Matheus Chaparini
Ao fim da audiência pública que lotou o auditório da Assembleia Legislativa por três horas na noite desta quarta-feira, foi criada um frente parlamentar em defesa de um projeto sustentável para o Cais Mauá.
O deputado Tarcísio Zimmerman garantiu que o grupo terá participação das entidades que participam ativamente dos debates sobre o cais.
“O povo quer falar! Cadê a prefeitura e o consórcio pra escutar?”, cantavam os participantes da audiência. A prefeitura foi convidada para o debate, confirmou presença, mas não apareceu.
O consórcio Cais Mauá do Brasil, vencedor da licitação, também não se apresentou para a discussão.
O mote do debate era o pedido de rescisão do contrato entre Governo do Estado e consórcio Cais Mauá do Brasil e a elaboração de um novo projeto mais sustentável para a área.
O clima da audiência era bem diferente daquela realizada em setembro de 2015, no ginásio da sede Moinhos de Vento do Grêmio Náutico União.
Naquela ocasião, a audiência foi chamada para apresentação do EIA- Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) e foi criticada em várias falas ao microfone.
Sem espaço para o debate público, a audiência se constituiu em mera apresentação do projeto, sob muito gritos, vaias e aplausos.
Na ocasião, integrantes da Banda Loka Liberal apareceram para defender o projeto e formaram-se duas torcidas rivais na quadra.
Desta vez, na Assembléia, os manifestantes favoráveis ao projeto eram cerca de meia dúzia e deixaram o local logo após o início da audiência.
A audiência foi promovida pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente por solicitação do deputado Tarcisio Zimmerman (PT).
Zimmerman agradeceu aos movimentos e órgãos presentes e, quando já haviam começado as falas, concluiu: “se havia alguma dúvida em relação ao interesse público deste tema, não há mais. O auditório está lotado e tem mais gente lá fora querendo entrar.”
Revitalização dos armazéns Representa 10% do custo da obra
O presidente do IAB, Tiago Holzmann da Silva começou falando das dificuldades de discutir o projeto “porque não existe projeto. O existe é uma série de intenções para aquela área, o que nos deixa bem à vontade para propor sugestões”.
O arquiteto apresentou alguns números sobre a revitalização que, segundo ele, prevê torres mais altas do que os prédios mais altos existentes hoje em Porto Alegre.
“Oito mil metros quadrados para botar carro no cais do porto”, criticou, ao que alguém na plateia completou: “que bela bosta, hein”, arrancando gargalhadas gerais.
O presidente do IAB recordou também o custo de cada parte da obra. A revitalização dos armazéns, tem custo estimado de R$ 43 milhões, cerca de um décimo do total, contra R$ 70 milhões para o estacionamento e R$ 161 milhões para o shopping center.
“A gente vai gastar R$ 43 milhões para fazer o que todo mundo quer. E mais R$ 400 milhões para o investidor poder ganhar dinheiro. Não está certo isso.”
Tiago Holzman questionou o argumento da falta de recurso financeiro, citando o custo da obra do viaduto da avenida Bento Gonçalves com a Aparício Borges, construído recentemente, com R$ 79 milhões de dinheiro público. “Existe recurso, desde que se tenha vontade de fazer.”
Kátia Suman, representante do Cais Mauá de Todos, criticou a preferência do projeto pelo uso do carro, “uma matriz ultrapassada” e ironizou que “os carros terão uma bela vista do Guaíba.”
Suman chamou o projeto de Kinder Ovo, pois “a cada vez que abrem tem uma surpresa nova”. Ela saudou a realização de uma audiência onde a população possa se manifestar e concluiu que “o poder público erra menos quando ouve as pessoas.”
Falando em nome da Associação de Moradores do Centro Histórico, Paulo Guarnieri afirmou que o projeto afronta uma característica do bairro, que é o comércio de rua.
Além disso, questionou o fluxo de veículos, que deve piorar ainda mais a circulação e a qualidade do ar na região. “Queremos o cálculo do fluxo sistêmico de veículos ocasionado pelo funcionamento de todos empreendimentos do cais simultaneamente. Estamos pedindo há anos e nunca foi respondido.”
Jornal Já recebe homenagem POR SÉRIE DE REPORTAGENS
O conselheiro da Agapan, Caio Lustosa, abriu sua fala fazendo uma homenagem ao Jornal JÁ, em especial à jornalista Naira Hofmeister, pela cobertura realizada através do Dossiê Cais Mauá, projeto bancado pelos leitores através de financiamento coletivo.
O advogado afirmou que, independente de questões urbanisticas e paisagisticas, é preciso se ater a “ilegalidades e inconstitucionalidades do projeto” e chamou atenção do Ministério Público. “O que está acontecendo não é uma revitalização, é uma canibalização do Cais Mauá.”
Lustosa encerrou com um apelo: “não ao poder municipal, que está comprometido com os investidores”, apelou ao governador Sartori, gerando mais um momento de riso e um “aiaiai” entre os presentes. “Vamos tentar”, respondeu.
Silvio Jardim citou os índices construtivos para a área, estabelecidos pela lei complementar 638/2010, que perderam a validade em 2012 e implicou o prefeito Fortunatti.
“Como um prefeito que nega a vigência de uma lei ainda não está respondendo a processo de improbidade administrativa? Fortunatti disse que faria o impossível para o projeto sair, já fez o impossível, negou a vigência da lei”
Governo do Estado mandou representante
A Vanderlan Franck Carvalho coube a difícil tarefa de representar o Governo do Estado. Carvalho afirmou que a atual gestão pegou um contrato em andamento.
Ele afirmou que o grupo de trabalho criado pelo governo para apurar as irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado concluiu pela regularidade do contrado.
Segundo vanderlan, o GT segue em caráter permanente acompanhando as questões contratuais do projeto. “O diagnóstico do contrato é o que cabe a nós, aspectos urbanisticos e paisagisticos são de competencia do municipio”
Ele afirmou ainda que o governo vai “defender que o cais seja entregue ao povo, respeitando todas opiniões e a lei.”
Ministério Público apresenta avanços
Pelo Ministério Público Estadual, falou a promotora da defesa do Meio Ambiente, Ana Maria Marchesan, que reiterou a importância de tratar o tema “com carinho, pois o espaço é a cara de Porto Alegre.”
A promotora fez um relato sobre os inquéritos que correm em três promotorias do MP: Ordem Urbanística, Patrimônio Público e Meio Ambiente.
No âmbito de sua promotoria, há um inquérito desde 2009, que apresenta avanços como a altura do shopping, que, segundo a promotora, inicialmente seria mais alto que a torre da Usina do Gasômetro.
Outro passo foi a desistência, por parte da prefeitura, da construção de uma passarela ligando a praça Brigadeiro Sampaio ao cais, que representava boa parte dos cortes de árvore previstos.
Marchesan considerou a audiência como “de extrema importância”, afirmou que foram colhidas ali várias informações importantes e parabenizou a população por dedicar horas do seu dia para discutir temas relativos à cidade.
Desta vez, a população também fala
Ao contrário do que aconteceu na criticada audiência pública do grêmio Náutico União, ao fim, o microfone foi colocado à disposição da população, que pode se inscrever para falar.
Zé Fonseca, do Mogdema (Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente) afirmou que não há seguro para os imóveis e equipamentos do cais, o que está previsto em contrato.
O professor da UFRGS, Francisco Marshall defendeu a criação do Parque Estadual do Cais Mauá, com uma economia dinâmica e criativa e com a ocupação da área por projetos ligados à educação, ciência, arte e cultura.
Pedro Loss, da Serenata Iluminada, afirmou que todo mundo quer a revitalização “o que se discute é o modelo”. Loss sugeriu que fosse cirado no cais um centro cultura do Banco do Brasil, iniciativa que já foi prevista em projetos anteriores para o cais.
Uma das última falas foi a do ex-prefeito Raul Pont. Ele pediu a rescisão do contrato e sugeriu aos deputados um decreto parlamentar, anulando o contrato, por ser lesivo ao interesse público.