estudadas e planejadas, podemos, temporariamente, definir o máximo da esquerda como estar pronto para empreender mudanças a qualquer custo e o máximo da direita como estar pronto para defender o status quo a qualquer custo.
Não é difícil ver que essas posições extremas são perigosíssimas. Entretanto, certamente há ocasiões em que ambas têm seu valor: em uma situação de extrema injustiça e ausência de qualquer outra solução, é compreensível que pessoas adotem uma posição revolucionária, da mesma forma como é compreensível que, em uma situação de extremo contentamento geral, pessoas estejam prontas para impedir, até por meios violentos, que se estrague o bom funcionamento da sociedade. O grande perigo reside no erro de diagnose, tanto de se fazer a revolução quando ela não é necessária como de se defender a manutenção de uma situação injusta.
Mais do que isso: há enorme perigo em não perceber que essas posições extremas não são o único caminho para se orientar a sociedade mais para a esquerda ou mais para a direita, isto é, operando mudanças sociais a fim de buscar melhorias para a qualidade de vida da maioria (movimento à esquerda) ou focando em coibir mudanças sociais a fim de preservar o funcionamento atual da sociedade (movimento à direita). Há que se notar ainda que os dois movimentos podem ser feitos ao mesmo tempo, para áreas diferentes de nossa sociedade, preservando as leis e tradições que são frutuosas, mas dando espaço para mudanças nos pontos em que elas são necessárias.
1 Quando digo vida política, claro, não me refiro apenas à política como o exercício de cargos governamentais; refiro-me à vida do ser humano como organismo político, isto é, um organismo partícipe de uma πόλις (pólis), ou seja, um πολίτης (polítēs), um membro de uma sociedade humana organizada.
2 Por democracia próspera e saudável, defino uma sociedade não perfeita, mas em que há o bastante para todos de forma mais ou menos semelhante, a ponto de não haver necessidade para uma revolução, mas, ao mesmo tempo, a ponto de ainda haver (como talvez sempre haja) questões sociais e/ou econômicas a serem resolvidas. Antes de estar pensando em um exemplo real, penso aqui em um ideal do qual as diferentes sociedades humanas se aproximam mais ou menos (o que também se reflete nos ânimos políticos próprios a cada uma delas).
3 Para dar um exemplo grosseiro, muitas pessoas acabam se definindo como de direita hoje no Brasil apenas por adotaram uma postura anti-PT, como se o PT representasse o todo da esquerda.

0 comentário em “Esquerda, Direita ou Centro?”

  1. Boa tarde, o texto em si foi excelente, porém creio que você cometeu uma gafe enorme ao definir a Direita a partir do conservadorismo, já que o conservadorismo é apenas uma vertente da direita, sendo por isso possível que uma pessoa seja de Direita sem ser conservadora como o senhor definiu. Tirando isso o texto ficou otimo.
    Respeitosamente.

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