O primeiro dos apontamentos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) a respeito do descumprimento do contrato de concessão do Cais Mauá à iniciativa privada era a falta de uma “carta de estruturação financeira” que garantisse a capacidade de investimento prevista no empreendimento.
Para tanto, a cláusula 13ª do contrato determinava que o financiamento das obras deveria ser feito por “instituição financeira com patrimônio líquido mínimo de R$ 400 milhões” – valor total das obras projetado pelos empreendedores.
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Essa documentação deveria ser apresentada em até 180 dias após a assinatura do contrato; o descumprimento do prazo geraria multa e, caso passassem 270 dias sem que a carta fosse registrada, o Estado poderia “proceder à declaração de caducidade” do contrato.
No relatório do TCE, os auditores documentam as tentativas do consórcio de cumprir com a cláusula.
A primeira ocorreu em 27 de dezembro de 2012, 296 dias após a assinatura do termo de imissão de posse (que passou a ser considerado o marco zero da negociação após a solução de um conflito com a Agência Nacional dos Transportes, a Antaq).
Ela foi considerada apenas uma “carta de intenções” pelos auditores porque desenhava genericamente as opções de financiamento de que dispunha o consórcio naquele momento: capital próprio dos acionistas, vendas dos direitos de exploração comercial da área e financiamento bancário – para o qual, o Banrisul havia se colocado à disposição.
Já os documentos apresentados em junho de 2013 foram avaliados como “uma estruturação financeira que pode assim ser denominada” pelo TCE, uma vez que informou a criação de fundos de captação que fariam aportes financeiros na empresa.
Porém, grifaram os auditores, “os aportes financeiros dependem da captação de recursos no mercado e não há qualquer garantia de sucesso” – logo, o consórcio seguia descumprindo o contrato porque não havia a comprovação da existência dos R$ 400 milhões líquidos para investimento.
Também a Contadoria e Auditoria Geral do Estado (Cage) não deixou passar em branco o descumprimento do item, recomendando, em fevereiro de 2013, que a Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) “aplique as penalidades e multas previstas” – inclusive a rescisão do contrato “caso a arrendatária continue não atendendo ao que dispôs o edital”.
Mas nada disso vem ao caso na opinião do diretor-geral da Secretaria dos Transportes, Vanderlan Frank Carvalho porque houve um problema de interpretação da norma. “A forma como foi redigida levou a esta situação”, explica.
A cláusula 13ª do contrato diz o seguinte:
“Quando pactuado, pela arrendatária, financiamento para construção, implantação, manutenção, conservação, melhoria, gestão, exploração e operação do Complexo Cais Mauá, a arrendatária deverá apresentar ao arrendante, no prazo máximo de até 180 dias após a celebração do contrato de arrendamento, os contratos firmados com instituições financeiras com patrimônio líquido mínimo de R$ 400 milhões”.
A expressão “quando pactuado” dá margem, segundo Carvalho, a entender que o financiamento via instituição financeira é facultativo, não uma obrigação. A própria Cage teria mudado de ideia ao ouvir as “contrarrazões” do GT: “Na opinião dos técnicos da Cage, é uma cláusula inócua, porque faz uma exigência de algo que acaba sendo uma liberalidade da empresa”, completa o coordenador do grupo.
Sem a carta-garantia, as conversas entre Estado e empreendedor foram suficientes para tranquilizar o Piratini. “A empresa disse que tem condições de fazer o empreendimento com capital próprio e o aporte de recursos será feito no momento oportuno”, justifica Carvalho.
Além do mais, sugere o diretor-geral da pasta, caso houvesse sido cumprida a cláusula dentro da interpretação do TCE, “eles estariam pagando juros de um financiamento milionário sem poder investir”, avalia, em uma referência às licenças para construção, que ainda não foram emitidas pela prefeitura – a licença para demolição e restauração dos armazéns está pronta desde maio de 2013. (NH)