“Nossos dados são o novo sangue das pessoas e o novo combustível das empresas”.
Quem afirma é o médico Félix Rígoli, ex-gerente de Sistemas de Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), e especialista sênior em Sistemas de Saúde do Instituto Sul-americano de Governo em
Saúde (ISAGS) da União de Nações Sul-americanas (Unasaul) em 2017 e 2018.
Para esse especialista, natural do Uruguai e hoje cidadão do mundo, é muito possível que as pessoas sejam dispensadas numa entrevista de emprego depois do recrutador avaliar seus dados de saúde, disponíveis ilegalmente para comercialização em painéis
de dados. “O empregador acessa nosso consumo de medicamentos, ou nosso hemograma, e pode entender que nosso risco de adoecimento é elevado para sermos
contratados”.
Félix Rígoli, que atualmente coordena o Observatório de Desenvolvimento, Desigualdades em Saúde e Inteligência Artificial (Odisseia), do Núcleo de Bioética e Diplomacia (NETHIS) da Fiocruz/Brasília, e o Centro de Direito da Saúde (CEPEDISA), da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, conversou com a reportagem do JÁ sobre os riscos de nossos dados, como o CPF, e também os biométricos, ficarem disponíveis em vários ambientes, como em farmácias, por exemplo, sem que haja razão legal para isso.
– No Brasil, milhões de aposentados sofreram descontos direto em seus extratos, sem autorização. O risco do vazamento de dados e/ou o uso indevido dessas informações é um fenômeno global?
– Sim. Nos Estados Unidos, uma rede de lojas coletava os dados das mulheres e classificava aquelas que tinham perspectivas de engravidar com o objetivo de enviar
propaganda de fraldas e mamadeiras. Atualmente, essa mesma base de dados está sendo usada pela polícia dos estados onde o aborto é criminalizado para classificar e
ameaçar as mulheres que possam estar cogitando interromper a gravidez. No Brasil, as farmácias pedem o CPF para, supostamente, fazer o cadastro do cliente para que ele obtenha descontos em medicamentos. Saiba que da próxima vez que você for à farmácia e cadastrar o CPF, pode estar ajudando na perda do seu emprego ou do seu plano de saúde. Penso que as farmácias também vendem estatísticas de mercado para a indústria farmacêutica para que elaborem estratégias de marketing. Esses dados também podem servir para os planos de saúde.
– Algum país possui um sistema seguro de proteção de dados para evitar fraudes?
– Os executivos das Big Techs têm comentado muito em reuniões fechadas como é fácil obter os dados das pessoas. Muitas vezes elas fornecem as informações
voluntariamente ou em troca de nada, ou de quase nada, colocam na rede milhões de dados pessoais.
O Facebook coleta 52 mil pontos de dados de cada indivíduo, todos colocados voluntariamente no interesse de publicar a cada instante. O Instagram multiplica por
dez essa exposição, mostrando lugares, acompanhantes, uso de produtos e outras coisas. Infelizmente, não há uma norma que possa proteger as pessoas de suas próprias condutas. Por isso criar consciência é tão importante.
– Todos os países do Ocidente têm sistema de saúde semelhante que pede os dados do cidadão para acesso ao atendimento?
Resposta- É muito comum, e deveria ser bom, já que permite que os prestadores de serviços conheçam os antecedentes pessoais do paciente, que é um importante
componente do diagnóstico. O que está acontecendo aceleradamente é que os hospitais não controlam – ou utilizam com outros fins – os dados dos pacientes. Por
exemplo, os planos de saúde geram com os dados clínicos ‘grupos de alto uso de serviços’ que são candidatos à rescisão do contrato. Outros alimentam sistemas de
Inteligência Artificial que ‘escreve’ automaticamente negativas de autorização de procedimentos.
Dados vazados
É possível verificar se nossos dados foram vazados na internet. Alguns sites fazem esse trabalho, como o Have I Been Pwned, que busca por seu e-mail em bancos de
dados de vazamentos, e o DataBreach.com, que vasculha a dark web para encontrar os dados. O Banco Central também oferece ferramentas para verificar movimentações bancárias e identificar possíveis fraudes.
Alguns sites para verificar vazamentos:
Have I Been Pwned?
Digite seu e-mail ou número de telefone para saber se já ocorreu algum vazamento de dados.
DataBreach.com
O site vasculha a dark web e informa se seus dados (como e-mail, senha, nome etc) já foram encontrados em vazamentos.
Banco Centralhttps://www.bcb.gov.br/meubc/registrato
Para verificar movimentações bancárias e identificar possíveis fraudes, utilize o Registrato do Banco Central.
Kaspersky
O aplicativo Kaspersky também tem um verificador de dados vazados.
Pesquise seu e-mail no Google
Digite seu e-mail entre aspas no Google para ver se ele aparece em sites ou fóruns que não deveriam ter acesso aos seus dados.
*A autora da entrevista realizou a pesquisa em dois destes sites e descobriu que houve vazamento de seus dados pessoais. (Márcia Turcato)