Não existem estatísticas oficiais sobre quantas pessoas de fato moram nas ruas da Alemanha. Até o momento, organizações sociais e autarquias, que trabalham com os sem teto, se valem de estimativas por amostragem para determinar o total aproximado.
A última estimativa nesse sentido foi feita em 2018 pelo Coletivo de Trabalho e Associação Federal de Ajuda aos Sem Teto (Bundesarbeitsgemeinschaft Wohnungslosenhilfe e.V. – BAG W). Segundo esse cálculo, naquele ano viviam no país cerca de 680 mil pessoas sem domicílio oficial. Segundo a própria ONG, o número deve ter aumentado desde o início da pandemia, ultrapassando a marca de um milhão de pessoas.
Há distinções importantes para compreender o fenômeno corretamente. Desse total estimado, pelo menos metade são refugiados. Um terço deles vive informalmente na casa de algum amigo, parceiro ou parente. Pouco mais de 70% das pessoas sem casa são homens, e aproximadamente 8% são menores de idade. Vivendo na rua mesmo, os assistentes sociais da BAG-W calculam entre 50 e 100 mil pessoas, dependendo da época do ano.
Ponta do iceberg
Em nível continental, a Federação Européia das Organizações de Auxílio aos Sem Teto (FEANTSA) aponta para um aumento de 70% do número de pessoas desabrigadas nos países da UE durante a última década. A maior parte desse aumento se deve à migração de países do leste europeu e à contínua chegada de refugiados aos países da Europa Ocidental.
“O processo de asilo pode levar até dois anos, e durante essa espera os refugiados são obrigados a viverem em alojamentos provisórios”, explica Freek Spinnewijn, diretor da FEANTSA. No caso dos migrantes do leste europeu, a dificuldade pode ser ainda maior. Pessoas vindas de países como Hungria, Bulgária ou Polônia, que não tiverem trabalhado pelo menos um ano dentro da UE, não têm direito a nenhum tipo de seguro social.
“São pessoas que vão de um país a outro dentro da UE, em busca de estabilidade, ficando menos de um ano em um só local”, explica o assistente social, Johan Graßhoff. Atuando há oito anos junto aos sem teto na cidade portuária de Hamburgo, ele acredita que o dado oficial represente apenas “a ponta do iceberg”.
Problema estrutural
“Por trás dos sem teto escondem-se graves problemas estruturais da sociedade que, em momentos de crise como agora, ameaçam atingir muito mais gente do que se imagina”, acredita Graßhoff, citando a pesquisa feita pelo Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais publicada em dezembro do ano passado. O relatório aponta que, após uma moratória inicial, o número de despejos no país explodiu devido aos efeitos da infindável política de Lockdown adotada pelo governo federal em Berlim.
Outro fator relacionado a isso é a sistemática inflação do mercado de aluguéis. Só na Alemanha, o número de residências com caráter “social” e, por isso com um aluguel mais em conta, foi reduzido a menos da metade nos últimos 30 anos. Eram 300 mil em 1990 e hoje são pouco mais de 100 mil em todo o território alemão.
A partir de 2022 o Escritório Federal de Estatística (Statistische Bundesamt) promete começar a acompanhar a questão e apresentar um cálculo oficial a respeito do número de sem tetos a cada ano. O problema é que o número será baseado apenas nos dados coletados junto aos abrigos públicos, deixando de lado a realidade das pessoas que não acessam esses locais.