Jornalismo brasileiro perdeu dois mestres

Geraldo Hasse

Serjão e Paulinho, a morte em cores

Nem quando se previne alguém está preparado para escrever obituários. Mesmo com a ajuda das ferramentas de pesquisa oferecidas pela internet, é difícil registrar o desaparecimento súbito de Sérgio de Souza, falecido e cremado nesta terça em São Paulo, depois de uma hospitalização de duas semanas. Vítima de problemas gástricos e pulmonares, Serjão (1935-2008) foi-se dois meses depois de Paulo Patarra (1933-2008), fumante inveterado que morreu de câncer na garganta.
Serjão e Paulinho formaram uma das duplas mais importantes da história do jornalismo brasileiro: comandaram a revista Realidade nos seus melhores momentos, em meados dos anos 1960, quando ela chegou a vender 600 mil exemplares por edição. Antes dela, nos anos 50, o auge fora da revista O Cruzeiro, que teve picos de vender 700 mil exemplares por semana. Depois, tivemos a ascensão de Veja, semanário que demorou uma década para se tornar uma referência.
Em sebos é comum encontrar exemplares de Realidade, mas é bom lembrar que essa revista teve duas fases. Na primeira, nos anos 60, sua ousadia temática e a profundidade dos enfoques eram uma bússola para os leitores e uma referência para os jornalistas dispostos a aprender. Na segunda fase, nos anos 70, diminuiu totalmente — no formato, na criatividade e na coragem. Nos últimos dez anos, Serjão dirigiu a “sua” revista Caros Amigos, que foi talvez seu mais perfeito retrato: um jornal em preto-e-branco, em papel de revista, bem impresso e grampeado, mesclando artigos e reportagens em que os autores tinham a liberdade de se colocar — contra o sistema dominante, claro.
Desde o início, em 1997, Serjão deixou claro que Caros Amigos nasceu para ser uma voz dissonante em meio aos hinos da mídia em homenagem ao “pensamento único” em torno das vantagens do neoliberalismo e da globalização. A última edição, que trouxe na capa a foto do jornalista Luis Nassif, trouxe quatro páginas de anúncios, três do governo federal e um do governo do Piauí. No lugar de Serjão deve ficar Mylton Severiano, o talentoso Myltainho, que também foi da Realidade mas não tem o carisma do chefe.
Serjão foi um chefe absolutamente zen. Tinha olhos e ouvidos para os membros de sua equipe. Coisa rara em comandantes de redações, ouvia os repórteres e escutava a voz das ruas. Também não era de se exaltar. Era bom vê-lo trabalhar, sentado serenamente em sua cadeira, braços acomodados sobre a mesa cheia de papéis devidamente ordenados. Ele tinha um ímã, impunha respeito, mantinha a linha. Mas não era escravo do trabalho ou dos horários.
Alto, magro, alinhado, não fumava e tinha uma vida pessoal admirável. Casado a vida toda com Lana, de origem russa, teve sete filhos. Quem conviveu ele, em família, diz que rolava paz e alegria em sua casa – aliás, suas casas, pois era meio itinerante. Nasceu em São Paulo, mas morou um tempo em Ribeirão Preto, onde, junto com Zé Hamilton Ribeiro, reformou dois jornais e lançou um nanico chamado Domingão, em meados dos anos 1970.
Uma de suas proezas, ao deixar Realidade, foi ajudar a colocar no ar O Bondinho, uma revista que ganhou fama como alternativa embora tenha nascido para ser um house organ dos Supermercados Pão de Açúcar. É claro que a parceria não deu certo. Após dispensar o Bondinho, o Pão de Açúcar criou mais tarde uma revista chamada Doçura.
Depois de uma temporada no Rio, assumiu o desafio de implantar em São Paulo revistas da Editora Globo para disputar mercado com a Editora Abril. Começou com a Globo Rural, cujo estilo até hoje lembra a Realidade original. Logo depois, ao se indispor com a direção da editora, foi fazer outras coisas, mas nunca deixou de trabalhar com informação e jornalismo, às vezes apelando para o formato de livro. Junto com a revista Caros Amigos, ele deixou a Editora Casa Amarela, que publica livros de jornalistas, pensadores e políticos identificados com o pensamento de esquerda. Mais do que uma editora, a Casa Amarela é um ponto de encontro de pessoas unidas pelo inconformismo e a irreverência.

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