"Estacionamento subterrâneo é a solução aceita pelo mundo"

O arquiteto Moacyr Moojen Marques, 85 anos, nasceu em Lagoa Vermelha mas se considera cidadão portoalegrense. Vive na capital desde 1947. Formou-se em Arquitetura pela UFRGS em 1954 e mantém ativo até hoje seu escritório. Lecionou na Faculdade de Arquitetura por dez anos (até o início da ditadura de 1964) e trabalhou 35 anos na Divisão de Urbanismo da Prefeitura. Participou dos Planos Diretores, da criação do Parque Marinha do Brasil, do Parque da Redenção, do auditório Araújo Vianna, do prédio da SMOV, de prédios do DMAE, entre outros.
“Os projetos eram todos feitos pelos funcionários do município, não eram terceirizados como hoje se faz.”
A seguir, parte do depoimento gravado sobre a história do Auditório Araújo Vianna, que, em breve, será lançada em livro.
Como foi a mudança do auditório da Praça da Matriz para o Parque da Redenção?
Na Praça da Matriz, era uma concha acústica em forma de um quarto de esfera voltada aos bancos de praça, e uma pérgola com cobertura vegetal. Era de frente à antiga Assembleia, um prédio muito antigo. O atual prédio está onde ficava o auditório. Por um convênio, a Assembleia executaria um novo auditório para a cidade, desde que o município fornecesse o terreno.

Araújo Vianna e Theatro São Pedro, anos 1930/Fotos Fototeca Sioma Breitman
Araújo Vianna e Theatro São Pedro, anos 1930/Fotos Fototeca Sioma Breitman

Como foi a escolha da nova localização?
Na Redenção, não tinha sido executado ainda todo o projeto original de paisagismo. Esta zona onde hoje está o auditório era um banhado, a parte mais baixa do parque, inundava, e por não ser usada, virou um depósito de lixo. Uma parte muito feia e inútil. Eu e o colega Carlos Fayet escolhemos essa parte da Redenção, tendo ali um auditório para o público sanava a questão da drenagem e completava a organização do parque.
Quais ideias nortearam este projeto do novo auditório?
A localização e a função acústica que deveria ter o auditório. Na época, a avenida Osvaldo Aranha tinha linhas de bonde, e o bonde, como a gente sabe, faz grande ruído. Por isso o auditório tem um recuo de 100 metros, para se afastar desse ruído.  Além disso, optamos por um paisagismo que se integrasse ao parque: a elevação da nova construção aparece de fora como um grande talude gramado, uma elevação. As paredes de tijolo aparente, com diferentes inclinações, são para deter o som que vem de fora, e internamente essas paredes refletiam o som produzido no palco. Entendo que esta concha foi um marco da arquitetura nacional quanto à sonorização do auditório.
E a torre de iluminação externa?
Essa torre foi prevista para, uma vez iluminada, anunciar à população os dias de espetáculo. Ela também tem uma relação com o parque, porque está diretamente no eixo do chafariz principal, que por sua vez é o eixo do grande lago do parque, no seu projeto original.
Quais foram as maiores dificuldades para a construção do auditório na Redenção?
Não quero fazer nenhum juízo de valor, mas naquela época a gente tinha a função pública como uma espécie de religião. O Fayet e eu fizemos o projeto. Podia ter sido feito fora, mas nos aventuramos a construir o auditório, para a Prefeitura não depender de empresas e para ser mais econômico. Éramos muito moços, pouco experientes, mas bancamos a obra junto com a Prefeitura, foi na época do Loureiro da Silva.
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Concha acústica foi construída no parque em 1964

Quanto tempo levou a construção?
Levou uns quatro anos, durante a gestão do Loureiro da Silva, não tenho esse registro.  Foi inaugurado em 13 de março de 1964, pelo prefeito Sereno Chaise, que depois foi cassado.
O senhor lembra da inauguração?
Olha, o Fayet e eu ficamos exultantes, porque de certa forma foi um projeto pessoal, fizemos todo o processo com a Assembleia, escolhemos o terreno, fizemos o projeto e o executamos. Então, na inauguração foram dias de glória, eu pelo menos senti isso. Houve uma solenidade com música de Tchaikovsky, foi muito bonita, uma emoção indescritível.
É verdade que os senhores tiveram problemas com o regime militar, que achou que o Araújo tivesse a forma de uma foice e um martelo?
É, existe até uma publicação, se não me engano da UFRGS, que relata esse fato, porque a forma curva do auditório, mais a passarela ali, podem dar a ideia, para quem tem preconcebido isso, de uma alusão ao martelo do Partido Comunista. Nós todos recebemos inquérito. O arquiteto Fayet foi cassado na Faculdade, eu respondi a inquérito lá e na Prefeitura, e essa era uma pergunta que era feita.
E os primeiros tempos de atividades?
O funcionamento do auditório, mesmo sendo descoberto, foi um sucesso. A população aceitou, principalmente a juventude. Havia muita atividade. Aos domingos, mesmo não tendo espetáculo, as pessoas vinham e sentavam nos bancos. Foi um período muito bom. Tanto que nós achávamos que não se devia cobrir o auditório. Só que muitas programações eram canceladas por causa do clima. Então, quando começou a haver imprevistos em espetáculos contratados, surgiu uma campanha em vários setores para cobrir o auditório.
Como foi feito o projeto para cobertura com lona?
Entregamos o projeto da lona ao prefeito Tarso Genro, acompanhado de um relatório, no qual voltamos a insistir que ao invés da lona se fizesse a cobertura permanente, por uma questão de patrimônio público, de permanência no tempo. Já sabíamos que a lona tinha um período de tempo limitado, era de oito anos, depois passou a dez. Mas, por causa do custo e da velocidade de execução, já que era o final do mandato dele, ele optou pela lona.
Como foi a implantação da cobertura com lona?
A lona trouxe vários problemas. Primeiro, porque era uma lona distendida, começou a dar eco, reverberação interna, e o som fugia todo. O próprio município se adiantou na legislação ambiental, de conter o som e tal, o auditório não acompanhava a legislação posterior, e os vizinhos entraram na justiça, proibindo a emissão de ruído. Isso foi fundamental para o novo projeto da cobertura definitiva – se não quero que o som se espalhe pela vizinhança, tenho que fechar todo o prédio; fechando o prédio, precisa ter ar-condicionado.
Em 2005, o senhor foi convidado pela Prefeitura para apresentar um projeto?
A lona foi se deteriorando até que o auditório não teve mais condições de funcionar, e a Prefeitura passou a receber críticas porque tinha abandonado o Araújo. Foram o prefeito José Fogaça e o secretário da Cultura, Sérgius Gonzaga, que nos chamaram para solucionar o problema. Fizemos um estudo e foi estimado um orçamento, mas era só um estudo, ali se revelaria uma obra três vezes mais custosa.
Como ficou a acústica depois da reforma?
O Carlos Konrath, diretor da Opus, sugeriu que fôssemos a São Paulo procurar técnicos para tratar da acústica, mas o trabalho do arquiteto Flávio Simões, que é gaúcho, foi espetacular. Saiu no outro dia no jornal que a acústica era perfeita. O Lulu Santos falou numa entrevista que gostava muito de atuar no Araújo, porque parece que a plateia abraça os artistas, e o som é muito adequado.
Como o senhor vê a questão do Auditório ter um estacionamento?
Essa é outra batalha. Antigamente, era um veículo para cada 400 metros quadrados de construção. Hoje, para o auditório, é um veículo para cada quatro espectadores. O Araújo Vianna que foi feito há 50 anos, não tinha esse tipo de solicitação. Hoje em dia não existe uma atividade assim que não necessite de estacionamento, é uma obrigatoriedade pela lei urbanística do município. Um estacionamento no parque também poderia servir o bairro, o HPS, o parque esportivo e outras atividades da Redenção. Existem equipamentos públicos nas proximidades que não têm estacionamentos porque os prédios são anteriores a esse volume de automóveis.
Qual seria a solução?
Quando o Fayet e eu nos demos conta de que o auditório seria revitalizado sob a vigência de uma lei que obriga a ter estacionamento, passamos a estudar uma forma de suprir essa carência. A forma que encontramos é aceita internacionalmente. Em vários lugares da Europa, os estacionamentos são subterrâneos, também no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte.  Aqui seria sob o Ramiro Souto.
Esse projeto é tecnicamente viável?
Não tem problema nenhum, a questão de maior ou menor custo é inerente às condições do local. O shopping Praia de Belas está todo abaixo do nível do Guaíba. Nesta parte da Redenção, que antes era um banhado, encarece a construção, mas isso é contornável.
O quê o senhor sente quando está no Araújo Vianna?
O arquiteto é pai de sua obra, e quando essa obra é pública, para a frequência popular, é uma parte de cada um dos cidadãos… eu me emociono muito.

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