Em entrevista ao JÁ, a reitora da UFRGS, Márcia Barbosa, comenta a crise financeira das universidades públicas federais e fala sobre seu projeto para mobilizar a sociedade em defesa da instituição.
A reitora também anunciou a busca de recursos para a criação do Centro de Gestão de Risco Climático e Ambiental, no campus de Tramandaí. Mais uma razão para o orçamento da UFRGS não sofrer cortes.
Por Márcia Turcato
A reitora Márcia Babora tem muitos planos e não os tem sozinha, conta com uma equipe dedicada e o engajamento daqueles que a elegeram.
A principal pauta nesse momento é resgatar o orçamento da universidade para permitir que ela continue minimamente funcionando. E isso significa honrar as bolsas de estudo, pagar os serviços terceirizados e garantir as refeições dos restaurantes terceirizados, os RU. Até sexta-feira, dia seis de junho, a UFRGS precisa receber R$ 22 milhões para não colapsar.
Em 139 anos de ensino superior público no Rio Grande do Sul, a física e pesquisadora Márcia Barbosa, é a segunda mulher a ser reitora.
No estado gaúcho, o ensino superior público iniciou com a criação da Escola de Engenharia em 1896, seguida pela Faculdade de Medicina, em 1898, que foram incorporadas à UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1934, ano da sua criação. Somente na virada do século a universidade teve uma reitora, foi Wrana Maria Panizzi, com mandado de 1996 e 2004. Ela era professora da Faculdade de Arquitetura.
As universidades federais vivem um dilema. A maioria sofreu corte de verba e assédio moral durante o governo de Jair Bolsonaro.
Com a posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva, as universidades federais, como é o caso da UFRGS, imaginaram que teriam uma experiência mais respeitosa. Mas isso não aconteceu porque o Congresso Nacional tornou-se um obstáculo concreto.
Em março deste ano, os congressistas vetaram o orçamento das universidades federais e impuseram um corte que, para a UFRGS chegou à soma de R$ 8,5 milhões.
Na sequência, sob o tensionamento de corte nos gastos públicos, o Executivo estabeleceu um repasse de verbas em apenas três parcelas, a primeira em maio, a segunda entre junho e novembro e a última em dezembro, enquanto os compromissos da universidade são mensais. A manobra do Congresso fez com que o Executivo emitisse o Decreto n.° 12.488, dispondo sobre a programação orçamentária e financeira das universidades.
No caso da UFRGS, de acordo com o Portal da Transparência e antes da publicação do decreto, o orçamento previsto para 2025 era de R$ 2,40 bilhões, com aportes mensais.
“O Congresso obriga o governo a fazer o corte para depois oferecer migalhas via emenda parlamentar”, avalia a reitora. Pode até haver quem considere bom negociar individualmente a emenda parlamentar para colocar o recurso em uma iniciativa do seu interesse. “Mas isso não é política pública, isso não é um projeto de ensino”, argumenta Márcia Barbosa, que é membro das Academias Brasileira e Mundial de Ciências.
Após idas e vindas da reitora e outros representantes de universidades ao MEC- Ministério da Educação, para negociar o cancelamento do repasse escalonado e a recomposição do orçamento, no dia 27 de maio o ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou que o governo federal fará a recomposição de R$ 400 milhões no orçamento de 2025 das universidades e institutos federais, além da liberação de R$ 400 milhões que estavam retidos.
O ministro não explicou de qual rubrica o recurso será remanejado. Mas, o certo é que alguém sairá perdendo. Ao anunciar o recuo, o ministro Camilo Santana também atribuiu as dificuldades do atual contexto orçamentário ao aumento do número de matrículas e à crescente demanda por assistência estudantil. Mas não fez nenhuma crítica à ação dos parlamentares.
O recuo do governo foi resultado direto da pressão de estudantes e servidores das federais, além do alerta feito pelos docentes e reitores para os riscos do arrocho no orçamento das universidades. “Foi uma vitória principalmente do movimento de educação pública, da Andifes- Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, da UNE- União Nacional dos Estudantes, para que o governo voltasse e buscasse alternativas”, avalia Márcia Barbosa.
Para a reitora, de fato o governo fez alguns anúncios importantes. “O mais urgente foi a retirada do limite mensal de 1/18 do orçamento, voltando para 1/12, a segunda questão foi a recomposição dos cortes efetuados pelo Congresso Nacional, que, no caso das universidades, representa aproximadamente R$ 250 milhões”.
No entanto, Márcia Barbosa destaca que o MEC está muito focado no ensino médio, com a bolsa Pé de Meia, e na campanha midiática para que os estudantes façam a inscrição no ENEM- Exame Nacional do Ensino Médio. “Mas é a universidade que faz o sucesso do Brasil”, afirma a reitora.
Campanha em defesa da UFRGS
A realização de uma grande campanha de mobilização social para mostrar a importância da universidade na vida das pessoas e do país é o grande sonho da reitora Márcia Barbosa. “O governo deveria mostrar jovens graduados trabalhando nas suas áreas de formação e apoiando financeiramente suas famílias, além de gerar riqueza para o Brasil”.
“Precisamos de uma campanha que mostre isso, precisamos que a comunidade de 50 mil pessoas da UFRGS, mais uns 150 mil contando com seus familiares, percebam sua própria importância e o poder que têm com o voto. Os parlamentares também deveriam perceber o poder que temos”, diz a reitora. No Brasil, as universidades públicas são responsáveis por cerca de 30% das formações. E ela já escolheu um nome provocativo para a campanha; “A universidade é foda”.
“Algumas pessoas não gostaram quando eu sugeri esse nome em uma reunião interna, mas mantenho a proposta”, diz. E completa, “a universidade não sabe se comunicar, temos de mostrar a riqueza que existe aqui. O primeiro passo dessa estratégia será dado em breve, com a ampliação das atividades de extensão, para trazer a comunidade para dentro do espaço universitário.
Enchente e inovação
Um ano após a enchente, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) e o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB) viajaram para a Holanda em busca de soluções tecnológicas para impedir novas inundações, desconsiderando os recursos já existentes na comunidade acadêmica, como o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS.
“Os gestores são imediatistas, querem contratar uma solução pronta, sem debate público, sem troca de ideias, sem ouvir a comunidade, mas a UFRGS já teve uma audiência com o prefeito e ofereceu sua expertise”, esclarece a reitora, “mas ainda não fomos convidados a fazer parte da Sala de Situação*”.
A universidade está desenvolvendo um projeto para trabalhar com professores da educação básica para integrar temas como mudanças climáticas e meio ambiente em todas as disciplinas, e não apenas como uma matéria isolada. A ideia é formar crianças e jovens para, com eles, desenhar um novo modo de viver.
Além disso, a universidade conta hoje com projetos como o Observatório das Consequências Jurídicas das Enchentes e Inundações (OCJE), que realiza estudos técnicos especializados e consultorias para entidades públicas e privadas sobre temas jurídicos ligados aos efeitos sociais das cheias porque existe um componente de racismo ambiental na catástrofe climática.
“O que isso significa?”, pergunta a própria reitora, e responde: “significa que se você já vive em uma área de risco, será mais impactado. Você será o último a voltar para casa. Mesmo que receba dinheiro para reconstruir, terá menos condições”. Muitas vezes, na reconstrução, tudo é feito igual ao que era antes, o que perpetua a fragilidade das pessoas e das estruturas.
A UFRGS lançou nesta quinta-feira, 5 de junho, um Protocolo para Eventos Meteorológicos. Ele estabelece procedimentos a partir do alerta emitido pela Defesa Civil, passando pelo Comitê Climático, para definir níveis de como a universidade irá atuar. O nível verde indica atividades mantidas, o amarelo permite que a UFRGS fique aberta mas flexibiliza algumas atividades e o vermelho determina que todas as atividades da universidade sejam suspensas. A estratégia será construída para todo o estado a partir dos diversos campus da UFRGS (centro, vale, saúde, esefid e litoral), usando dados meteorológicos.
Para fortalecer sua capacidade de monitorar eventos climáticos, a UFRGS já apresentou um projeto à Finep- Financiadora de Estudos e Projetos, empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com custo estimado de R$ 10 milhões, para a construção do Centro de Gestão de Risco Climático e Ambiental, que será abrigado no Ceclimar- Centro de Estudos Costeiros Limnológicos e Marinhos, no campus da UFRGS em Tramandaí.
*A sala de situação é um espaço, físico ou virtual, que serve como centro de comando para monitorar, analisar e responder a eventos críticos e inesperados em tempo real. É utilizada em diversas áreas, como saúde, segurança pública, defesa civil e gestão de crise, para reunir equipes multidisciplinares e auxiliar na tomada de decisões.
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Emenda parlamentar não é política pública
A reitora Márcia Barbosa, que já foi secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), na entrevista ao JÁ também comentou sobre os convênios financiados via emenda parlamentar individual do MCTI no período de 2010 a 2019. Trata-se de um estudo da reitora, em fase de revisão para publicação em revista científica. O estudo mapeou os convênios firmados e analisou as destinações dos recursos enviados para regiões mais desenvolvidas, como o Sudeste, que possui maior maturidade tecnológica.
Apesar de reconhecer que as emendas são instrumentos importantes, a reitora salienta que elas não são políticas públicas, políticas de Estado. A avaliação e o monitoramento constante da implementação das políticas públicas são fundamentais no processo decisório institucional, porque produzem informações para o aprimoramento das ações governamentais.
A emenda parlamentar, entretanto, é um instrumento que permite aos deputados e senadores realizarem alterações no orçamento anual. As emendas individuais impositivas apresentadas ao projeto de lei orçamentária anual (PLOA) podem destinar recursos a órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta da União, dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, consórcio público, organização da sociedade civil ou serviço social autônomo. Elas são chamadas impositivas porque a União é obrigada a executá-las quando aprovadas.
A reitora revela que “um ponto relevante a ser destacado é que as emendas parlamentares individuais utilizadas para financiar os projetos na área de ciência, tecnologia e inovação são destinadas a projetos de baixo nível de prontidão tecnológica e que não se observa o progresso dos projetos apoiados”. Esse é o risco do orçamento da União ser compartilhado por um Congresso que não está alinhado às políticas de Estado.