Porto Alegre foi pioneira em planejamento urbano no Brasil. Em 1914, há exatos 110 anos, colocou em prática um Plano de Melhoramentos e, nos anos 1970, foi a primeira capital a ter um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano.
Jaime Lerner, que ganhou notoriedade mundial pelas soluções urbanas em Curitiba, prestava tributo aos urbanistas gaúchos.
Essa cultura se extraviou. Uma revisão do Plano Diretor, que deveria ocorrer de dez em dez anos, para atualizá-lo, vem sendo adiada desde 2010.
Enquanto isso, mudanças pontuais vão desmontando o plano , substituindo as regras do ordenamento urbano por medidas de estímulo à expansão imobiliária.
Duas mudanças localizadas – no Centro e no Quarto Distritos – foram feitas pela atual gestão, de Sebastião Melo, com o objetivo estimular o adensamento urbano. O plano diretor foi arrombado, para permitir maiores índices construtivos nessas áreas, mais bem providas de serviços urbanos.
O projeto, anunciado pelo prefeito, é (era) simplesmente dobrar a população do Centro Histórico e do Quarto Distrito, as duas áreas mais inundadas na atual enchente.
Situação análoga ocorreu no Estado.
Em 1961, o governo do Estado tinha um Gabinete de Assessoria e Planejamento, o famoso GAP onde uma equipe multidisciplinar articulada com as universidades coordenava um projeto de desenvolvimento regional. Nem mesmo os governadores nomeados pelo regime militar ousaram extinguir as estruturas de planejamento do governo estadual.
Na redemocratização, uma das primeiras providências do governo Pedro Simon (1987/90) foi criar, por inspiração de Siegfried Heuser, a Fundação de Economia e Estatística, cujo objetivo era produzir as informações necessárias ao planejamento, sem a influência governo.
Tudo isso foi dizimado. Em 2020, a FEE foi extinta, assim como outras nove fundações públicas ligadas à pesquisa no Estado, como a Cientec, a Fepagro, a Zoobotânica, que tinham convênios inclusive com universidades estrangeiras.
No ano passado, quando decidiu dar forma ao que seria a grande obra da atual gestão, o governo estadual contratou, com pompa e circunstância, o BNDES para “modelar” o projeto de revitalização do Cais Mauá, o antigo porto da capita gaúcha.
Uma área de 81 hectares à margem do Guaíba seria concedida para um grande projeto imobiliário. Para tornar mais atraente o negócio para o investidor privado, permitiu-se a construção de 9 torres de 30 andares na beira do Guaiba. O governo estadual e a prefeitura cogitaram até retirar o muro que, agora, apesar do mau estado, impediu o pior em Porto Alegre.
O Cais Mauá, que se estende por três quilômetros à margem do Guaíba, foi uma das áreas mais atingidas pela grande enchente que inundou Porto Alegre.
(Elmar Bones)