Dias difíceis de viver. Voltou a chover. Mesmo quem está nas áreas onde a enchente não chegou sente o bafio da insegurança geral diante do que está acontecendo – as águas que não baixam, as fragilidades da cidade, o centro abandonado da capital que vai se tornando refúgio de miseráveis.
Mesmo na parte mais alta do centro histórico, o espigão da rua Duque de Caxias, onde fica o palácio do Governo, a Igreja Matriz, o Tribunal de Justiça e a Assembleia Legislativa, sentes-se o clima tenso.
A praça dos poderes está ocupada por desvalidos.
Há uma semana falta luz, a internet é intermitente, a água já não sobe nos apartamentos. As pessoas saem às ruas em busca de energia para carregar os celulares. A Catedral está fechada, há uma corrente na porta. O palácio Piratini, inacessível, nem um guarda nas guaritas da frente.
Na esquina, entre a Matriz e o Piratini, uma família armou cadeiras na calçada e prepara um lanche. Vieram visitar parentes, não conseguiram voltar para casa, não sabem nem se a casa de onde saíram está no lugar.
Na marquise do Tribunal de Justiça se amontoam moradores de rua e atingidos pela enchente que não sabem para onde ir. Estendem colchões, fazem fogo sob a marquise.
O prédio de dez andares onde funciona a Assembleia Legislativa está vazio, com cortinas de ferro fechando as entradas, mas o gerador de energia está funcionando. Um funcionário da segurança permitiu que os moradores das redondezas tivessem acesso às tomadas para carregar os celulares, no térreo. Em poucos minutos a informação se espalhou e o espaço ficou lotado, tem fila de espera.
Em meio a um emaranhado de fios pelo chão, as pessoas aguardam a bateria carregar. Grupinhos vão se formando, a enchente é o assunto inevitável, cada um sabe uma história de perigo ou heroísmo. Alguns trazem cadeiras de praia, tomam chimarrão, crianças brincam… Um casal busca informações, souberam que a casa dos parentes em Guaíba foi arrasada, querem saber como podem encontrá-los… As pessoas se olham perplexas… Alguém dá o número da Defesa Civil. “Se é resgate lá eles sabem!” A mulher esconde o rosto para chorar. O homem tenta consolar. “Assim que carregar, a gente liga”.
Nos edifícios sem água e sem luz, os moradores da parte mais alta da cidade, onde estão os poderes do Estado, não escondem o medo.