Por Márcia Turcato, de Brasília
A campanha #EuVotoPelaAmazonia foi lançada em Brasília, pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil), organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O objetivo da iniciativa é ajudar a sociedade a refletir sobre a importância de eleger políticos e governos comprometidos com a ecologia integral, a agroecologia, a justiça socioambiental, o bem-viver e o direito dos povose de seus territórios.
No vasto território amazônico, compartilhado por nove países (Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname), vivem mais de 180 povos indígenas, sendo que alguns grupos são isolados.
O agronegócio, o garimpo, a extração ilegal de madeira e os grandes projetos econômicos são alguns dos fatores que contribuem para o desmatamento e o empobrecimento dos recursos naturais e dos povos que habitam a Amazônia e colocam em risco a integridade física dos indígenas e seu modo de vida, além de também ameaçarem as
populações tradicionais.
A campanha #EuVotoPelaAmazonia se estenderá até o mês de setembro, véspera da eleição majoritária, e desenvolverá várias iniciativas de conscientização, como rodas de conversa sobre a Amazônia, vídeos, materiais para redes sociais e roteiro de celebrações para as comunidades de dentro e de fora da Amazônia, além de reuniões com procuradores do Ministério Público e com vereadores e deputados dos estados amazônicos, explica a socióloga Márcia Maria Oliveira, professora da
Universidade Federal de Roraima (UFRR) e assessora da Repam.
Márcia Maria é uma especialista em Amazônia e foi nomeada como perita pelo Papa Francisco para participar da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica, realizada em outubro de 2019, em Roma, Itália. Nos últimos anos, o bioma amazônico foi explorado violentamente com queimadas, desmatamentos, invasão de terras indígenas e o avanço do agronegócio e da mineração sobre territórios protegidos.
A substituição da floresta nativa por pastagem para o gado é uma das maiores agressões ao bioma. Mesmo reconhecendo que outros biomas também estão ameaçados, a Amazônia tem significado crucial para o enfrentamento das mudanças climáticas no mundo Arcebispo de Porto Velho.
De acordo com o Arcebispo de Porto Velho e Secretário da Repam, Dom Roque Paloschi, as eleições são um espaço fundamental para o exercício da cidadania e o momento durante o qual podemos decidir os rumos de nossa história e salvaguardara democracia.
“Para isso, é importante uma educação integral de todos nós, povo brasileiro, para que tenhamos escolhas conscientes e pelo bem da coletividade”.
Ainda segundo Dom Roque, nestas eleições, é importante prestar atenção nas propostas que os partidos e candidatos fazem sobre a Amazônia. “Todos sabemos da importância fundamental do bioma amazônico e a sua sociodiversidade para o equilíbrio do clima e a garantia da possibilidade de vida para as gerações futuras”, salienta.
A campanha #EuVotoPelaAmazonia quer demonstrar que não existe limite para a verdadeira participação política. E muitas atitudes e lutas comprovam isso, explica Márcia Maria Oliveira.
Em três de novembro de 2021, o mundo ouviu a única brasileira a discursar na abertura oficial da Conferência da Cúpula do Clima (COP26).
A jovem Txai Suruí, advogada, 24 anos, do povo Suruí, denunciou os impactos das mudança climática na Amazônia como resultado do desmatamento, das queimadas, do latifúndio, da invasão das terras indígenas pelo garimpo ilegal, da contaminação da terra, das águas e do envenenamento dos alimentos. A COP26 representa um dos maiores espaços de debate político do planeta.
A jovem Txai levou para a COP26 o conceito de “amazonizar” o discurso e, a partir daí, a ideia foi acolhida pela campanha. “Amazonizar a política é assumir o voto consciente e eleger quem defende a Amazônia e se posiciona em defesa dos povos indígenas e os reconhecem como os verdadeiros protetores do território”, diz a socióloga.
Márcia Maria diz também que “amazonizar a política é votar em quem defende as comunidades camponesas, ribeirinhas, seringueiras e quilombolas que convivem com as águas e florestas sem a destruir ou maltratar o bioma, amazonizar a política é incluir-se nos espaços e instituições para fazer diferente”.
A vontade de amazonizar a política já conseguiu eleger uma deputada federal, Joenia Wapichana (Rede/RR), e que pretende ampliar a representação indígena no Congresso nas próximas eleições. O Acampamento Terra Livre (ATL), realizado em abril em Brasília, e que reuniu representantes de cerca de 100 etnias indígenas, definiu vários nomes para a disputa eleitoral.
Para ampliar a visibilidade das demandas indígenas, vários artistas se uniram à campanha #EuVotoPelaAmazonia, como Wagner Moura, Dira Paes, Marieta Severo e Letícia Sabatella, entre outros. A socióloga Márcia Maria Oliveira chama a atenção para as diversas ações em defesa dos povos indígenas levadas para discussão junto a organismos internacionais e que resultaram em inúmeras recomendações para o governo brasileiro.
“Infelizmente, como essas decisões da Corte Internacional não têm poder de força, o atual governo ignora completamente as recomendações e é omisso com os abusos que acontecem na região”, constata Márcia Maria, e acrescenta: “a Funai (Fundação Nacional do Índio), agora é uma instituição contrária aos interesses dos povos indígenas”.
Violência contra indígenas
O relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, divulgado em outubro de 2021 pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), mostra que em 2020 ocorreram 182 assassinatos de indígenas, número 63% superior ao de 2019, quando 113 indígenas foram mortos em atos de violência.
Em 2020 também foram registrados 14 casos de abuso de poder, 17 ameaças de morte, 34 ameaças várias, 16 homicídios culposos, 8 lesões corporais dolosas, 15 casos de racismo e discriminação étnico cultural, 13 tentativas de assassinato e 5 ocorrências de violência sexual.
Somados, os registros totalizam 304 casos de violência praticadas contra a pessoa indígena em 2020. O número de casos é maior do que o registrado em 2019, quando foram identificados 277 casos.
Em relação aos três tipos de Violência contra o Patrimônio, que é um dos capítulos do relatório, foram registrados os seguintes dados: omissão e morosidade na regularização de terras (832 casos); conflitos relativos a direitos territoriais (96 casos); e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (263 casos registrados). Os registros somam 1.191 casos de violências contra o patrimônio dos povos indígenas em 2020.
O Cimi também indica que na terra Yanomami é estimada a presença ilegal de cerca de 20 mil garimpeiros. Além de levarem violência, levam a Covid-19. Segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), mais de 43 mil indígenas foram contaminados pela covid-19 e pelo menos 900 morreram por complicações da doença no ano de 2020.
A paralisação das demarcações de terras indígenas, anunciada pelo presidente da República Jair Bolsonaro, continua sendo uma diretriz do atual governo. O Cimi aponta que, das 1.299 terras indígenas no Brasil, 832 (64%) seguem com pendências para sua regularização.
Conheça a Repam
A Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil) foi criada em 2014, em Brasília, pelo Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pelo Secretariado da América Latina e Caribe de Caritas (SELACC) e pela Confederação Latino-americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas (CLAR), a REPAM tem o objetivo de construir e fortalecer uma estratégia em defesa da vida, dos povos e do bioma amazônico.
A Repam nasceu a partir de uma provocação da V Conferência Geral do
Episcopado Latino-americano e do Caribe, em Aparecida (SP), em que sugeriu “criar nas Américas a consciência sobre a importância da Amazônia para toda a humanidade e estabelecer entre as Igrejas locais de diversos países sul-americanos, que estão na bacia amazônica, uma pastoral que crie um modelo de desenvolvimento que privilegie os pobres e sirva ao bem comum.
Quem é Márcia Maria Oliveira
A socióloga Márcia Maria foi nomeada como perita pelo Papa Francisco para participar da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-Amazônica, realizada em outubro de 2019 em Roma, Itália. Cerca de 100 mil pessoas foram ouvidas simultaneamente nos nove países que compõem a Pan-Amazônia e todo o material produzido nessa escuta foi sistematizado e transcrito de forma sintética e pedagógica em um documento de trabalho. Márcia Maria participou do grupo de redação final do documento do Sínodo.
Ela é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva – Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR) e assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica – Repam/CNBB e da Cáritas Brasileira.