Como será o futuro de nossas empresas?
Essa será a pergunta-guia no debate que a Associação dos Diários do Interior do Rio Grande do Sul vai promover nos dias 21, 23, 28 e 30 deste mês, pelo Google Meet.
Formada por 24 jornais, a ADI enfrenta a maior crise já vivida em quase duas décadas de existência. Uma calamidade que mistura recessão econômica, transição tecnológica e a pandemia, atingindo sem piedade a todos os seus sócios.
“É uma derrocada!”, exclama o presidente, Eládio Vieira da Cunha. Pior, a crise dos jornais é, também, pandêmica. Como o coronavírus, ameaça a todos, grandes e pequenos, em todos os países: “Não há fórmulas, ninguém tem a saída”, diz ele.
A ADI foi criada em 1992 para representar os jornais diários de cidades polo do Rio Grande do Sul, principalmente nas negociações com os grandes anunciantes.
Teve papel relevante no fortalecimento da imprensa diária no interior do Estado, onde importantes grupos regionais se consolidaram em torno de um jornal impresso e de um parque gráfico moderno. Hoje, vive o melancólico fim de um ciclo.
Há três anos mudou seus estatutos para se adaptar à realidade de muitos dos associados que já não conseguiam manter o impresso diário, pela elevação de custos e a perda de anunciantes para os meios digitais.
Passou a admitir quem tivesse pelo menos uma edição impressa por semana, mantendo um noticioso diário no meio digital. As adaptações acontecem desde então.
A Folha do Mate, de Venâncio Aires, tinha seis edições semanais, passou para três. A Tribuna Regional tinha cinco edições, reduziu para duas, A Plateia, de Livramento, passou a circular semanalmente (a foto de Marcelo Pinto que ilustra este texto registra a redação esvaziada). O centenário Diário Popular, de Pelotas, desativou o parque gráfico e passou a ser impresso na gráfica da Zero Hora, em Porto Alegre. A Gazeta do Sul, potência regional que chegou a imprimir 50 títulos em sua gráfica, entrou em recuperação judicial.
Todos hoje têm sua edição na internet. O digital, porém, embora tenha custos menores e maior alcance, não gera receitas que compensem as perdas dos impressos, em assinantes e anunciantes. “Nem de perto”, diz Eládio.
Esta é a “sinuca de bico” sobre a qual se debruçam os 17 sócios da ADI que ainda lutam para manter a circulação diária dos jornais impressos.
“No meu caso, e no de muitos, o impresso ainda é vital. Ele traz a credibilidade, alavanca eventos, mobiliza prestígio, mas é questão de tempo… Quanto tempo?”, pergunta o presidente da ADI.
Ele só tem uma certeza, por enquanto: sem o impresso, as empresas serão menores.
“Com a migração para o digital, empresas de 80 ou 100 funcionários vão murchar para 20 ou 30, mesmo as grandes vão reduzir pelo menos 50% do pessoal. O digital não sustenta uma redação e uma estrutura de vendas e uma cobertura ampla. A tendência é de perda, de queda na qualidade e na diversidade de informação”, diz Vieira da Cunha.
A internet e o coronavírus são os desafios mais visíveis dos jornais do Interior. Mas a crise tem raízes antigas.
Começa há mais de dez anos com a quebra nas finanças do governo estadual, com o consequente corte de verbas publicitárias, e se aprofunda com a recessão econômica dos últimos cinco anos. “Em termos reais, as verbas do setor público para publicidade em jornais caíram mais da metade”, garante.
Na comparação com os Estados vizinhos, Santa Catarina, Paraná ou São Paulo, fica visível a redução.
Em todo caso, restam os grandes anunciantes institucionais. O Banrisul, por exemplo, o principal anunciante do Estado, que negocia um contrato anual com a ADI com programação para todos os associados.
Eládio não fala em números, mas diz que, para os pequenos, as verbas desses anunciantes estatais são relevantes.
Para os grupos maiores, não representa mais do que 3% da receita publicitária. Em seu caso, ele estima que 5% do faturamento de publicidade resulte de contratos com o Estado, incluindo aí Corsan, BRDE. “As prefeituras são mais importantes do que o governo estadual”, diz Eládio.
Outro efeito colateral é a concentração das verbas nos grandes veículos. “Isso é como em tudo. Assim como o governo federal concentra na Globo, aqui no Estado concentra na RBS”.
O quadro se agrava com o avanço das redes sociais, que abocanham os outros anunciantes, e dos smartphones, que seduzem cada vez mais os leitores. E se torna caótico com a pandemia, fechando o comércio, parando as empresas, fazendo sumir os anunciantes, os leitores e os pontos de venda.
Caso exemplar: uma rede de oito supermercados, que vendiam o Jornal do Povo, em Cachoeira, suspendeu a distribuição do impresso, assim que começou a pandemia.
Com 91 anos, Jornal do Povo busca saída para “tempestade”
Eládio tinha 30 anos quando começou a assumir a empresa da família em 1979. Vinha de uma experiência como gerente da Coojornal, a cooperativa dos jornalistas em Porto Alegre. O Jornal do Povo, já era cinquentenário, mas ainda era feito no chumbo, com tipografia e linotipo.
Seu primeiro desafio foi fazer a transição para o sistema off-set.
Quarenta anos depois, ele diz que enfrenta “a mesma tempestade”, uma mudança ainda mais radical de processo de produção, com um agravante: desta vez não só à frente do seu próprio negócio, mas dirigindo uma associação cujos sócios, como ele diz, estão “esmagados pela situação”.
“Não tem jornal que deu certo, ninguém está se sustentando, um blog ou outro pode ser, mas no geral tá todo mundo perdido. Crescem os assinantes digitais mas isso significa trocar uma assinatura de 140 reais por uma de R$ 3,90”.
Sua estratégia no Jornal do Povo é estimular a assinatura do impresso, por 69 reais, três vezes mais do que a só digital. Tem 4.500 assinantes fiéis do impresso que não pode deixar de atender. Perdeu 10% em cinco anos e considera excelente resultado. Grandes como Zero Hora e Folha de S. Paulo perderam 50% na circulação do impresso.
O Jornal do Povo completou 91 anos em junho. A inserção que tem na comunidade e a credibilidade que tem o jornal, alavanca iniciativas, que se tornam eventos importantes da cidade. “O jornal alavanca essas promoções e as torna importantes”.
O grupo Vieira da Cunha tem uma gráfica comercial com 40 funcionários, um jornal impresso diário (com versão digital) com 80 funcionários, uma emissora de rádio que vai completar cinco anos, duas revistas e promove os principais eventos sociais da cidade.
Sua situação é estável e ele não esperou para tomar providências. Cortou a edição impressa das segundas-feiras, ajustou a circulação, fez acordo para redução de salário e jornada com empregados e contenção de custos. Tudo para para enfrentar uma queda de pelo menos 20% nas receitas que estima para este ano. E depois? Esta é a pergunta que todos estão fazendo.
A ADI espera umas setenta pessoas, entre executivos e jornalistas, no seminário que terá como instigador do debate o jornalista e consultor Eduardo Tessler.