O que explica a crise?

Giovane Martins*
Ainda não chegamos à metade de 2016 e, me arriscaria a dizer, já poderíamos calcular mais notícias sobre escândalos políticos nesta primeira metade do semestre do que em vários momentos parecidos da nossa história. O Brasil, que até pouco tempo era visto como o país do Carnaval e do futebol, agora ocupa as manchetes políticas do Brasil e do mundo quase que diariamente, com novas revelações em escândalos de corrupção – revelações que já foram capazes de levar para a cadeia alguns dos empresários mais ricos do país e de declarar a “quase morte” política (pois no fim das contas só a população tem o poder de declarar a morte política de alguém de forma definitiva) de vários envolvidos nos esquemas.
A crise política que estamos vivendo não começou ontem e provavelmente não terminará amanhã. Provavelmente também não começou em 2013, embora tenha sido neste ano que os primeiros protestos populares de grande magnitude tenham ocorrido durante o período frequentemente denominado de “lulismo”. Uma crise política desta magnitude não surge do nada. Embora na superfície esteja tudo correndo aparentemente bem, é perfeitamente possível que uma profunda sensação de desgosto e um crescente desejo de mudança estejam presentes nas consciências individuais.
Por isso seria um trabalho duro especificar onde começa a crise política que nos afeta, e é um tiro no escuro saber o que virá depois. Qualquer tentativa de se apontar uma causa para explicar o que está ocorrendo agora acabaria com o status de meia-verdade: talvez por isso as correntes ideológicas tradicionais tenham tanta dificuldade para justificar seus diagnósticos. Ao contrário de outros eventos históricos em que era possível delinear claramente onde uma revolta começa e quais são seus pontos de transição, fazer isso hoje é correr o risco de se cair na ideologia, na resposta que já estava engatilhada a priori.
Mas o que torna nossos tempos tão diferentes de outros eventos políticos históricos?
A filosofia, as ciências sociais, a comunicação social e outras áreas que frequentemente se comprometem com o debate político vêm desenvolvendo nos últimos anos uma boa gama de trabalhos a respeito de um novo mundo (ou de uma nova forma de se relacionar com ele) que ainda não entendemos bem – embora nosso contato seja permanente. Estamos na era do ciberespaço, das novas tecnologias da comunicação que a cada dia trazem novos recursos, que mudam a forma como nos relacionamos e tornam a atividade política acessível a qualquer um que tenha um computador ou um smartphone com internet. A clássica relação causa-efeito se torna completamente incerta em um mundo em que vários eventos significativos ocorrem simultaneamente, em que causas que desconhecíamos podem ganhar força em minutos e em que a informação ganha autonomia em relação aos sujeitos – quem precisa procurar informações quando elas aparecem na sua timeline inesperadamente?
Nossa imprensa tradicional, nossa democracia e as nossas instituições estão tendo que lidar com esse conjunto de novos fatores. A liberdade que a democracia nos proporciona, por sinal, é fundamental para que saiamos da crise sem qualquer violência ou derramamento de sangue, como já ocorreu antes nesses 30 anos de democracia. É essa liberdade que permitiu a cultura de participação política que estamos assistindo diariamente. Por mais que se pense o contrário, cada vez mais parece ser o povo o motor político principal, e não as classes médias e políticas.
Meu objetivo nesta coluna será trazer para o debate político alguns desses temas que nos ajudam a entender o momento político que ocorre no Brasil e em outros países do mundo, mas que ao mesmo tempo quase que nos impossibilitam de fazer análises sistemáticas que apontem causas e efeitos claros e distintos sem se cair em respostas velhas para problemas novos. Para isso, conto com a participação do leitor. O debate político, agora, é de todos!
* Giovane Martins é estudante de filosofia da PUCRS, pesquisador bolsista do CNPq e do CEFA – Centro de Estudos em Filosofia Americana.

0 comentário em “O que explica a crise?”

  1. Estamos aproveitando o momento de expormos nossas opiniões. Agora precisamos de coragem para vê-las em confronto com outras, e sendo criticadas pela filosofia.
    Fico feliz em ver a filosofia ganhando este espaço! Boa sorte, Giovane.

    1. Muito obrigado, Thiago! A filosofia tem o papel de deslocar a discussão política dos lugares comuns em que essa discussão normalmente cai, para que novas descrições entrem no debate. Esperamos que o confronto de ideias surta efeito. Abraços, e obrigado pela leitura!

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