Criadora da Daspu terá biografia

Em 2005, Gabriela lançou grife de roupas desenhadas por prostitutas | Fotos: Carlos Matsubara/JÁ)

Carlos Matsubara, de Brasília, especial para o JÁ

A criadora da marca Daspu, Gabriela Leite, 55 anos, terá sua vida contada em livro. No sábado, 5 de agosto, ela revelou, em entrevista exclusiva ao JÁ, que assinou um contrato na última quinta-feira com a Editora Objetiva para lançar sua biografia em fevereiro de 2007.

A conversa foi no BSB Mix, evento de moda alternativa, em Brasília.
Lá a Daspu realizou um desfile que teve grande sucesso, como vem ocorrendo com a grife de roupas desenhadas por prostitutas da ONG Davida desde que foi lançada por Gabriela em 2005, no Rio de Janeiro. Desta vez, os aplausos vieram da high society, num dos lugares mais chiques e badalados da cidade, o Pontão do Lago Sul.

A entrada das prostitutas no mundinho fashion foi uma iniciativa de Gabriela que de tanto ouvir o velho chavão “vestida como uma puta” pensou criar uma linha de vestuário completa. Há desde roupas “de batalha” até as de ativismo (direitos humanos, prevenção a AIDS e DSTs). “Na verdade sempre produzimos moda. Agora estamos nos apropriando de nossas competências também nessa área”, entende Gabriela.

Ela nasceu no bairro Vila Mariana, em São Paulo. Chegou a cursar Sociologia por dois anos na Universidade de São Paulo (USP). “Entrei virgem na USP e saí puta”, lembra, repudiando qualquer outra designação para seu ofício. Odeia ser politicamente correta. “Os hipócritas tentam fazer desses nomes, como ‘garota de programa’. Isso eu não aceito”, critica.

Voltando a USP. Eram os tempos da ditadura e o curso de Sociologia se dividia em duas turmas: os guerrilheiros propriamente ditos e os da contra-cultura. Gabriela se encaixou no segundo. Freqüentava mais os bares do Redondo do que a sala de aula. Assim conheceu “gente da pesada”, como o escritor maldito dos temas malditos, Plínio Marcos e o diretor de teatro Zé Celso Martinez.

“O Redondo era um lugar que todo mundo freqüentava. Só que eu comecei a me cansar dessa coisa de revolução de botequim”, conta. Perto dali também tinha uma boate de prostituição, a La Licorne, muito famosa na época. Muitas vezes as meninas que trabalhavam por ali eram motivos dos papos-cabeça do botequim. “Foi então que pensei pela primeira vez em ir pra prostituição”, lembra.

Gabriela estava cansada de trabalhar durante o dia e estudar a noite. Já tinha pego o gostinho da vida boêmia e descobriu que era isso que queria fazer da vida. “Não agüentava mais bater cartão e eu adorava a noite”.

Boca do Lixo

Com 22 anos e desempregada, parou num botequim para tomar uma cerveja e conheceu um cafetão que lhe apresentou a dona de um apartamento de prostituição na Boca do Lixo paulistana. “As grandes coisas da minha vida sempre acontecem em botequins, sempre. Ou porque eu freqüento demais ou porque eu tenho uma transa com botequim”.

A entrada de Gabriela no ativismo aconteceu graças ao sumiço de duas colegas. Com o tempo suas amizades passaram a ser as amizades da prostituição. “Era uma maravilha, prostitutas, malandros, cafetinas, garçons… Adorava essa minha vida social, ali no meio da minha marginalia”.

Ia tudo muito tranqüilo, até que em 1979 um delegado linha-dura resolveu prender e torturar as prostitutas e travestis da Boca do Lixo. Duas colegas desapareceram, uma delas grávida, foi torturada e morta. “Tudo isso estava acontecendo e a sociedade não sabia de nada. Foi quando voltei a pensar a Sociedade”.

Organizou uma passeata que foi um escândalo e retomou a amizade com os amigos do teatro. Os primeiros a apoiar foram os artistas alternativos. “A Ruth Escobar, que nem era do nosso grupo, era do teatro tradicional e ainda não era política, tinha um teatro na Rua dos Ingleses e ofereceu para a gente fazer uma assembléia”, recorda. A repercussão foi tanta que o delegado foi afastado pelo secretário de Segurança e tudo voltou ao normal.

Foram muitos anos na Boca do Lixo, até que Gabriela resolveu pegar a estrada. Literalmente. De carona em carona, sempre se prostituindo, ela percorreu vários Estados do país. Assim, diz ela, conheceu todos as faces da profissão.

“Me senti a própria Hilda Furação”

Morou um ano em Belo Horizonte e adorou a cidade. Na zona boemia de lá, sentiu-se a própria Hilda Furacão. “Ganhei muito dinheiro em BH”. Mas em 1982, depois de passar um final de semana no Rio de Janeiro, se encantou e ficou de vez. Foi morar na Vila Mimosa e virou Estácio de Sá desde criancinha.

“Lembro que foi morando na Vila Mimosa que conheci a Benedita da Silva, recém-eleita como vereadora. Ela foi um dia na zona nos convidar para um primeiro encontro de mulheres de favela e periferia”, conta. Foi a primeira vez que Gabriela falou em público. Logo ela, que se diz uma “tímida de carteirinha”.

Já em 1997 organizou o I Encontro Nacional das Prostitutas com o apoio financeiro do Instituto de Ensino da Religião (Iser) e de alguns profissionais da mídia carioca. “Fui de zona em zona buscar participação das colegas”, recorda. Disso surgiu a Rede Nacional das Prostitutas, uma articulação de 30 associações de todo o Brasil.

Após o rompimento com o Iser no ano seguinte, fundou a ONG Davida em parceria com o jornalista Flávio Lenz, editor do jornal Beijo da Rua e seu companheiro até hoje. “Agora é fácil falar, mas foi muito complicado, quem nos financiava, não quis mais financiar e o Flávio foi chamado até de cafetão”.

Com pouco dinheiro que tinha resolveu montar um restaurante e um pagode no Estácio para ajudar nas finanças da ONG. Foi o maior sucesso, o nome era Pagode da Vida. “Minha pescadinha da quarta-feira era famosíssima”.

Hoje a Davida trabalha forte na questão da Aids participando dos fóruns estadual do Rio de Janeiro e da articulação nacional. “A gente interfere nas políticas públicas das prostitutas lá do Ministério da Saúde”.

Daspu X Daslu

A grande cartada da ONG ainda estava por vir. Em julho do ano passado, durante uma festa de aniversário da Davida, novamente em um botequim, um dos funcionários teve um insight. “Sílvio sacou que o nome Daslu estava na mídia [na época, a dona Eliane Tranchesi havia sido presa acusada de lavagem de dinheiro] e todo mundo adorou”.

Com quase tudo pronto para lançar a coleção, uma notinha no Elio Gaspari dizendo que as prostitutas da Tiradentes estavam fundando uma grife chamada Daspu alertou a direção da loja paulistana.

Na mesma semana as prostitutas receberam uma notificação extrajudicial dizendo que não podiam usar o nome Daspu, argumentando que estávamos prejudicando a imagem da loja. “Só os nomes dos advogados ocuparam uma página inteira”, recorda, acendendo mais um cigarro, o quarto em pouco mais de meia-hora de conversa.

Passado o susto, resolveram registrar a marca e deu tudo certo. Tão certo quanto sua estréia no Fashion Rio, pelo estande do Sebrae, quando fizeram um desfile mais concorrido que o da Gisele Bündchen. “Já temos outros desfiles agendados, fizemos uma parceria com o Instituto Zuzu Angel para ajudar nessa coisa de estilo”.

De uma coisa a Daspu não abre mão. Quer garantir que suas prostitutas estejam sempre desfilando. “Queremos um novo conceito de mulher”. Uma de suas novas camisas traz a frase: moda é pra mudar.

0 comentário em “Criadora da Daspu terá biografia”

  1. Caramba, so tomei conhecimento disso tudo , 7 anos depois, agora com apeça encenada por Alexia de Champs. Como não aplaudir, o tamanho da força, dessa mulher pequena, chamada de “carnerinho”. Dar um alívio. É a ponta levantada, do tapete da hiprocisia . uffa! que alívio!!!!!!!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *