MARCO VILLALOBOS
Naquele 18 de maio de 1976, a engrenagem perversa da Operação Condor* entrou em ação mais uma vez na Argentina.
Em pleno centro de Buenos Aires, militares argentinos e uruguaios sequestraram dois parlamentares uruguaios – Zelmar Michelini, senador da república e Héctor Gutierrez Ruíz, ex-presidente da Câmara de Deputados – e dois militantes Tupamaros, Rosario Barredo e William Whitelaw.
Os quatro foram encontrados mortos dois dias depois , dentro de um automóvel.
Quase meio século depois, em 20 de maio de 2025, mais de 70 mil pessoas caminham pela principal avenida do centro de Montevidéu em busca de uma resposta: Onde estão?
No Uruguai ainda existem 197 desaparecidos políticos atingidos pelo terrorismo de Estado que iniciou antes mesmo da brutal ditadura que durou de 1973 a 1985.
É em nome deles que há 30 anos a “Marcha do Silêncio” clama por justiça e verdade e repudia o terrorismo de Estado.
Faixas, cartazes com fotos de pais, filhos esposas, maridos, namorados, parentes em meio a um “silêncio estrondoso”.
O silêncio que “ fala alto” em busca de quem não está mais: a pétala que falta nas margaridas que representam o povo de um país.
Rafael Michelini , ex-senador da Frente Ampla e filho de Zelmar Michelini explica que a marcha foi criada em 1996, depois de vinte anos de morte de seu pais e dos outros três uruguaios. O silêncio é uma homenagem às vítimas e também recurso para evitar discursos partidários, já que a manifestação é ecumênica.
Para ele é obrigação dos responsáveis dar as informações para que sejam encontrados os restos mortais dos familiares que foram detidos e desaparecidos durante a ditadura cívico-militar.
Na Marcha promovida pela Associação de Mães e familiares de detidos e desaparecidos uruguaios sobra indignação, nostalgia, tristeza. Muita tristeza.
O silêncio que grita comprova, como dizem os organizadores do protesto: “A esta altura da vida, depois de 30 marchas, depois de 40 anos de democracia e de estar há 50 anos buscando, nossos desaparecidos já deixaram de ser nossos, já deixaram de ser familiares de alguém em particular. São de todos e faltam à sociedade uruguaia, à toda sociedade uruguaia”.
As mães e parentes, muitas com idade avançada, explicam que já marcharam 30 vezes e garantem que há quem saiba o que aconteceu , mas não revela. Para elas isto é tremendo, algo que ninguém quer para seu país. “Morrem as mães buscando seus filhos, buscando seus netos e que saibam e não falem, é tremendo”. Lembram, em lágrimas, que muitos foram jogados ao mar, vivos dos aviões com uma armação de cimento nos pés.
Para senhoras e senhores de cabelos brancos e passos cansados a luta não termina nos veteranos e sim nas novas gerações. A cada marcha é maior o número de crianças e jovens que agarram a bandeira dos desaparecidos e mantém viva a lembrança do que aconteceu no Uruguai naqueles anos de chumbo. Para eles, é fundamental a transmissão da memória para que isto nunca mais se repita.
Para três velhos jornalistas brasileiros que estavam em Montevidéu em busca de material para fotos e um documentário ficou a tristeza de saber que no Uruguai existem jardins onde faltam pétala em muitas flores, mas ao mesmo tempo, a alegria de ver que naquele país, ao contrário do Brasil, existem milhares de pessoas que caminham em meio a um silêncio que fala muito alto, como diz o próprio hino nacional do país , fazendo tremer aos “Tiranos: Nunca mais”.
*Trabalho conjunto das forças de segurança e inteligência para dizimar a resistência democrática às ditaduras do Cone Sul.