Jorge Barcellos – Doutor em Educação
Denis Rosenfield publicou em Zero Hora (5/7) artigo em que, mais uma vez, critica o Partido dos Trabalhadores. Desconfio que Rosenfield só sabe da minha existência pelos artigos em que critico suas análises. Cada vez que ele publica um artigo novo, como o anjo de Benjamin, uma tempestade me arrasta para replicar seus argumentos. Talvez seja o contrário, talvez ele só escreva para saber que resposta darei a seus argumentos, típico da filosofia, área em que se formou e que o levou a transformar-se em eminência parda da direita intelectual. Eu, ao contrário, consigo nas redes sociais não mais do que meia centena de leitores de artigos em defesa do pensamento de esquerda. Sou um fiasco.
Criticar o pensamento de direita de Rosenfield é meu esporte de combate predileto, para usar uma figura de expressão do sociólogo Pierre Bourdieu, mostrar que existem argumentos contrários ao seu pensamento que merecem serem defendidos. Como diz o escritor Diogo Mainardi, em “Lula é minha Anta” – autor também que critico, mas que tem ótimas tiradas – é como se Rosenfield fosse o Papa-Léguas e eu o Coiote. Recorro a todas as artimanhas do pensamento contemporâneo para capturar seus argumentos, mostrar a que tipo de projeto servem, exatamente como Diogo Mainardi diz fazer com Lula, na metáfora do Papa-Léguas, e assim, argumentos filosóficos se transformam nas catapultas do desenho, nos elásticos, etc. Rosenfield nunca desiste, sempre consegue nos impressionar a cada artigo publicado em ZH.
Depois de muito refletir, descobri a razão de meu empenho: é que ele em seus artigos encarna o estridente “bip-bip” da direita, o eterno discurso que é a sua forma de desejar que a nação –ou ao menos aquela representada pelas classes populares e pelos direitos sociais básicos – se subordine ao capital e as formas de exploração que representa. Não tenho sorte, não dá certo, ele sempre consegue voltar com novos artigos de direita como “A Narrativa Petista”. Diogo Mainardi diz que o valor do desenho animado de Chuck Jones é sua essencialidade, são só dois personagens no deserto. No deserto das ideias, Rosenfield é o como o Papa-Léguas de Mainardi, a “besta primária equivalente absoluta essencialidade”, quer dizer, como diz Mainardi, Rosenfield está “perfeitamente adaptado a seu meio”, o pensamento liberal e pronto para se esquivar do Coiote, ou seja, de nós.
Mas alto lá! Não me considero Coiote no sentido dado por Mainardi, o de uma caricatura do humanismo e da racionalidade, ao contrário, a única caricatura em jogo é a de um pensamento de esquerda humanista, que acredita numa sociedade em que o capital não transforma homens em mercadorias. E também não no sentido dado por Mainardi onde “Chuck Jones definiu o Coiote como um fanático, citando o filósofo George Santayana, para quem “um fanático é aquele que redobra seu empenho quando já esqueceu seu objetivo”. Nenhum dos autores aqui citados é fanático porque, ao contrário, tem seus objetivos bem definidos, a luta pela defesa do mercado, no caso de Rosenfield, a luta em defesa dos direitos dos trabalhadores, no meu caso.
Feita a digressão, voltemos ao que interessa. Seu último artigo em ZH é uma tentativa de caracterizar o que chama de “narrativa petista”. Não é difícil retrucar seus argumentos. Há pelo menos quatro argumentos que se contrapõem as ideias de Rosenfield. Primeiro, ele esquece que a direita sempre se caracterizou pelo seu caráter oligárquico, defesa do status quo e pela manutenção no poder. As ideias liberais tiveram no entanto sucesso e avançaram para além do plano econômico, transformando as políticas públicas em servas do capital e convencendo a sociedade brasileira da necessidade do impeachment. Com as primeiras medidas do governo Temer, veio o arrependimento.
Segundo, e paradoxalmente, para a direita, os fatos correspondem ao discurso, daí a crueldade de sua política. O discurso de direita é uma narrativa de terror: sua prática aprofunda o buraco onde encontra-se a sociedade brasileira, o buraco da ideologia neoliberal. Na realidade das leis do mercado, não há lugar para solidariedade social e o resultado é que todos são tratados como mercadoria. A narrativa cada vez mais explicita, sem pudor, mostra que é um movimento com norte claro.
Terceiro, as ideias direitistas são a expressão do olhar neoliberal do capital. Nele, a única realidade que conta é a econômica – o social não conta mais, só o que serve a expansão do capital. Temer já avisou que está preparando medidas duras. Duras contra quem? A sociedade, é claro, e já se anuncia nos bastidores um pacote que inclui alterações na previdência, a desvinculação das aposentadorias dos reajustes do salário mínimo, fim da estabilidade no serviço público e até a possiblidade de extinção do Bolsa Família a partir de 2017.
Pior, e quarto, o discurso direitista se expandiu para novas fronteiras. Não é apenas um discurso econômico marcado pela apropriação dos recursos do Estado pelo Capital, é também um discurso político marcado pelo retrocesso da democracia e pela defesa de valores de setores retrógrados na sociedade. Com a crise das esquerdas, cada vez mais seus conceitos estruturantes vem revelando eficácia e ocupando os mais diferentes horizontes, construindo a “subjetividade neoliberal” (Byung Chul Han).Daí o reforço do discurso do impeachment mesmo sem base legal, do projeto de retrocesso dos direitos sociais básicos, da ascensão de um grupo politico ao poder sem compromisso com uma idéia de nação.
Finalmente, frente a um projeto tão bem sucedido, resta a esquerda reconstruir seu discurso politico e sua prática nas próximas eleições. A sociedade precisa dar-se conta de que, apesar de a direita repetir seu discurso a exaustão, a esquerda oferece outro caminho possível, mais justo, humano e cidadão. Isso passa pelo fortalecimento das instituições democráticas que exponha as contradições do discurso da direita para a sociedade brasileira. A esquerda precisa urgente de uma nova estratégia que unifique as forças democráticas. Quando isso acontecer, ao contrário do que sugere Rosenfield em seu artigo para a esquerda, é a direita estará perdida. Mesmo assim, como diz Mainardi, Rosenfield escreverá novos artigos para Zh, “buzinando seu bipbip”. Enquanto a direita tiver sucesso e intelectuais a seu serviço, não ria: é a sociedade brasileira que estará caindo no abismo.