“A ciência é um dos quatro cantos da enganação, juntamente com a mídia, a política e a religião”, Noam Chomsky.
No aniversário de um ano do primeiro Lockdown na Alemanha, sexta-feira, dia 12 de março, o presidente do Robert-Koch Institut (RKI – www.rki.de), Lothar Wieler, responsável pela aferição do número de infectados, anunciou que o país está entrando na terceira onda da Covid. “Vivemos um momento muito delicado”, alertou Wieler. O principal motivo, segundo ele, é a variante britânica do vírus. “Observamos um aumento exponencial das infecções de pessoas mais jovens. Não apenas abaixo de 65 anos, mas também de 15 a 6 anos”, declarou.
A informação confirma, sobretudo, o fiasco anunciado da política de Angela Merkel, e promete apresentar agora uma conta bem amarga para a mulher que está há 16 anos no poder da principal nacao da Europa. Dois dias após o anúncio do início da terceira onda da gripe do Corona, o partido dela (CDU – www.cdu.de) sofreu uma derrota histórica nas eleições regionais. No pleito, ocorrido nos estados de Baden-Wurttenberg e Rheinland-Pfalz, os Cristaos Democratas foram os que mais cederam eleitores aos outros partidos.
Além da exaustão por quatro meses de confinamento, a derrota é apontada como um efeito dos escândalos envolvendo deputados da coalizão no Bundestag. Dois deles, Nikolas Löbel (CDU) e Georg Nüßlein (CSU), perderam os mandatos e foram expulsos dos partidos na semana passada, por receberem comissão (200 mil e 600 mil Euros) pela compra de máscaras do governo. “A corrupção é um veneno para a democracia”, disse o presidente alemão, Frank Walter Steinmeier (SPD), lembrando que o controle da atividade lobista é fundamental. Como resposta, o governo parece que finalmente vai encaminhar a criação de um registro de lobistas, mas sem criar a obrigatoriedade da declaração de renda para todos os políticos.
A retrospectiva do primeiro ano da pandemia corrobora com a tese do fiasco político da estratégia do governo em Berlim. Além do pedido de perdão antecipado do ministro da Saúde, Jens Spahn (CDU), as idas e vindas com o uso e os tipos adequados de máscaras, o anúncio das vacinas que nao existem, a ociosidade dos centros de vacinacao construídos às pressas, a rápida e generosa ajuda às grandes empresas que agora iniciam o enxugamento de pessoal, e o excesso de cuidado para o acesso dos pequenos aos recursos. Sem explicações convincentes para esses e outros erros no combate da pandemia, o governo de Angela Merkel parece ter recebido só a primeira parte dessa conta. O resto será cobrado em Setembro, na eleição que definirá quem ocupará o seu lugar.
E o que já era esperado em Outubro foi confirmado no início de dezembro. O confinamento light dos alemães acabou estendido até o dia 10 de Janeiro de 2021. Com a possibilidade de nova prorrogação, ou de maiores restrições. Cidades como Mannheim, no Sul, já cancelaram o Natal e Ano Novo devido ao número de doentes. Ainda não está claro se algum mercado de Natal irá abrir a partir do dia 20 de Dezembro, ou se a principal data comercial do ano será completamente abortada, para o desespero de milhares de empresários e trabalhadores.
“Nós vivemos uma pandemia, nós vivemos uma situação de exceção”, justificou a primeira-ministra, Angela Merkel, ao defender a proposta de déficit histórico do orçamento federal no Bundestag, na manhã do dia 09 de dezembro. Mais de 200 bilhões de Euros em 2020, e 180 bilhões para o ano que vem. Esse é o rombo causado pelas medidas de contenção da pandemia do Coronavírus na Alemanha até agora. O último relatório do Fundo Monetário Internacional prevê uma queda de até 6% da economia como um todo este ano. Uma conquista, segundo ela, comparando com países como Itália, França e Inglaterra, com prognósticos de, pelo menos, 10% de retração do PIB.
“Estou consciente de que a “situação do corona” é uma preocupação de todos, por isso a necessidade de permitir o fluxo de recursos de nossa parte”, declarou a chanceler da quarta economia mundial. “Um plano só produz crescimento econômico quando o dinheiro flui”, insistiu. A maior parte dos recursos visa a manutenção do “Kurzarbeit” e dos programas de ajuda emergencial em todos os setores. A proposta do governo contempla ainda investir bilhões de Euros em áreas chave do desenvolvimento científico, tecnológico e industrial.
Para a oposição, o plano apresentado é um cheque em branco. “O seu governo têm sido muito bom em compensar rapidamente grandes conglomerados, deixando esperar os mais fragilizados”, antecipou no discurso anterior outra doutora, Alice Weidel, uma das mais proeminentes figuras da AfD, terceira força dentro do parlamento depois dos partidos da coalizão, CDU/CSU e SPD. Ela se referia a liberação no início de Dezembro de mais 1,8 bilhões de Euros para a TUI, a maior operadora de viagens do continente. Desde o início da pandemia a empresa já recebeu 5,4 bilhões.
Enquanto isso, autônomos e pequenos empresários aguardam a ajuda prometida para novembro. “Um problema no software vai fazer milhões de pessoas esperarem até janeiro”, ironizou Weidel em relação ao argumento do governo para o atraso na liberação dos recursos.
Na Alemanha do Corona, a AfD (Alternative für Deutschland), partido de direita ligado a movimentos radicais neo-nazistas, assumiu o papel de defensor da democracia. Atualmente, a AfD é a principal voz daqueles que não entendem ou aceitam as medidas adotadas pelo governo Merkel. Tanto que membros do partido da primeira-ministra (CDU), União Democrática Cristã, já indicam a possibilidade de aliança com os “alternativos”. “Essa crítica inflexível, contra qualquer cooperação com a AfD, é oriunda exclusivamente da zona de conforto de membros da parte ocidental do país, e mesmo que bem fundamentadas, pouco têm a ver com a realidade política que vivemos no leste”, analisa Mike Mohring, membro da mesa diretora do CDU nacional.
As escolas funcionam, quase que normalmente, por outro lado restaurantes, bares, cafés e academias de ginástica permanecem fechados para o público. “Não tem sentido essa discriminacao contra determinadas atividades em detrimento de outras”, reclama o empresário Daniel Arruda, dono de um café na área chique do bairro de Kreuzberg, na capital alemã.
Ainda atendendo o público delivery, Daniel calcula uma redução de 70% do seu movimento de clientes desde o início do Lockdown-soft em Outubro. “Não está valendo a pena, isso que já dispensei quase todos os funcionários”, revela ele. O empresário pretende fechar o café antes do Natal e não sabe quando poderá reabrir. “Vai depender das medidas. Como está hoje, é inviável”, garante Arruda.
Nas escolas, a incerteza com as medidas do governo também é grande. “Não será surpresa se aumentar o número de alunos gripados durante esse inverno”, especula Heike Lambrini, mãe de um aluno do ginásio em uma escola pública de Berlim. O medo dela vem do procedimento adotado pela escola. Entre uma aula e outra, todos os alunos são obrigados a saírem da sala e esperarem pela troca de professores no pátio.
“Pelo menos três vezes por dia os alunos são obrigados a esperar no frio, por pelo menos 15 minutos. Há intervalos que chegam a durar meia hora. Isso em temperaturas que não raro estão abaixo de zero”, revela a mãe. A direção da escola, que pede para não ser identificada, garante que a medida visa permitir a adequada circulação de ar no interior das salas, e está de acordo com as determinações da secretaria de educação do município e do ministério da saúde.
Mesmo com o total de infectados estabilizado na casa dos 20 mil por dia, a Alemanha continua prisioneira de um outro número da pandemia: o de mortos. Foram 568 na terça-feira (08/12), superando o recorde de 510 óbitos com Covid-19, registrado dia 15 de Abril. Desde outubro o número oscila, mas não pára de crescer.
No parlamento, Angela Merkel revelou que “ainda não sabe como reagir à pandemia nesse início da temporada de inverno”. Todo o conhecimento acumulado desde a primeira onda em março, parece não bastar.
“Já houveram gripes que mataram a mesma quantidade de gente, mas isso sem as medidas de isolamento e proteção em vigor hoje”, explica Felix zur Nieden, especialista em demografia e taxa de mortalidade do Statistisches Bundesamt, o IBGE alemão. Apesar das controvérsias, é consensual a idéia de que a Covid-19 seja uma infecção fora do padrão até então conhecido para as gripes sazonais.
Paradoxalmente, para os especialistas, a pandemia do coronavírus não é um fenômeno completamente atípico. Usando ainda a taxa de mortalidade, em relação ao número de infectados, como padrão de comparação, houveram outras gripes e infecções mais mortais na história recente. A exemplo:
Gripe espanhola (1918) = 5 – 20%
SARS 1 (2003) = 10%
Gripe aviária – H5N1 (2006) = 60%
Ebola (2013) = 25 – 90%
“Ainda não sabemos essa equação para o Covid-19, pois a epidemia ainda está evoluindo. Mas se tivermos uma mortalidade de 1% para um número aproximado de 4 bilhões de infectados no mundo todo, serão 40 milhões de mortos”, raciocina Rob Wallace, epidemiologista evolucionário do Instituto de Estudos Globais da Universidade de Minnesota nos Estados Unidos.
Autor do Livro “Dead Epidemiologists” (Epidemiologistas Mortos, Monthly Review Press/2020), sobre as origens do Covid-19, Wallace considera incorreta a comparação entre a atual pandemia e a temporada sazonal de gripe. “Não é uma questão da Influenza versus o Covid-19, mas sim Covid-19 mais Influenza”, explica ele, defendendo a tese de que a pandemia do corona é uma demonstração clara do fracasso do atual modelo de saúde pública preponderante no mundo.
Anualmente, cerca de 650.000 mortes ocorrem em decorrência da temporada de gripe em todo o mundo. Pela estatística oficial, em 2020, mais de 1,5 milhão de pessoas já pereceram por conta do Corona. Parece assustador, mas olhando para os números de cada país, ainda não houve aumento significativo do número de mortos. Na Alemanha da Doutora Merkel, morrem 2.600 pessoas por dia. Com ou sem pandemia. Entre Outubro de 2019 e Outubro de 2020 essa média foi mantida.
A estratégia global de combate ao coronavírus está em cheque na Alemanha. Junto com ela, os próprios princípios do sólido sistema democrático parlamentarista do país, visto que a urgência do vírus impõe uma eficiência de autocracia. Enquanto aumenta o barulho da oposição por conta do segundo lockdown, o governo move as peças no tabuleiro político, visando o cumprimento das suas determinações.
Depois de Leipzig, foi a vez da capital Berlim receber nesta quarta-feira (18/11), dezenas de milhares de pessoas protestando contra as medidas do governo Merkel para a crise do Covid-19. Elas tentavam invadir o parlamento durante a sessão, conforme anunciado em redes sociais, e inviabilizar a votação da nova proposta da lei de proteção a infecções (Infektionsschutzgesetz).
Direitos fundamentais
A polícia isolou o entorno do Bundestag, e um efetivo de 2.200 homens fez o serviço de conter e dispersar a multidão que se aglomerava nos arredores, se espalhando do Portão de Brandeburgo ao longo da avenida 17 de Junho. Gás de pimenta e três caminhões com canhões de água foram as ferramentas da tropa de choque na missão.
Até o início da noite, ainda eram registrados pequenos incidentes, envolvendo manifestantes e policiais na região central. O distrito governamental da cidade continuava interditado para o tráfego e o público geral.
Lá dentro, políticos da coalizão do governo e da oposição trocavam acusações e advertências. “Esse é o maior ataque aos direitos fundamentais dos cidadãos na história da república”, discursou Alexander Gauland, líder do Alternativa pela Alemanha (AfD), partido de extrema direita. “A proposta de lei do governo é um passe livre para arbitrariedades. Conceitos como “aprisionamento domiciliar” vão muito além de uma proposta para proteção da saúde pública e não devem fazer parte do texto da lei”, alertou o líder do partido Liberal (FDP), Christian Lindner. “Qualquer redução de direitos fundamentais requer o debate para aprovação ou rejeição no parlamento”, defendeu o deputado Jan Korte, do Die Linke, partido de esquerda, também contrário à proposta do governo.
Ponto de atrito
O principal ponto de atrito é o parágrafo 28 do novo texto da lei, aprovada pela primeira vez em 2001. Ali estão especificadas as possibilidades do executivo numa crise como a atual. Obrigatoriedade do uso de máscara, confinamento radical e até o fechamento de setores inteiros, como a gastronomia. Tudo isso sem precisar consultar o parlamento ou outras instâncias da nação.
Desde o primeiro confinamento, não foram poucas as vezes em que o executivo federal viu suas determinações contrariadas por governos locais ou derrubadas em tribunais regionais, sob o argumento da inconstitucionalidade. Merkel quer agora, com a nova lei, garantir unidade e coesão para a política de combate à pandemia.
Mesmo com os protestos, dentro e fora do Bundestag, o texto principal acabou aprovado por ampla maioria no início da tarde. Em seguida, foi acolhido e avaliado em tempo recorde, pelo Conselho Federal (Bundesrat), que reúne os governadores dos 16 estados da federação. À noite já tinha sido assinada e ratificada pelo presidente, Frank-Walter Steinmeier. Quinta-feira, dia 19 de novembro, entra em vigor.
“O corona mata quase exclusivamente pessoas acima dos 80 anos, que é a idade em que elas normalmente morrem aqui… dizendo de forma brutal, é como se estivéssemos salvando quem, em meio ano, estará morto de uma forma, ou de outra”, respondeu o matemático Boris Palmer, prefeito de Tübingen, pequeno e próspero município do estado de Baden-Württemberg no sudoeste da Alemanha. O político do partido verde (Bündnis’90/die Grünen) foi um dos entrevistados do jornalista Markus Lanz em seu programa na rede pública ZDF na noite de quarta-feira (11/11).
Suas declarações, recebidas com indignação pelo establishment político-midiático presente e ausente no programa, são combustível para um debate que o país não consegue encaminhar. “Inaceitável. Todo ser humano, independente da idade tem direito à vida”, lacrou o quase octogenário ex-vice chanceler, Franz Müntefering, também entrevistado na noite.
Idéia fixa
Palmer explicou que não repetiria a frase, pois a comoção que ela provocou ao final inviabilizou qualquer debate. “Mas existe um dilema relacionado com a estratégia global de combate da pandemia. Um receio bastante concreto, de que ela acabe causando mais perdas em vidas, do que as vidas que conseguimos salvar, seguindo as medidas que temos hoje em vigor”, insistiu.
A idéia fixa, de que não há nenhuma outra alternativa, é o que indigna muita gente na Alemanha no momento. “Criamos um serviço de táxi subsidiado pela prefeitura, para que pessoas do grupo de risco não precisem usar o transporte público”, exemplificou o prefeito da cidade de 90 mil habitantes. Boris Palmer reclama que já tentou replicar soluções assim em nível federal, sem sucesso.
Razão do medo
“Nada me deixa mais doente que a solidão”, reclama o professor e músico brasileiro de 35 anos, João de Alencar Rego. Em tratamento de um câncer desde 2019, João está fazendo agora a última parte da quimioterapia. Duas vezes por semana precisa ir ao hospital onde foi operado. Para isso, usa o transporte público da capital Berlim, onde mora desde 2012, mesmo sendo parte do grupo de alto risco.
“Conseguir que o seguro de saúde (Krankenkasse) pague o táxi é uma burocracia gigantesca, e com sorte eles pagam metade”, conta ele. Para o músico, neste confinamento, a razão está do lado do medo. “Sempre uso máscara, lavo as mãos etc, me cuido, mas é difícil ver que os amigos passam aqui pra deixar as compras e só acenam de longe com máscara e vão embora… A gente fica mais doente alimentando esse pânico toda hora”.
Tarefa mamute
O gargalo da pandemia é o sistema de saúde. Na potência germânica da segunda onda não existem enfermeiros suficientes para atender todos os 30 mil leitos de tratamento intensivo disponíveis. Estimativas do próprio governo apontam um déficit de seis mil profissionais só para UTIs em todo país. “Pacientes do corona ficam mais tempo internados e requerem mais atenção. Isso afeta a demanda por mão de obra”, justifica o ministro da saúde, Jens Spahn (CDU).
O governo havia anunciado um plano para empregar 13 mil novos enfermeiros durante a primeira onda. Menos de três mil foram efetivados até o momento. O ministro Spahn propõe, caso necessário, fazer os enfermeiros continuarem trabalhando, mesmo quando infectados. Em sessão do parlamento (Bundestag) dia 06 de Novembro, ele já havia avisado: “A pandemia é uma tarefa realmente gigantesca – e essa tarefa ainda não atingiu seu clímax”.
Últimas notícias
O fim de semana, como de costume, foi de apreensão. As imagens de UTIs lotadas em Nápoles, na vizinha Itália, onde o número de mortos ultrapassou a marca dos 500 por dia, aumentam o medo. Mesmo com o achatamento da curva e uma leve redução do total de óbitos, na Alemanha para os próximos dias é esperado o endurecimento das restrições.
O barômetro político, enquete encomendada pela rede pública de comunicação ZDF, indica aceitação das medidas do governo por 58% da população. Segundo a pesquisa, 26% acham elas insuficientes e aprovariam restrições ainda mais severas. Acima de tudo, o otimismo de 85% dos alemães que, de acordo com o levantamento, acreditam que o país vai superar bem a crise.
“As medidas são adequadas e necessárias, e se aguentarmos de forma consequente esse mês, pode ser que consigamos romper essa segunda onda da gripe”, declarou Angela Merkel no dia em que começou o lockdown-light na Alemanha. “O sucesso dessa estratégia depende não só das regras em si, mas especialmente do cuidado da população em segui-las”, acrescentou a mulher que está há 15 anos à frente do poder na principal economia da Europa.
Merkel vem tendo dificuldades em se explicar. Primeiro, por que as medidas tomadas desde o fim do primeiro confinamento não funcionaram para evitar o segundo? Ou esclarecimento convincente sobre a diferença entre um cinema e uma igreja. Por que um não pode funcionar e o outro sim? No país inteiro, missas e cultos continuam permitidos, seguindo as medidas de higiene e distanciamento. Já exibições de cinema não, estão terminantemente proibidas.
Movimento dos esquisitos
Como resultado, protestos têm aumentado em número, frequência e intensidade. O último, no início de novembro em Leipzig, quando dezenas de milhares de pessoas desafiaram a ordem da polícia para dispersar e marcharam pelo centro da cidade. O movimento, batizado pela grande imprensa de “Queerdenker Bewegung” (Movimento dos Pensadores Esquisitos), reúne na verdade pessoas de praticamente todos os espectros do pensamento político.
“Em virtude da situação, optamos por recuar para evitar o conflito”, justificou o Comandante da Polícia Militar de Leipzig, Torsten Schultze. A polícia, no fim, foi a responsabilizada pelo fracasso em fazer valer a lei do distanciamento. No parlamento, políticos da coalisão cobraram melhor preparação para essas situações e fizeram ameaças veladas de endurecimento das medidas de controle.
Erik Flügge é um cientista político baseado em Stuttgart. Ele tem longa experiência no acompanhamento de casos polêmicos envolvendo decisões do governo. A mais significativa delas é o movimento contra a ampliação do sistema de transporte rodo-ferroviário da capital do estado de Baden-Wurttenberg, conhecido como Stuttgart 21. Projeto de 6,3 bilhões de Euros, que há 10 anos vem sendo impedido por diversas iniciativas populares no sul da Alemanha. “Não foram poucas as vezes em que o governo apresentou cálculos e dados errados para justificar suas posições. Ao longo do tempo as pessoas aprenderam que isso ocorre sistematicamente e construíram um consenso sobre as decisões governamentais”, explica o cientista.
Velha desconfiança
É inevitável a sensação de dejavú. Durante a primeira onda da pandemia, diversas questões foram simplesmente canceladas pela pecha conspiracionista. Mas a falta de respostas convincentes para simples fatos reacendem a desconfiança das pessoas. A mais polêmica no momento é a acusação de inconfiabilidade dos testes PCR (Polymerase-Chain-Reaction), aquele do cotonete.
Não são raros os casos de pessoas doentes apresentarem resultado negativo. O mesmo para pessoas positivas assintomáticas. A melhor explicação para tais discrepâncias é relacionada com a realização do teste. Ou o cotonete acertou no canto errado da garganta, ou a quantidade de vírus ali ainda não era suficiente para ser detectada.
Apesar da incerteza, o PCR é o principal teste para o covid-19 na Alemanha. Por semana, mais de um milhão e meio são realizados. Fica estranho descobrir que o principal assessor do governo para a crise, o virólogo Christian Drosten, é também o detentor da patente do PCR test.
Conflitos de interesse
O historiador suíço Daniele Ganser, conhecido por colecionar dados e fatos que contradizem versões oficiais em situações de crise, lembra que esse tipo de “business” não é nada novo. Em maio de 2009, a Organização Mundial da Saúde mudou o conceito de pandemia. Até então, ele dependia basicamente de um representativo número de mortos e doentes em nível global.
A partir desta data, bastava uma infecção se espalhar rapidamente pelo mundo para que o alerta da OMS fosse dado. “Um mês depois de mudar o conceito, a chefe da OMS na época, Margaret Chan, declarou a gripe do virus H1N1 como uma pandemia, o que possibilitou a venda de milhões de doses da vacina Tamiflu (Roche) para governos de todo o mundo”, conta Ganser.
“A OMS não é uma organização tão independente assim. Só a fundação Bill & Melinda Gates doam 700 milhões de dólares a cada ano para ela”, afirma o pesquisador, citando um levantamento da universidade John Hopkins nos Estados Unidos. Uma outra pesquisa, publicada no mês de Setembro pelo Instituto de Estudos Políticos em Washington, aponta durante a pandemia, para um acréscimo de 17 bilhões de dólares no patrimônio privado do homem que sonha vacinar 7 bilhões de pessoas contra a gripe do corona.
Nefasta estatística
A chanceler alemã dá de ombros para os conflitos de interesses, repetindo a mesma tática e argumentos da primeira onda. Apelos reiterados para que as pessoas mantenham distância e usem máscaras, num chamado irresistível à mútua solidariedade. No primeiro confinamento nenhuma das medidas funcionou. Mesmo com o lockdown radical o número de infectados continuou alto, empurrando a medida por três meses, sem que houvesse um número significativo de vítimas no final.
Especialistas de várias áreas colecionam argumentos contra a estratégia do governo federal em Berlim. “Ao triplicar o número de testes, o que observamos foi o número de pessoas positivas também triplicar. O noticiário na televisão faz parecer que houve um aumento de três vezes no número de doentes nos hospitais, mas a maioria das pessoas testadas positivo não está doente”, declara Dr. Gerd Bosbach, matemático e um dos autores do livro “Mentiras com números” (Lügen mit Zahlen, Heyne/2012).
Ainda que o número de mortos esteja em franca escalada, ultrapassando a marca de 200 por dia nessa segunda quinzena de novembro, uma outra lacuna continua aberta com relação a essa nefasta estatística. “Quando uma pessoa é um óbito do corona? Se ao saber do meu teste positivo, eu me assusto e caio do balcão do meu apartamento, eu sou um morto do corona. O mesmo vale para quem morre de derrame, ataque cardíaco, câncer etc”, escreve o médico epidemiologista Sucharit Bhakdi, em seu bestseller “Corona Fehlalarm?”(Alarme Falso).
O fenômeno remete a um experimento feito pelo médico legista Klaus Püschel, diretor do Instituto de Medicina Legal de Hamburgo. Durante duas semanas em abril, ele exumou os corpos das pessoas que haviam morrido por coronavírus com sua equipe. “Todos os cadáveres que examinamos tinham câncer, doenças pulmonares crônicas, diabetes, problemas do coração ou pressão. Nenhum sem longo prontuário médico”, declarou ele à imprensa na época. Só então os canais oficiais explicitaram que o número apresentado referia-se a pessoas mortas “com” corona.
Debate democrático
Na arena política há um outro ponto importante no argumento da oposição, em relação a esse novo lockdown. “Frau Merkel, a senhora fala em debate democrático, mas ele deve ser democrático antes da decisão ser tomada e não depois”, criticou Christian Lindner, presidente do Partido Liberal (FDP), na sessão do parlamento na sexta-feira, 30 de outubro.
Além de discordâncias quanto às medidas em si, a oposição acusa a forma como o governo vem conduzindo a crise, com a formação de um “gabinete de guerra”, e colocando cada vez mais militares no combate da infecção. Só em outubro e novembro, 2.600 soldados foram deslocados para ajudar no acompanhamento das ocorrências. No total, 15 mil militares já trabalham no combate da pandemia e o contingente vai aumentar nos próximos meses.
A gerente de projetos, Katharina Richter, recebeu semana passada a visita dos “soldados de saúde” em sua casa. Ela e o marido tinham sido testados positivo para covid-19 e estavam em quarentena. Os agentes foram à casa deles para testar as duas filhas do casal e inspecionar o cumprimento da determinação. “Foi tudo muito rápido e profissional”, conta ela.
Enquanto isso, nas ruas a situação é de desconforto. Não apenas pelo uso obrigatório da máscara, mas especialmente pelo controle policial ostensivo nesses primeiros dias de confinamento-light. “Palhaçada, isso é falta do que fazer. Por que a polícia não vai lá no ponto de tráfico que todo mundo sabe onde é, e acaba com aquilo? Ficar controlando velho que não usa máscara na rua é vergonhoso”, critica o empresário brasileiro, Lindomar Gomes.
Radicado em Berlim há 17 anos, Lindomar não nega a existência do vírus e a necessidade de ter cuidado, mas acha absurda a condução da crise pelo governo. “Se você anda de metrô ou ônibus, é impossível haver distanciamento, e a máscara só protege se for apropriada e usada de maneira adequada. Como a maioria faz, parece mais um teatro para bobos”, acredita ele.
Depois de lutar por semanas para evitar um novo confinamento, a Alemanha, tida como exemplo no combate da pandemia, se rendeu novamente ao Covid-19, e agora assiste impotente a formação de uma tempestade perfeita.
A Europa inteira foi sendo gradativamente fechada numa versão mais leve de confinamento, um lockdown-light. Em quase todas as capitais vigorava já desde o início de Outubro o toque de recolher, obrigando bares e restaurantes a ficarem fechados à noite. Festas, shows e qualquer tipo de espetáculo que promova aglomerações estavam proibidos, ou deveriam se submeter a inconciliáveis restrições. Na última semana, por exemplo, o violonista brasileiro, Yamandú Costa se apresentou em Nüremberg para um público de 20 pessoas. O espetáculo, organizado pelo Clube do Choro da cidade, só pôde acontecer por conta de patrocínios privados, e o cachê do músico foi doado à campanha de apoio a artistas no Brasil.
Em novembro nem mesmo eventos extraordinários como esse poderão acontecer. Além do fechamento completo dos estabelecimentos da gastronomia e entretenimento, está proibido o funcionamento de salões de beleza, academias de ginástica, estúdios de dança, centros de esporte e lazer. Toda hotelaria e o setor de turismo também estão congelados até o fim do mês. Apenas lojas, supermercados, farmácias, escolas e creches continuam funcionando, por isso a conotação light da medida anunciada na Quinta-feira (29/10) pela primeira ministra, Angela Merkel (CDU).
Visivelmente consternada ao fazer o pronunciamento, Merkel pediu desculpas e agradeceu os esforços de toda a população durante os meses passados, mantendo distanciamento, usando máscaras e desinfetando as mãos. “Infelizmente isso tudo já não basta, por isso a necessidade de tomar uma medida que permita quebrar essa segunda onda neste exato momento”, justificou a chanceler. Em seguida o governador de Berlin, Michael Müller (SPD) explicou a razão de escolas e creches continuarem abertas. “Durante o primeiro Lockdown observamos um aumento dramático dos casos de violência doméstica em todo o país. As crianças são as que mais sofrem em um confinamento. Devemos fazer qualquer esforço para evitar essa tragédia”, justificou o social democrata.
Consenso
A medida foi tomada em consenso por todos os 16 governadores e o governo federal em Berlim. Horas depois do pronunciamento da primeira ministra e dos representantes dos governadores, os ministros da economia, Peter Altmeier (CDU), e das finanças, Olaf Scholz (SPD), apresentaram as medidas de auxílio para o período do confinamento. Serao 10 bilhões de Euros, distribuídos pelos Estados para os que forem diretamente afetados pela paralisação das atividades. Restaurantes, a exemplo, poderão pedir até 75% do seu faturamento em Novembro do ano anterior. Profissionais liberais e autônomos também devem comprovar seus custos do período para serem compensados. Em paralelo, funcionários de empresas que estiverem em dificuldade serão financiados pelo “Kurzarbeit”, compensação do governo que garante de 60% a 80% do salário, visando a manutenção dos postos de trabalho.
Mesmo com a ajuda oferecida, a perspectiva de um segundo Lockdown acendeu os ânimos da população em cidades de toda Europa. Na Itália, o fechamento do comércio, a partir das 18 horas, decretado dia 23 de Outubro, provocou uma onda de protestos em Roma e Nápoles. No fim de semana seguinte foi a vez de Barcelona se incendiar por conta das medidas decretadas.
Na Alemanha as demonstrações contra a política pandêmica do governo são semanais, mas com raros casos de confronto com a polícia. E não foi pouco o que o corona vírus já tirou dos alemães. Oktoberfest, Karnaval de Colônia, Halloween, além dos tradicionais mercados de Natal, para citar os do último mês. Nem a convenção nacional da União Democrata-Cristã (CDU), partido da chanceler Angela Merkel escapou. O evento marcado para dezembro, reuniria milhares de delegados de todo o país em Stuttgart para a escolha do novo presidente do partido, e assim candidato a sucessor da mulher que está há 15 anos no poder. “Nosso apelo é para evitar todo e qualquer evento, viagem ou contato desnecessário, e não há nenhum motivo sensato para manter a data da convenção, ela pode ser realizada quando a pandemia estiver sob-controle”, defendeu Armin Laschet, governador da Renânia do Norte Westfália e um dos favoritos na disputa.
Máscaras como armas
Enquanto isso, policiais controlam o uso de máscaras até mesmo a céu aberto nas principais cidades. Dependendo do estado, a multa para quem desrespeitar a norma varia de 50,00 a 250,00 Euros. Ainda que não se tenha notícia de alguém multado, mais caro ainda é a punição para os que retornam das férias e não cumprem com as normas de higiene e segurança sanitária. Quem chega de viagem do Brasil, por exemplo, precisa ficar em quarentena por 14 dias. A multa para quem descumprir a norma pode chegar a 25 mil Euros.
“Nossa única arma parece ser o uso da máscara”, sentenciou o jornalista Markus Lanz em seu tradicional programa de entrevistas na rede pública de comunicação ZDF na madrugada do dia 28 de Outubro. Ele tentava trazer à tona o debate sobre a ineficácia das medidas “alternativas” de distanciamento social.
Apesar de todo apelo e controle, o número de infectados por dia dobrou em outubro. Só na última semana do mês, o número passou de 14 mil para mais de 19 mil pessoas infectadas diariamente, segundo o Robert Koch Institut, que faz a análise dos dados da pandemia no país. Independente do recorde de infectados, o número de mortos pelo vírus ainda é baixo. Pouco mais de 10.000 desde março, quando o número de infectados era três vezes menor que hoje. E é aí que mora o perigo. Uma rápida olhada em outro dado pode dar a pista para o que apavora as autoridades. Na segunda-feira, 26 de Outubro, 24 pessoas morreram pelo Corona vírus em todo o território alemão. Na sexta-feira (31/10), esse número já havia subido para 103 mortos. É esse número que coloca em alerta os experts do governo no momento.
Independente dos resultados dessa versão leve do confinamento para o combate da pandemia, ela promete piorar ainda mais a saúde econômica dos alemães. Setores inteiros, que ainda operam sob condicionantes, acumulam cada vez mais prejuízos. A Lufthansa, que anunciava em abril a demissão de 10.000 pessoas, hoje já diz que o total de dispensados vai passar dos 30 mil. E isso, depois de receber 9,3 bilhões de Euros em ajuda governamental.
Entre fornecedores da indústria automobilística, as dispensas serão na mesma proporção. Gigantes como a Continental prevêem eliminar 30 mil postos de trabalho nos próximos anos. Mesmo número apontado pela icônica Daimler-Benz como necessário para se reequilibrar. Outras que vinham em dificuldades antes mesmo da pandemia, agora estão tendo que enxugar ao máximo os custos de mão de obra. Na Mahle, fabricante de máquinas e componentes automotores, o número de demissões chegará a 7.600 até o final do ano. Isso tudo sem aviso prévio e depois de a empresa ter financiado o salário dos empregados com o dinheiro do “Kurzarbeit” garantido pelo governo desde o início de março, acusa o poderoso sindicato dos metalúrgicos, IGMetall.
O governo, que havia anunciado em Setembro o déficit recorde, 220 Bilhões de Euros em 2020, vai ter que rever as contas. Inclusive as projeções para os anos seguintes: 94 bilhões para 2021 e 53 bilhões em 2022. O ministro das finanças, Olaf Scholz já anunciou que déficit zero “só depois de 2023 pelo menos, e dependendo da conjuntura”. A Alemanha vinha apresentando déficit zero de suas contas públicas por três anos consecutivos. Outro sonho perdido na luta contra o vírus.