Todo o esforço para reconstruir o que a enchente arrasou será paliativo se não incluir uma discussão ampla sobre o “modelo de desenvolvimento” que se implantou no Rio Grande do Sul nos últimos 30 anos.
Claro, é um fenômeno global, mas aqui temos um recorte exemplar de um projeto econômico, hoje em crise no mundo inteiro.
O Rio Grande do Sul é um caso exemplar porque foi pioneiro no despertar da consciência ambiental.
Em Porto Alegre nasceu pela flama de José Lutzenberger a Agapan, em 1971, já alertando para as mudanças climáticas provocadas pela ação do homem.
O Estado foi o primeiro a ter um código de proteção ambiental.
A lógica dos negócios que se estabeleceu nas últimas décadas fez terra arrasada dessas conquistas. Historicamente, o desmatamento no Rio Grande do Sul é maior do que na Amazônia, nas devidas proporções.
O Estado que tinha dois terços do seu território coberto com florestas, hoje tem pouco mais de dois por cento de áreas preservadas.
O Rio Grande do Sul é um caso exemplar porque teve um parque fabril moderno e diversificado, que exportava para uma centena de países e era o terceiro polo industrial do país. Hoje tem uma indústria em crise, até de identidade. Duas commodities, soja e pasta de celulose, dominam a pauta de exportações do Estado.
O Rio Grande do Sul é um caso exemplar porque já foi chamado de “celeiro do Brasil”, pela diversidade da sua produção agrícola. Hoje vive a lógica da monocultura, na dependência da soja exportada em grão para alimentar porcos na China.
O Rio Grande do Sul é um caso exemplar porque já teve um serviço público que era modelo no país. Hoje o poder público opta pelas privatizações e terceirizações.
O Rio Grande do Sul é um caso exemplar porque um terço do seu território é pampa, bioma único, riquíssimo, que está sendo entregue às monoculturas, da soja e do eucalipto…
O Rio Grande do Sul é um caso exemplar pela diversidade social que abriga mais de 20 etnias, que vem sendo reduzida a uma única expressão, da cultura pastoril.
Por fim, o Rio Grande é um caso exemplar porque uma tragédia que comoveu o mundo aconteceu aqui. Ela obriga à reflexão sobre o que nos trouxe até esse ponto.
Milton Santos, o geógrafo, dizia que a concretude do global se realiza no local. É o Rio Grande do Sul, caso exemplar para se perceber os estragos do neoliberalismo num estado periférico.
Acorda, Rio Grande!
(Elmar Bones, editor)