Miele, homem de múltiplos talentos

Celia e Celma
Uma de nós, há tempos, andava sozinha por Ipanema, no Rio, quando ouviu uma voz masculina, familiar aos ouvidos: oi, Celia e Celma! Só pode ser ele, pensou, chamando assim, uma, pelo nome das duas. E era, o próprio: Miele…
Com a notícia de sua morte, Luiz Carlos Miele, diretor, ator, humorista, apresentador, roteirista e um muito mais, era um dos últimos chamados showman em atividade no país. Voltemos à uma tarde de verão, em nosso pequeno apartamento em Copacabana, no Rio, final dos anos de 1960: toca a campanhia. Do jeito como estávamos, de chinelos e shorts, caras lavadas, recebemos a dupla do show bizz, Miele e Bôscoli, acompanhados do  pianista Luiz Carlos Vinhas, um dos ícones da Bossa Nova. Vamos inaugurar a melhor casa de shows de São Paulo e queremos vocês como cantoras do conjunto do Vinhas, O Som Psicodélico de LCV. As duas, que começavam a ensaiar os trôpegos passos em direção ao sucesso, não iriam perder essa oportunidade. Era uma tremenda responsa ocupar a linha de frente com Miele e o bailarino Lennie Dale, que também já conhecíamos de nome por ter ensinado a Elis Regina os gestos de girar os braços para trás, na música Arrastão, imagem fresquinha em nossas memórias e nas de todos os brasileiros da época.
Assim, daí a alguns dias já estávamos em Sampa, de mala, cuia e sonhos… Quanto a boate onde nos apresentávamos, a Blow Up, fez história com essa temporada de casa lotada todas as noites. Sairam matérias jornalísticas nos principais meios de comunicação, gravação de disco e até um convite para sermos apresentadoras de televisão…. Para compor o espetáculo, foi preciso deixarmos as lourices de lado e encarar os cabelos tingidos de preto. O figurino também foi tratado com esmero:  vestiu-nos o badaladíssimo costureiro Dener. Miele, sempre atento aos detalhes, nos acompanhou na visita à mansão do elegante estilista que, após nos examinar de cima a baixo, jogou delicadamente dois vaporosos vestidos em nossa direção, dizendo: vistam!, sob nossos ingênuos e assustados olhares. Depois, observador como era, Miele repetiu, diante do elenco da Blow Up, os gestos e atitudes afetados do estilista, homossexual assumido,  como não se via naqueles tempos, o que provocou uma gargalhada geral. Até então, só o “atelier “da Gioconda, nossa mãe, tinha coberto as peles dessas duas…
Durante a temporada de shows, uma de nós, a Celia, pegou um belo resfriado, em consequência do frio paulistano e por três noites foi substituída por Miele. Ele, debochado, criativo, pendurou o tal vestido do Dener num cabide e o gancho do mesmo no colarinho de sua camisa, para ficar “gêmeo” com a outra; com sua imitação, “as duas” fizeram o show… . O que podemos afirmar é que esse tempo foi fundamental para nos dar um amadurecimento não só como artistas mas também como pessoas, nós, iniciantes, eles experientes e na crista da onda, como se dizia…
Outro fato que não dá pra esquecer, foi quando o Miele, arregalando seus olhos claros, pegou no guarda roupa de seu camarim partes de seu smoking, retalhado por sua mulher, para se vingar de uma traição do marido. Olhem o que a Anita fez, mostrava os pedaços do que havia sido gola, ombros, mangas… Tudo muito diferente do mundo de onde havíamos vindo, de U.B.A. City (leia-se  Iú –Bí- êi city …) como nos anunciavam Miele e Lennie, brincando com nossa origem interiorana…
Foi ainda de Miele/Bôscoli a direção do nosso grupo do Vinhas nos salões do Copacabana Palace, no Rio,  para receber a dama da Pepsi Cola, Joan Crawford, então a super estrela de Hollywood. Lindo!
Bem, não cabem aqui mais histórias, apenas queríamos fazer essa homenagem a um ex diretor e companheiro de palco, homem de múltiplos talentos que soube aproveitar como poucos as oportunidades que teve, até o fim da sua vida eletrizante.
Valeu, Miele!

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